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SERVIÇOS COM ATENÇÃO NORMATIVA ESPECIAL

4 “SEM IDENTIFICAÇÃO” DO FABRICANTE, PRODUTOR, CONSTRUTOR OU IMPORTADOR

10. SERVIÇOS COM ATENÇÃO NORMATIVA ESPECIAL

Antes de terminarmos os comentários ao caput do art. 14, é necessário dizer que alguns serviços mereceram atenção especial do CDC. Os serviços de assistência técnica, no que respeita à troca de peças, estão regrados no art. 21. Os serviços públicos são estipulados no art. 22. A feitura do (serviço de) orçamento foi tratada no art. 40, c/c o art. 39, VI. Os serviços de cobrança estão normados no art. 42. Os serviços de bancos de dados e cadastros de consumidores e os de proteção ao crédito estão regulados pelos arts. 43 e 44. Remetemos o leitor aos comentários específicos a cada um desses artigos, lembrando que são serviços prestados e submetidos a todas as regras do CDC, o que naturalmente inclui a responsabilidade civil objetiva, estipulada nos arts. 14 (defeito), 20 (vícios) etc.

11. A IMPROPRIEDADE DO § 1°

O § 1° do art. 14 é dispensável, da mesma maneira como o é o § 1° do art. 12, uma vez que nada acrescenta ao conteúdo do caput, nem o excepciona. Vejamos por quê.

Está escrito: “O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar...”. Ora, como vimos, defeito no serviço dá origem a acidente de consumo com dano ao patrimônio jurídico material e/ou moral do consumidor. Não é evidente que sempre se espere que nenhum serviço cause dano ao consumidor? Não existe serviço que possa gerar alguma insegurança que cause dano sem ser defeituoso. Logo, não era preciso dizê-lo.

11.1 Contradição

E, pior ainda: ao contrário do que está dito, o serviço pode ser defeituoso apesar de oferecer toda a segurança que dele se espera. Na realidade, esse é o elemento mais relevante do defeito: a surpresa. O serviço parece seguro, mas causa o dano. Eis o problema. Bem o oposto do que está escrito na norma.

Um consumidor pode estar bastante seguro de que suas jóias e ouro estão muito bem guardados no cofre-forte de um banco. No entanto, uma fraude perpetrada pelos funcionários do banco pode causar-lhe boa surpresa: abrir o cofre e nada encontrar; e com enorme prejuízo.

11.2 Resultado e riscos razoáveis

O único ponto realmente relevante do § 1° é o do inciso II, que desqualifica o defeito do serviço pelo “resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam”.

Diga-se desde já que essa redação deveria aparecer também, e seria mais apropriada, no art. 20, já que o serviço pode não ser considerado viciado exatamente porque o problema estava dentro do resultado e riscos que

razoavelmente dele se esperava287. Como não está lá, tem-se de fazer uma interpretação extensiva para considerar

abarcada a hipótese também do vício.

Em cima dessas considerações, lembre-se, então, que há serviços que naturalmente geram insegurança, tais como viagens de avião, navio, serviços de odontologia, hospitalares, médicos etc., e em alguns é exatamente a insegurança que é buscada — é, na verdade, o serviço oferecido —, tais como os de parques de diversão: andar na montanha-russa, carros de trombada, casa malassombrada etc. A “falta de insegurança” aí é que seria o vício (claro que limitada ao aspecto físico-psicológico relativo ao uso regular do serviço).

11.3 Sem sentido

Quanto ao inciso I, ele nada significa, pois diz que o “modo do fornecimento” do serviço pode ser caracterizador do defeito. Mas não é o modo o problema; é o dano. O modo tem de ser sempre adequado.

O inciso III, já a exemplo do que consta do § 1° do art. 12, é ininteligível. Mais uma vez a intenção do legislador

parece ter sido a de salvaguardar velhas tecnologias diante dos avanços surgidos. Mas escreveu mal. Não há data que evite defeito. Não é a época que pode determinar se há defeito ou não. Se o consumidor sofrer dano,

independentemente da época, tem direito a ser ressarcido. Talvez a norma quisesse tratar de garantia e prazos de garantia. Se foi isso, fê-lo inadequadamente e de forma obscura. Mas nem precisaria, pois outros artigos cuidam da questão288. Assim, o inciso III está ligado ao § 2° comentado na sequência.

