18.2 “Intuitu personae”
6. VARIAÇÕES DECORRENTES DA NATUREZA DO PRODUTO
7.4 Direitos do consumidor após os 30 dias
Passemos agora ao exame dos incisos I, II e III do § 1° em comento, em função do contido na segunda parte de sua redação.
Se o problema não for sanado no prazo de 30 dias, o consumidor passa a ter direito a executar certas alternativas que a norma garante.
7.4.1 Proibição de oposição
Não pode o fornecedor se opor à escolha pelo consumidor das alternativas postas. É fato que ele, o fornecedor, tem 30 dias. E, sendo longo ou não, dentro desse tempo, a única coisa que o consumidor pode fazer é sofrer e esperar. Porém, superado o prazo sem que o vício tenha sido sanado, o consumidor adquire, no dia seguinte, integralmente, as prerrogativas do § 1° ora em comento.
E, como diz a norma, cabe a escolha das alternativas ao consumidor. Este pode optar por qualquer delas, sem ter de apresentar qualquer justificativa ou fundamento. Basta a manifestação da vontade, apenas sua exteriorização objetiva. É um querer pelo simples querer manifestado345.
7.4.2 Substituição do produto
A primeira alternativa à disposição do consumidor (a do inciso I) é a da substituição do produto por outro da mesma espécie, obviamente em perfeitas condições de uso. A norma disse menos do que devia, necessitando ser, então, interpretada extensivamente. É que a redação do inciso I diz: “substituição do produto por outro da mesma
‘espécie’...”. O certo seria dizer “mesma espécie, marca e modelo”. Essa é a intenção da norma, tanto que, ao tratar de uma outra alternativa dada ao consumidor, quando ele não pode obter o mesmo tipo de produto, o CDC fala em “espécie, marca ou modelo” (cf. o § 4° do art. 18, que comentaremos na sequência).
consumidor, por absurdo, poderia exigir a troca de uma TV de 20 polegadas de uma marca de reconhecida menor qualidade (espécie) por outra de 29 polegadas de marca de melhor qualidade (mesma espécie, mas com marca e modelo diferentes).
Assim, a alternativa do inciso I deve ser lida como: “substituição do produto por outro da mesma espécie, marca e modelo, em perfeitas condições de uso”.
A lei dá ao consumidor uma alternativa e nós gostaríamos, se pudéssemos, de dar um recado: é preciso que o
consumidor avalie se a saída é boa, já que será o mesmo produto, que pode vir a apresentar novamente o mesmo vício. E, se o novo produto também apresentar vício, começará tudo de novo, com a devolução do prazo de 30 dias para o fornecedor sanar o vício. É que a hipótese do inciso I implica o desfazimento da entrega do produto com efeito ex tunc. Retorna-se ao início da relação. Os prazos para ambos os lados começam a fluir novamente, como se a operação
anterior não existisse. A única ação inexistente é a de pagamento do preço e a emissão de notas fiscais de venda e compra (a nota fiscal será de troca). O risco da escolha, de qualquer maneira, é do consumidor, como se estivesse agora adquirindo o produto novo.
Contudo, pode acontecer de o consumidor exigir a troca do produto por outro da mesma espécie, marca e modelo e o fornecedor não tê-lo para entregar ao consumidor porque:
a) não há no estoque e não haverá mais, pois aquela espécie, marca e modelo não é mais fabricada;
b) não há no estoque, e a próxima remessa demorará para ser entregue (e o consumidor não quer e nem precisa esperar).
Que acontece, então?
A resposta está no § 4° do mesmo art. 18. Os comentários ao § 4° serão feitos no momento oportuno, pois para fazê-lo é necessário que se examinem antes os outros dois incisos do § 1°. Assim, remetemos a resposta a essa questão para os comentários feitos à frente.
7.4.3 Medida judicial
Ainda, antes de prosseguirmos, é necessário fazer uma pergunta importante: que acontece se o fornecedor se nega a substituir o produto? No campo do direito material, a solução está dada, mas qual o remédio processual à disposição do consumidor?
O próprio CDC responde essa questão: trata-se de ação de obrigação de fazer a ser ajuizada contra o fornecedor. É a hipótese do art. 84, caput, que dispõe, in verbis:
“Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do
adimplemento”.
E, como a demora da demanda judicial poderia tornar praticamente inútil a medida, beneficiando o fornecedor infrator, a norma da lei consumerista prevê a possibilidade de antecipação de tutela, por expressa disposição do § 3°, que assim está redigido:
“§ 3° Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.
