• Nenhum resultado encontrado

4 “SEM IDENTIFICAÇÃO” DO FABRICANTE, PRODUTOR, CONSTRUTOR OU IMPORTADOR

16. EXCLUDENTES DE RESPONSABILIZAÇÃO

Então, para comentarmos esse § 3°, comecemos retomando aquilo que já tivemos oportunidade de verificar: a responsabilidade civil objetiva estabelecida no CDC é a do risco integral. Com a leitura e interpretação do § 3° do art. 14, ter-se-á a confirmação definitiva dessa afirmativa292.

Iniciemos pelas três constatações mais contundentes: a) o uso do advérbio “só”; b) a inexistência das tradicionais excludentes “caso fortuito” e “força maior”; e c) a do inciso II: culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

16.1 O advérbio “só”

A utilização do advérbio “só” não deixa margem a dúvidas. Somente valem as excludentes expressamente previstas no § 3°, que são taxativas. Qualquer outra que não esteja ali tratada obriga o responsável pela prestação do serviço defeituoso.

16.2 Caso fortuito e força maior não excluem a responsabilidade

Isso nos leva à segunda constatação. O risco do prestador do serviço é mesmo integral, tanto que a lei não prevê como excludente do dever de indenizar o caso fortuito e a força maior. E, como a norma não estabelece, não pode o prestador do serviço responsável alegar em sua defesa essas duas excludentes.

Assim, por exemplo, se um raio gera sobrecarga de energia num condutor de energia elétrica e isso acaba

queimando os equipamentos elétricos da residência do consumidor, o prestador do serviço de energia elétrica tem o dever de indenizar os danos causados ao consumidor.

O que acontece é que o CDC, dando continuidade, de forma coerente, à normatização do princípio da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo293, preferiu que toda a carga econômica advinda de defeito recaísse sobre o prestador do serviço. Se a hipótese é de caso fortuito ou de força maior e em função disso o consumidor sofre acidente de consumo, o mal há de ser remediado pelo prestador do serviço. Na verdade o fundamento dessa ampla

responsabilização é, em primeiro lugar, o princípio garantido na Carta Magna da liberdade de empreendimento, que acarreta direito legítimo ao lucro e responsabilidade integral pelo risco assumido294. E a Lei n. 8.078, em decorrência

desse princípio, estabeleceu o sistema de responsabilidade civil objetiva, conforme vimos no início desta seção. Portanto, trata-se apenas de questão de risco do empreendimento. Aquele que exerce a livre atividade econômica assume esse risco integral.

16.3 Culpa exclusiva do consumidor

A terceira constatação é a do inciso II. Na primeira parte da oração desse inciso, a norma dispõe que o prestador do serviço não responde se provar culpa “exclusiva” do consumidor. Ressalte-se: culpa exclusiva. Se for caso de culpa concorrente do consumidor (por exemplo, o serviço não é bem executado e há também culpa do consumidor), ainda assim o prestador do serviço tem a responsabilidade de reparar integralmente os danos causados. No entanto, em casos de condenação por danos morais na hipótese de culpa concorrente do consumidor, pode o magistrado reduzir proporcionalmente o valor da indenização devida. Veja-se, por exemplo, esta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“Trata-se de ação de indenização, ajuizada por Maria Rosalina Duarte Nunes da Cruz contra Viação Gato Preto Ltda., com os elementos descritos às fls. 175/176.

A ação foi julgada improcedente, mas em parcial equívoco.

É verdade que, conforme se pode verificar dos depoimentos das testemunhas, a autora agiu com culpa no evento. Todavia, tendo em vista a gravidade das lesões, conforme se pode observar no relatório médico de fls. 27/34 e das fotos de fls. 19/22, não se tratou de um simples e mero tombo.

Tudo indica que a autora foi arremessada ao corrimão de ferro da porta do ônibus com violência, o que implica dizer que houve também culpa do motorista do coletivo. É que, como a autora havia acabado de entrar no ônibus, se o condutor tivesse iniciado a trajetória em velocidade compatível, o acidente não teria as dimensões que teve.

Desse modo, a culpa concorrente da autora, existente in casu, como se sabe, não elide a responsabilidade do

transportador, apenas faz com que a indenização seja calculada em valor menor do que a habitual em casos correlatos. E para a fixação do quantum dos danos morais, o Magistrado deve levar em consideração (...).