12. O § 2° ESTÁ DESLOCADO

Em primeiro lugar a observação evidente: o § 2° está deslocado no CDC. É regra que deveria estar no art. 20, uma vez que a hipótese aventada da “adoção de novas técnicas” em detrimento do serviço mais antigo pode apenas gerar vício. Ou, em outras palavras, a regra salvaguarda somente o vício eventual dos serviços executados com técnicas menos modernas. Defeito, conforme já comentamos, se ocorrer, independerá de ser a tecnologia mais ou menos moderna.

A norma somente poderia, como pode, excetuar problema por avanço tecnológico em caso de vício, não de defeito. Repita-se, com ou sem outro serviço executado com nova e melhor técnica, havendo acidente de consumo — e, assim, defeito —, haverá responsabilidade em indenizar.

A lei pretende estabelecer certas garantias ao prestador de serviço, dizendo que o fato de certo serviço similar, de melhor qualidade e operado com novas técnicas estar sendo oferecido no mercado não transforma o seu em viciado por inadequação. Por exemplo, numa academia de ginástica, entre os aparelhos oferecidos está uma esteira mecânica para a prática do jogging — ou corrida —, e noutra, mais moderna, há uma esteira eletrônica. Na primeira, a esteira funciona pelo simples acionar dos passos do consumidor-usuário na prancha de borracha sob seus pés. Na segunda, a esteira é acionada por um mecanismo eletrônico que se vai adaptando aos passos mais fortes ou mais fracos do

consumidor. A primeira só funciona no plano. A segunda simula subidas. A primeira não aponta nenhum tipo de medição. A segunda marca tempo, distância, velocidade e, acoplando-se uma cinta ao peito do usuário, aponta até os batimentos cardíacos. Pergunta-se: a segunda transforma a primeira em viciada? Não. Apenas a deixou obsoleta e antiquada. Muito provavelmente o consumidor-usuário da primeira troque de academia.

Agora, se houver algum tipo de defeito, ele ocorrerá em qualquer dos casos. Se qualquer das esteiras se romper, pode machucar tanto o usuário da primeira quanto o da segunda. E, muito embora a primeira deixe o usuário consigo mesmo no controle do tempo, velocidade e seu próprio batimento cardíaco, por ironia é a segunda que pode gerar grande dano, por exemplo, marcando o batimento erradamente por falha do sistema eletrônico289.

Deve-se, portanto, mais uma vez, consertar o equívoco do legislador, preservando sua intenção de salvaguardar o serviço oferecido com tecnologia antiga. A salvaguarda vale, mas para vício, não para defeito.

13. SÍNTESE GRÁFICA

14. O § 3°

Como a sistemática adotada é a da responsabilidade objetiva, demonstrado pelo consumidor o dano, o nexo de causalidade do dano e do serviço, com a indicação do responsável, pode este, caso queira — e possa —, desconstituir sua obrigação de indenizar nas hipóteses previstas no § 3° em comento.

Da mesma maneira como o fizemos ao comentar o § 3° do art. 12, vale que, preliminarmente, comentemos o relevante aspecto da prova do nexo de causalidade. A questão lá levantada e que se repete aqui, adaptada ao serviço, é a de saber se o consumidor é que tem a obrigação de provar o dano, o nexo de causalidade existente entre o dano e o serviço e apontar o responsável pela prestação do serviço.

15. A PROVA DO DANO E DO NEXO DE CAUSALIDADE

Nos comentários ao inciso VIII do art. 6° apontamos de que maneira se pode dar a inversão do ônus da prova. Ela é norma adjetiva que se espalha por todas as situações em que, eventualmente, o consumidor tenha de produzir alguma prova. Nesse caso, também do dano e do nexo de causalidade.

Logo, respondendo à questão: é ao consumidor a quem incumbe a realização da prova do dano, do nexo de

causalidade entre o dano e o serviço, com a indicação do responsável pela prestação do serviço. Contudo, o ônus de produzir essa prova pode ser invertido nas hipóteses do inciso VIII do art. 6°290.

Graficamente:

Concluída pelo consumidor essa fase da prova do dano, do nexo de causalidade entre o dano sofrido e o serviço prestado, com a indicação do responsável pela prestação do serviço, deve este último pura e simplesmente pagar o valor da indenização que for apurada, sem praticamente possibilidade de defesa291. Suas únicas alternativas de contestação são as previstas no § 3° do art. 14.