Logo, o consumidor, em caso de recusa do fornecedor em efetuar a troca solicitada, poderá requerê-lo por medida judicial, na qual pleiteará do juiz a concessão da tutela antecipada. O produto viciado, se estiver em mãos do
consumidor, será colocado à disposição do fornecedor ou depositado em juízo.
A concessão da antecipação de tutela pelo juiz da causa é praticamente obrigatória na hipótese em estudo, uma vez que: a) o fundamento da demanda é relevante; b) há justificado receio de ineficácia do provimento final, já que, se o produto não for substituído imediatamente por outro da mesma espécie, marca e modelo, ao final da demanda é provável que não exista mais e/ou já esteja ultrapassado, tecnicamente falando.
Para tornar eficaz a medida concedida antecipadamente, o juiz poderá impor multa diária ao fornecedor. Tal decisão é compatível com o pedido e será suficiente para obrigar o fornecedor a efetuar a troca do produto. Essa alternativa é a do § 4°, que dispõe:
“§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito”.
Em vez da multa, pode o juiz determinar a busca e apreensão do produto necessário para a troca, o que pode ser requerido pelo consumidor no pedido inicial. Isso por disposição do § 5° do mesmo artigo. Eis a redação dessa norma:
“§ 5° Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial”346.
Não olvidemos de colocar que, como sempre, o ônus da prova é do consumidor, mas com a possibilidade — e necessidade — de inversão desse ônus, por disposição do inciso VIII do art. 6°347.
Note-se que o CDC, já desde 11 de março de 1991, previa a antecipação de tutela, que só foi incorporada às normas adjetivas privatistas com a minirreforma de 1994/95348.
7.4.4 Restituição da quantia paga mais perdas e danos
Passemos ao inciso II, que apresenta algumas questões intrigantes. A primeira parte da oração aponta o mais natural para um consumidor desgostoso com a não solução do seu problema. Está disposto que o consumidor pode exigir “a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada...”. É uma boa alternativa: tomar de volta o
dinheiro pago e com ele procurar outro produto de marca diferente.
A questão que se coloca é a relativa à segunda parte da oração: “sem prejuízo de eventuais perdas e danos”. Quer dizer, então, que a opção pela alternativa II dá ao consumidor o direito de pleitear também indenização pelos danos sofridos em função da espera de 30 dias, sem o saneamento do vício?
A resposta é sim, mas comporta uma série de nuanças.
Primeiramente, o sentido de “perdas e danos”. A expressão há de ser entendida como danos materiais (emergentes e lucros cessantes) e moral. Ou seja, a norma garante ao consumidor o direito a pleitear indenização pelos danos sofridos, em função da passagem do prazo de 30 dias sem o efetivo conserto do produto.
A responsabilidade civil nesse caso é diversa daquela firmada no caput do art. 12, ainda que da mesma forma seja objetiva.
É responsabilidade objetiva porque, como já o dissemos, todo tipo de responsabilidade do fornecedor no CDC é objetivo, com exceção do caso do profissional liberal na previsão do § 4° do art. 14, com as características
apontadas349.
Porém, não é responsabilidade que nasça do mesmo tipo de defeito apontado no caput do art. 12. Há defeito sim, mas ele é caracterizado pela não realização do serviço de conserto, e dentro do prazo oferecido. Ou, em outras palavras, a caracterização do defeito aqui nasce da conjunção de dois fatores:
a) serviço incompleto ou não realizado e que manteve o produto viciado; b) extinção do prazo de 30 dias para o saneamento do vício.
A sistemática de pleito e apuração da indenização segue o mesmo esquema apontado no art. 14, com as variantes aqui tratadas: o consumidor tem de demonstrar o dano, o nexo de causalidade entre este e a ausência ou
incompletude do serviço que manteve o produto viciado, bem como a extinção do prazo de 30 dias, indicando o fornecedor responsável.
Graficamente:
Como sempre, é de levantar a pergunta sobre o ônus da prova, e a resposta será a mesma: o ônus da prova do dano, do nexo de causalidade entre ele e o serviço incompleto, ausência do serviço, manutenção do produto viciado e
extinção do prazo de 30 dias, com a indicação do fornecedor responsável, é do consumidor. Porém, tal ônus pode — e deve — ser invertido nas hipóteses do inciso VIII do art. 6°.
