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4 “SEM IDENTIFICAÇÃO” DO FABRICANTE, PRODUTOR, CONSTRUTOR OU IMPORTADOR

1. PRESTADOR DO SERVIÇO

A redação do art. 14 é semelhante à do art. 12. A diferença inicial é a designação do agente responsável. A norma fala em “fornecedor de serviço”. Deveria, de maneira mais adequada e coerente com o sistema normado, ter dito “prestador de serviço”, porquanto o termo “fornecedor” é o gênero do qual “prestador” do serviço é espécie — como são espécies o fabricante, o construtor, o produtor, o importador e o comerciante. Nesse aspecto o CDC falhou, pois toda vez que se refere especificamente a serviço utiliza o termo “fornecedor”, em vez do vocábulo tecnicamente correto, “prestador” (fornecedor do serviço aparece também nos arts. 20, 21 e 40).

2. DISTINÇÃO ENTRE VÍCIO E DEFEITO

No que tange à distinção entre defeito e vício, vale exatamente a mesma explanação feita a respeito do produto273.

Como dito, a lei consumerista estabelece certa confusão ao usar dois conceitos distintos: defeito e vício. Para entender defeito é preciso, antes, conhecer o sentido de vício, não só para distingui-los, mas também para eliminar eventuais equívocos que algumas outras passagens não bem escritas da lei possam gerar. Vejamos, novamente, agora em função do serviço, a distinção entre defeito e vício.

2.1 Vícios

O termo “vício”, especialmente o relacionado a produto, lembra o vício redibitório, instituto do direito civil, e tem com ele alguma semelhança, na condição de vício oculto, mas com ele não se confunde. Até mesmo porque, como já

dissemos, é regra própria da sistemática do CDC.

São consideradas vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os serviços (ou os produtos) impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente,

embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária. Os vícios, portanto, são os problemas que, por exemplo:

a) fazem com que o produto não funcione adequadamente, como um liquidificador que não gire;

b) fazem com que o produto funcione mal, como a televisão sem som, o automóvel que “morre” toda hora etc.; c) diminuam o valor do produto, como riscos na lataria do automóvel, mancha no terno etc.;

d) não estejam de acordo com informações, como o vidro de mel de 500ml que só tem 400ml; o saco de 5kg de açúcar que só tem 4,8kg; o caderno de 200 páginas que só tem 180 etc.;

e) nos serviços apresentem características com funcionamento insuficiente ou inadequado, como o serviço de

desentupimento que no dia seguinte faz com que o banheiro alague; o carpete que descola rapidamente; a parede mal pintada; o extravio de bagagem no transporte aéreo etc.

Os vícios podem ser aparentes ou ocultos. Nos arts. 18 a 20, 24 e 26 os detalhes sobre vícios serão explicitados274.

2.2 Defeito

O defeito, por sua vez, pressupõe vício. Há vício sem defeito, mas não há defeito sem vício. O vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço em si.

O defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto, que causa um dano maior que simplesmente o mal funcionamento, o não funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago, já que o produto ou serviço não cumprem o fim ao qual se destinam. O defeito causa, além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material ou moral do consumidor.

Logo, o defeito tem ligação com o vício, mas, em termos de dano causado ao consumidor, ele é mais devastador. Temos, então, que o vício pertence ao próprio produto ou serviço, jamais atingindo o próprio consumidor ou outros bens seus. O defeito vai além do produto ou serviço para atingir o consumidor em seu patrimônio jurídico material e/ou moral. Por isso somente se fala propriamente em acidente de consumo em caso de defeito. É no defeito que o

consumidor é atingido275.

Vejamos agora dois exemplos que elucidam a diferença entre vício e defeito. Ao comentarmos o art. 12, caput, demos dois exemplos envolvendo produto. Aqui vamos passar à hipótese do serviço.

2.3 Exemplo n. 1

Dois consumidores, usuários do cartão de crédito “X”, dirigem-se ao banco e efetuam o pagamento do valor do débito de suas faturas. Quitam-nas, zerando o saldo.

Por falha no sistema operacional da administradora do cartão, os valores pagos pelos dois consumidores não são lançados em suas contas. Alguns dias depois eles são lançados na lista de bloqueio, estando impedidos de usar o cartão para fazer novas compras. Os consumidores não conhecem esse problema.

Passados alguns dias, um dos consumidores, digamos, João da Silva, resolve ligar para a administradora para

requerer aumento de seu limite de crédito. A pessoa do atendimento telefônico da administradora lhe diz, então, que, antes de pensar no aumento do seu limite, ele tem de pagar sua dívida, que já está com alguns dias de atraso.

