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4 “SEM IDENTIFICAÇÃO” DO FABRICANTE, PRODUTOR, CONSTRUTOR OU IMPORTADOR

5. INFORMAÇÃO CAUSADORA DO DANO

Ainda em relação ao caput do art. 14, há um aspecto a ser destacado. É o da informação, que, como já dissemos, é elemento inerente ao serviço (e ao produto). Dessa maneira o consumidor pode sofrer dano por defeito não

necessariamente do serviço em si, mas da informação inadequada ou insuficiente que com ele seja fornecida. E, claro, também pela falta da informação. Aqui no caput do art. 14, tal como no caso do produto (caput do art. 12), a lei não menciona a falta de informação, mas ela decorre logicamente das outras duas hipóteses. Se informação insuficiente pode causar dano, sua ausência total, por mais força de razão, também.

Em realidade, alguns serviços praticamente nem existem sem um mínimo de informações, dadas suas peculiaridades e as complexas relações existentes, além das necessárias ações a cargo do consumidor. Estão no elenco como exemplo os serviços de assistência médica (planos de saúde e seguro-saúde), os consórcios, os serviços bancários em geral, os serviços de cartões de crédito, os serviços educacionais etc. Alguns serviços nem sequer funcionam sem que as informações sejam fornecidas. Logo, há uma boa potencialidade para danos também nos serviços por conta da informação.

Tomemos um exemplo. Vamos completar a malfadada viagem do consumidor João da Silva à Europa (nosso exemplo anterior).

Quando ia de Paris para Roma, João descobriu, no aeroporto, que não tinha lugar reservado. É que, disseram-lhe no balcão da companhia aérea, ele deveria ter confirmado a reserva com 72 horas de antecedência. Acontece que não tinha recebido essa informação283.

Para não perder a viagem, teve de fazer endosso da passagem para outra companhia, que tinha voo no mesmo dia. Porém, pagou um acréscimo considerável para poder seguir para Roma: a passagem era mais cara.

6. SOLIDARIEDADE

Prosseguindo, cabem mais algumas palavras, ainda, a respeito do caput do art. 14. Quando comentávamos o caput do art. 12, observamos que na fabricação de qualquer produto sempre entra em jogo uma série de componentes, desde a matéria-prima e insumos básicos até o próprio design, o projeto, passando pelas peças, equipamentos etc. O produto ao final tem um responsável direto. Por exemplo, a montadora do automóvel. Mas é possível identificar os fabricantes dos componentes. Por exemplo, o fabricante dos amortecedores, dos pneus, dos vidros etc.284.

No caso do serviço, ocorre algo similar. Há alguns serviços prestados de maneira direta e praticamente pura, tais como o de consulta médica, o de ensino, o do cabeleireiro etc.285. Mas há serviços que são compostos de outros, tais

como o de administração de cartão de crédito, que envolve a administradora, os bancos, que recebem os pagamentos das faturas e os boletos de venda dos comerciantes, os correios, que transportam as faturas e demais

correspondências, os serviços telefônicos, cujos canais são importantes no atendimento ao consumidor etc.286.

Há, ainda, outros serviços que são necessariamente compostos pela prestação dos serviços e da utilização de produtos. Não há o serviço sem o produto. Por exemplo, os serviços de consertos de automóveis e as respectivas trocas de peças, os serviços de assistência técnica de conserto de eletrodomésticos, os serviços domésticos de pintura e instalação elétrica etc.

Há, também, similar ao anterior, produtos e serviços vendidos simultaneamente. Por exemplo, carpetes e sua colocação, papéis de parede e sua fixação, boxes de banheiro e sua instalação etc.

Visto isso, pergunta-se: qual é a participação na responsabilidade por defeitos de todos esses agentes que se envolvem na prestação dos serviços?

A resposta é exatamente a mesma dada para o caso dos agentes fabricantes das várias peças de um produto final: todos são responsáveis solidários, na medida de suas participações. Haverá, é claro, o prestador do serviço direto que provavelmente venha a ser o acionado em caso de dano. Porém, todos os demais participantes da execução do serviço principal, que contribuíram com seus próprios serviços e seus produtos são, também, responsáveis solidários.

7. EXEMPLO N. 1

Assim, por exemplo, a Administradora de Cartões de Crédito “X” remete ao consumidor a fatura para o pagamento das compras. Esse consumidor, João da Silva, no dia do vencimento da fatura, comparece ao Banco Y e faz o

pagamento. Foi um mês de muitas despesas, tantas que João até estourou o limite de crédito do seu cartão, concedido pela administradora. Note-se que os bancos são parceiros do serviço da administradora, na medida em que esta os indica para que eles recebam e deem quitação aos pagamentos feitos pelo consumidor.

O referido Banco Y, por falha de seu sistema operacional, não remete para a administradora o comprovante de pagamento de João, que permanece com sua conta do cartão de crédito em aberto, constando como devedor, a partir do dia do vencimento.

João até recebe uma carta da administradora dizendo que era devedor, mas não se incomodou, porque ao pé da folha estava escrito para que ele desconsiderasse o aviso caso o pagamento já tivesse sido feito. Depois, como não foi mais contatado, esqueceu o assunto.