Assim, graficamente, temos:
7.4.5 Defesa do fornecedor
Indaga-se agora: e o fornecedor, pode fazer uso das alternativas de defesa previstas no § 3° do art. 14350?
Sim, pode, na medida em que a sistemática é a mesma. E como se trata, similarmente, de dano causado por defeito do serviço, o caminho é o mesmo. Contudo, há uma única alternativa de defesa: a do inciso I do § 3° do art. 14. O fornecedor pode desonerar-se de demonstrar que não há defeito. Como sempre, o ônus da prova é dele351.
A alternativa do inciso II do § 3° do art. 14 não pode ser acionada pelo fornecedor, uma vez que as hipóteses lá previstas são impossíveis de ocorrer no caso. A norma fala que o fornecedor não responde se provar culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (inciso II). Ora, nenhuma das duas possibilidades se dará. Foi o fornecedor que ficou com o produto para consertá-lo e não o fez. O produto estava sob sua guarda. Não tem ele como alegar que o serviço não se efetuou a contento com culpa de quem quer que seja: consumidor ou terceiro352.
7.4.6 Resumo do inciso II do § 1°
Dessa maneira, ao optar pela alternativa do inciso II do § 1° do art. 18, o consumidor pleiteará a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada (isto é, corrigida pelos índices oficiais de inflação), e, além disso, poderá pleitear indenização pelos danos materiais e morais sofridos353.
7.4.7 Abatimento proporcional do preço
Examinemos agora o inciso III, que permite que o consumidor peça abatimento proporcional do preço. Isto é, que requeira devolução da parte do valor já pago ou que deixe de pagar parte ou toda a quantia ainda faltante (caso o pagamento do preço seja a prazo), na exata medida do vício existente e não solucionado no prazo de 30 dias.
Essa terceira alternativa à escolha do consumidor dependerá de uma análise feita por ele no caso concreto, verificando se vale a pena o pedido de abatimento do preço.
Apesar de se poder negociar com o fornecedor o valor do abatimento, nem sempre será fácil chegar a um número. Pode-se tratar de mero vício estético e o consumidor conformar-se em ficar com o produto mediante a devolução de parte do preço pago ou pode ser vício que impeça o funcionamento, mas que o consumidor tenha como consertar com terceiro — nessa hipótese o abatimento será o valor cobrado pelo terceiro para o conserto. Não é, de qualquer forma, fácil chegar ao valor do abatimento. Numa ação judicial, por exemplo, as alternativas processuais não são muito favoráveis. O feito terá curso regular e dependerá de perícia. Não havendo composição amigável, é muito melhor o consumidor optar pelas outras duas alternativas, que recebem, inclusive, um tratamento da norma processual muito mais eficiente, como se viu.
7.4.8 Cumulação de alternativas
É preciso, ainda, perguntar se aquela hipótese do pedido de indenização pela opção da restituição da quantia paga — e devolução do produto viciado —(inciso II) cabe também no caso de opção pela substituição do produto (inciso I). Ou, em outras palavras, se o consumidor, servindo-se da prerrogativa do inciso I, requerer a substituição do produto, tem também direito ao pleito de indenização por danos materiais e/ou morais.
A resposta somente pode ser sim. Não há, de fato, muita diferença prática entre requerer a troca do produto por outro da mesma espécie, marca e modelo e pedir a restituição da quantia paga. Em ambos os casos, o resultado pode ser adquirir novo produto. Explica-se: com o valor do preço devolvido, o consumidor pode comprar o mesmo produto em qualquer estabelecimento comercial e até no mesmo em que o tenha adquirido anteriormente.
Se se responder que o direito a indenização somente existe quando o consumidor se vale da hipótese do inciso II, requerendo a restituição da quantia paga, então, toda vez que o consumidor tivesse — ou quisesse pleitear — direito a indenização por danos materiais e/ou morais e também quisesse a troca do produto, ele facilmente burlaria a lei: em vez de pedir a troca, requereria a devolução do valor do preço, e com esse dinheiro compraria o produto. Assim, poderia pleitear indenização. Logo, a interpretação lógico-sistemática dessas normas leva à resposta positiva: em qualquer caso do § 1° do art. 18, o consumidor pode pleitear indenização pelos danos materiais e/ou morais sofridos. Inclusive, no caso do inciso III, pelos mesmos fundamentos supra-apresentados.