Descobre-se, assim, a falha. João diz que já pagou, passa um fax do recibo de pagamento para a administradora e no final do expediente daquele dia o problema é sanado.

Naquele mesmo dia, o outro consumidor, José da Silva, vai a um almoço de negócios com seu patrão e um provável novo cliente a ser conquistado para a empresa na qual trabalha. José é diretor financeiro, responsável pela

administração das contas da empresa. Seu chefe direto é o presidente desta. O almoço segue animado, e as perspectivas de fechamento do negócio são excelentes. Ao término da refeição, José pede a conta e, ao recebê-la, entrega seu cartão de crédito para o pagamento. Algum tempo depois, o garçom retorna, constrangido, e diz que “a maquininha não aceitou o cartão”. José, aborrecido e envergonhado, pede para que o garçom insista e ligue para a administradora. O garçom, então, passa a incumbência ao maître, que se afasta com o cartão para tentar concluir a operação. José dá um sorriso amarelo para o patrão e o cliente e comenta que as tais “maquininhas” falham muito.

Instantes depois, o maître volta e, para piorar o embaraço e a vergonha de José, diz que conversou com a administradora e que esta não aprovara a transação porque ele está atrasado no pagamento de sua fatura.

José tenta protestar e iniciar uma explicação, mas o presidente da empresa, temendo maiores estragos, entrega ao maître seu próprio cartão, dizendo para José resolver o problema outra hora.

O primeiro caso, o de João, é de vício do serviço, e que, diga-se, foi sanado rapidamente. O segundo, o de José, é de defeito. Não resta dúvida, pelo relato, que José sofreu dano de natureza moral, indenizável. Vê-se que João teve apenas uma inadequação do serviço ao não zerar sua fatura, tendo ficado adstrito o problema a esse único aspecto. Mas José, por causa do mesmo problema, sofreu outro tipo de dano, que extrapolou o serviço em si e atingiu sua pessoa276.

2.4 Exemplo n. 2

João da Silva está com problemas no lavatório do banheiro de sua suíte, que está entupido. Abrindo a torneira, rapidamente a cuba se enche de água, quase transbordando. Já tentou desentupi-lo várias vezes, mas não consegue.

José da Silva tem exatamente o mesmo problema.

Ambos procuram uma prestadora de serviços de desentupimento e acabam contratando a empresa “Y”. No dia marcado, os funcionários da empresa comparecem a ambas as residências: a de João da Silva e a de José da Silva.

Dão o serviço como realizado, recebem o pagamento e vão embora.

No dia seguinte, João acorda e, para barbear-se, abre a torneira. A água começa a escorrer pelo cano e inicialmente vai bem. Quando já está no fim da barba e vai fechar a torneira, ele percebe que a água começa a se acumular no lavatório. Para, então. Deixa a torneira aberta e fica observando. Aos poucos o lavatório vai-se cobrindo. Ele observa que o entupimento é menor que o anterior, pois a cuba enche mais devagar. Porém, após alguns minutos ela já está, novamente, à beira do transbordamento. João, então, fecha a torneira, liga para a desentupidora e reclama que o serviço foi mal executado. À tarde, os funcionários da desentupidora retornam ao local e refazem o serviço, desentupindo definitivamente o cano ligado ao ralo do lavatório.

José da Silva não teve a mesma sorte. Também, no dia seguinte à realização do serviço, após barbear-se, tomar banho e estando pronto para sair, dirigiu-se ao banheiro apenas para escovar os dentes. Quando já havia terminado a limpeza bucal e estava limpando a escova de dentes, o telefone tocou. José correu, então, até a sala para atender e não fechou totalmente a torneira do lavatório: ela ficou pingando. Instantes depois, a água começaria a acumular-se, ainda que lentamente, mas porque o serviço fora executado da mesma maneira inadequada que na casa de João.

José falou alguns minutos pelo telefone da sala, foi embora para o trabalho, e dali para uma viagem de fim de semana277. A torneira permaneceu aberta, pingando, e, algumas horas depois, a água transbordava do lavatório. A água foi ao chão do banheiro, escorreu pela suíte, tomando o dormitório por um dos lados. Quando José retornou da viagem, o carpete estava imprestável. Teve de ser removido e trocado; seu prejuízo foi razoável.

O caso de José é de vício: serviço executado de maneira imperfeita e que foi sanado. O de João é de defeito: o mesmo serviço executado de forma inadequada gerou outro dano de ordem material.

Como se verá, o CDC trata vício de forma diversa de defeito em vários aspectos. Por ora, podemos passar aos comentários ao art. 14, já transcrito.