In casu, realça-se o aspecto punitivo-educativo da condenação, a fim de incentivar a empresa ré a melhor instruir seus funcionários para que passem a conduzir seus consumidores com maior zelo e atenção.

Em casos de culpa exclusiva do transportador, esta C. Câmara tem fixado indenização em torno dos R$ 25.000,00 em situações semelhantes a esta. No presente feito, tendo em vista que há culpa concorrente da autora, é de se fixar o quantum indenizatório em R$ 12.500,00 (doze mil e quinhentos reais), corrigidos pela Tabela Prática do E. Tribunal de Justiça e acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês a partir da publicação deste julgado.

Diante do exposto, dá-se provimento em parte ao recurso para julgar procedente em parte a ação, nos termos acima. Arcará a ré com a integralidade das custas e despesas processuais, bem como com os honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor da condenação, com fundamento no § 3°do art. 20, do Código de Processo Civil, anotado que o arbitramento do dano moral em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca (Súmula 326 do STJ) (Apel. 991.09.058474-1, 23a Câm. de Dir. Privado, Rel. Des. Rizzatto Nunes, j. 4-8-2010, m.v.).

Apenas se provar que o acidente de consumo se deu por culpa exclusiva do consumidor é que o prestador do serviço não responde. Se “provar”, ou seja, o ônus de produzir essa prova é do prestador do serviço.

16.4 Culpa exclusiva de terceiro

Na segunda parte do inciso II a irresponsabilização fica possibilitada ao prestador do serviço, se ele provar que o acidente se deu por culpa de terceiro.

Da mesma maneira como ocorre com o produto, também aqui é necessário que seja terceiro mesmo, pessoa estranha à relação existente entre o consumidor e o prestador do serviço, relação que é estabelecida pela aquisição do serviço.

Se a pessoa que causou o dano pertencer ao ciclo de produção do serviço — porque serviço também tem seu ciclo próprio de produção —, executado pelo prestador responsável, tal como seu empregado, seu preposto ou seu representante autônomo, ele continua respondendo. Essa hipótese, a par de passível de ser estabelecida por

interpretação do sistema de responsabilidade estatuída, tem, conforme já observamos, correspondência na regra do art. 34 (“O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou

representantes autônomos”), bem como naquelas outras também já apontadas do parágrafo único do art. 7° e nos §§ 1° e 2° do art. 25.

Assim, repita-se, o prestador do serviço só não responde se o acidente for causado por terceiro autêntico. Assim, no caso da queda do avião, a exclusão por culpa do terceiro se daria, por exemplo, se o avião fosse derrubado por um foguete e não porque o motor sofreu pane.

De qualquer maneira, também aqui o ônus da prova da culpa do terceiro é do prestador do serviço.

Acrescente-se, agora, o mesmo aspecto já demonstrado por ocasião dos comentários à responsabilidade dos participantes do ciclo de produção, no caso do produto. Todos os participantes do ciclo de produção do serviço são responsáveis solidários. Se o consumidor sofrer dano por serviço que — como já o dissemos — é composto por outros serviços ou produtos, pode acionar qualquer deles. Ninguém pode ser excluído, muito menos dizendo-se terceiro, porque não é.

É claro que, evidentemente, qualquer dos participantes do ciclo de produção que indenizar o consumidor poderá posteriormente acionar o outro, quer para dividir com ele o ônus de sua solidariedade, quer para obter dele a integral devolução do que tiver pago, caso entenda — e prove — que foi só dele a falha. Essa questão é típica de direito

privado, tratada pelas normas do direito comum, e não afeta o consumidor. Se os parceiros, inclusive, quiserem — como já o dissemos — estabelecer entre si, via contrato, direitos e obrigações que digam respeito ao pagamento de indenizações aos consumidores por defeito dos serviços, podem fazê-lo. As partições entre eles podem ser fracionadas, divididas em partes iguais, fixadas em percentuais etc.

17. DESCONSTITUIÇÃO DO DIREITO DO CONSUMIDOR

A outra hipótese prevista no § 3°, a do inciso I, é de desconstituição do direito do consumidor. Cabe ao prestador do serviço fazer prova da inexistência do defeito apontado pelo consumidor.