Passados alguns dias, João teve a oportunidade de fechar negócio de compra de um automóvel, que estava sendo vendido por preço muito abaixo do mercado. É que o dono da loja de veículos precisava fazer caixa e promoveu uma verdadeira “queima” de seu estoque. Como João já queria há tempos trocar de carro, não queria perder a

oportunidade. Mas, como tinha efetuado muitos gastos no mês anterior com alguns problemas e uma viagem de férias, teve de se socorrer de um empréstimo bancário para pagar o preço pedido.

João nem se preocupou, pois era bom cliente do banco. Fez a solicitação do crédito com urgência, pois precisava fechar o negócio no dia seguinte. O dono da loja de automóveis disse que só seguraria a transação por 24 horas, pois já havia outros interessados. O gerente do banco prometeu aprovar o crédito no mesmo dia. No dia seguinte o

dinheiro já estaria depositado na conta corrente de João.

À tarde o gerente telefona para João e diz que seu crédito fora negado porque seu nome estava lançado no cadastro de devedores do serviço de proteção ao crédito. Era um alto valor apontado pela administradora de seu cartão de crédito. João correu para resolver o assunto, mas quando conseguiu, três dias depois, o automóvel já havia sido vendido. Ele perdera o bom negócio, além de ter tido sua imagem manchada pela negativação indevida.

Os danos estão claros: João tem direito a indenização por aquilo que deixou de ganhar na compra do automóvel com desconto — comparado com outro similar a preço de mercado —, além de indenização por dano à sua imagem e danos morais.

Agora, o que nos interessa: foi o banco primeiramente citado aquele que não processou o pagamento de João. Ele poderia, então, ser acionado caso João quisesse e, no caso, soubesse. O fato é que numa situação dessas é a

administradora que fatalmente será acionada. João provavelmente não pensa que a falha no processamento do

pagamento foi do banco. Acionará a administradora pura e simplesmente. Esta, no direito de regresso que lhe assiste ou nas condições contratuais estabelecidas com o banco, após ter pago a indenização ao consumidor, pode acionar o banco para cobrar dele a participação parcial ou integral. Como a relação existente entre a administradora do cartão e o banco é típica de direito privado, não existe impedimento para que eles estabeleçam entre si, via contrato, direitos e obrigações que digam respeito ao pagamento de indenizações aos consumidores por defeito dos serviços. As partições podem ser fracionadas, divididas em partes iguais, fixadas em percentuais etc.

8. EXEMPLO N. 2

Vejamos agora um exemplo que envolva serviço e produto utilizado no serviço.

Determinado avião da viação comercial prepara-se para transportar passageiros da cidade do Rio de Janeiro para Salvador. Logo após a decolagem, houve uma pane no sistema de reversão, ocasionando grave acidente, com a morte de dezenas de pessoas. Várias outras foram atingidas na rua, já que o avião caiu sobre várias casas.

Os danos são evidentes e nem sequer precisam ser comentados. Foram ocasionados pelo serviço de transporte prestado. Um exame técnico pode demonstrar que, de fato, o que gerou o acidente foi uma falha no sistema mecânico em função da quebra e não funcionamento de um dos componentes do motor.

Tem-se, então, pelo menos dois responsáveis solidários pelo acidente: a companhia aérea transportadora e o fabricante da peça. Os consumidores, isto é, os familiares das vítimas e os consumidores equiparados — os que tiveram as casas atingidas, na rua — podem acionar qualquer deles, ou ambos. Após o pagamento da indenização, como sempre, os responsáveis podem repartir ou cobrar um do outro a participação no evento danoso.

Conforme já indicamos na oportunidade dos comentários ao caput do art. 12, quando tratamos do defeito do produto, também na hipótese do caput do art. 14 há essa ampla responsabilização solidária dos agentes, que de resto decorre diretamente da sistemática de defesa dos direitos do consumidor estabelecida no CDC.

Mas, além disso, como também já observamos naquela outra oportunidade, essa solidariedade decorre expressamente da redação do parágrafo único do art. 7° e dos §§ 1° e 2° do art. 25.

Lembremos, tais normas têm a seguinte redação: “Art. 7° (...)

Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”.

“Art. 25. (...)

§ 1° Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.

§ 2° Sendo o dano causado por componente ou peça incorporada ao produto ou serviço, são responsáveis solidários seu fabricante, construtor ou importador e o que realizou a incorporação”.

Mas, claro, normalmente, em casos como o desse exemplo, o mais sensato para o consumidor é o acionamento extrajudicial ou judicial da companhia aérea, uma vez que é ela a responsável direta. E, como responde objetivamente pelo acidente de consumo, nem sequer vale a pena tentar descobrir qual o motivo real — mecânico — que ocasionou o evento danoso.

9. AUTORIZAÇÃO GOVERNAMENTAL

Como existem serviços que são fiscalizados por órgãos governamentais e que necessitam de autorização para funcionar, tais como os consórcios, as companhias de seguros, os bancos etc., é relevante consignar aqui, da mesma forma como fizemos com os produtos, que nenhuma autorização dos órgãos responsáveis pela permissão de

funcionamento e fiscalização dos serviços é motivo para excluir a responsabilização de quem quer que seja. No máximo, o órgão e indiretamente o ente estatal envolvidos são, também, responsáveis solidários pelo dano causado. Com ou sem a chancela do órgão público ao serviço oferecido, a responsabilidade do prestador continua idêntica. E, obviamente, o mesmo vale, com mais força de razão, para os casos de aprovações de entidades privadas e órgãos de classe. Nada retira a responsabilidade do prestador do serviço.