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5. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

5.2 A dignidade da pessoa humana

5.4.1 Justiça real

O art. 3°, I, da Constituição Federal, como se viu, estabelece ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

O conceito de justiça espelhado no texto maior é aquele dirigido à realidade social concreta.

Não se trata de uma abstração da norma máxima. É objetivo a ser alcançado realmente no contexto histórico atual pela República. Isso dará ao intérprete, tanto das regras constitucionais quanto das infraconstitucionais, alternativas de resolução de problemas não só a partir dos princípios regulares da justiça, como também daqueles

tradicionalmente conhecidos como equidade na aplicação de cada caso concreto.

Com efeito, dada a “natureza social” do ser humano, sua vivência em grupos fez com que certos conflitos nascessem da natural relação surgida nesse agrupamento social.

cada indivíduo, como, também, por sua vez, necessidades próprias à sociedade que surgia, quer em relação a seus componentes, quer em relação a outras sociedades.

Em função da complexidade das relações nascentes, tornou-se necessário, então, que se estabelecessem normas para que, atendendo-as, os indivíduos e a própria sociedade pudessem caminhar rumo àquilo a que se haviam proposto: busca de harmonia e paz social.

Esse aspecto de normas sociais válidas, visando encontrar harmonia e paz social, impõe-se, na verdade, a qualquer sociedade, desde uma pequena sociedade comercial até a sociedade de consumo contemporânea, ainda que o objetivo da primeira seja apenas econômico ou financeiro.

Assim, numa sociedade comercial, o objetivo pretendido é, naturalmente, a obtenção do lucro, mediante o cumprimento de determinados requisitos preestabelecidos. Acreditam os componentes dessa sociedade que,

cumpridas as normas fixadas, satisfeitas suas exigências, o objetivo será alcançado. Essas normas, por sua vez, podem e devem ir-se modificando na medida em que a sociedade se aproxime ou se afaste de sua finalidade, pois é próprio a qualquer sociedade o movimento contínuo, uniforme ou não, com a modificação de suas normas, visando ao

atingimento do fim estabelecido.

Na macrossociedade moderna, como as atuais, esses conceitos se aplicam da mesma forma. É sabido que o objetivo da sociedade, entendida como uma nação ou comunidade, é a busca da paz e harmonia social. As normas jurídicas são o instrumento para que tal fim seja atingido. E esse objetivo só será alcançado numa sociedade justa.

Pode-se aqui, a título de ilustração, apresentar uma dentre as várias posições doutrinárias que pretendem construir uma teoria da justiça, capaz de explicitar seu funcionamento.

Vejam-se, por exemplo, os dois princípios da justiça na teoria de John Raws40. Diz o autor, desenvolvendo sua

estratégia contratualista, que as partes, estando numa posição original do contrato, perguntar-se-iam o que iriam escolher. A resposta estaria coberta por um véu de ignorância que as impediria de ver os próprios interesses.

E, assim, dentre várias concepções de justiça postas à sua disposição, as partes nessa posição original escolheriam os seguintes dois princípios de justiça:

a) cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total de liberdades básicas iguais, que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para todos;

b) as desigualdades econômicas e sociais devem ser distribuídas de forma que, simultaneamente:

b.1) redundem nos maiores benefícios possíveis para os menos beneficiados, de forma compatível com o princípio da poupança justa;

b.2) sejam a consequência do exercício de cargos e funções abertos a todos, em circunstâncias de igualdade de oportunidades.

Não resta dúvida de que tais princípios abstratos são interessantes, mas necessitam de toda uma história real para se realizar, pois a justiça se faz concretamente, e é isso que espera o texto constitucional: realização social real justa. 5.4.2 Justiça como fundamento do ordenamento jurídico e equidade

Além disso, a justiça soma-se ao princípio da intangibilidade da dignidade humana, como fundamento de todas as normas jurídicas, na medida em que qualquer pretensão jurídica deve ter como base uma ordem justa.

Valem aqui as conhecidas palavras de Eduardo Couture no seu Os mandamentos dos advogados:

“Teu dever é lutar pelo direito, mas no dia em que encontrares o direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça”41.

A justiça é, assim, o objetivo da República e fundamento da ordem jurídica, como condição de sua possibilidade de realização histórica. Por isso, na aplicação das normas jurídicas aos casos concretos, muitas vezes é preciso atenuar os rigores do texto normado, mitigando seu apelo formal: é necessário agir com equidade.

Cícero, tratando dessa questão, citou o adágio summum jus, summa injuria : supremo direito, suprema injustiça. Mas a equidade já aparecia antes em Aristóteles42. Ele diz que o equitativo é justo, mas é uma correção da justiça legal.

A razão disso, diz o filósofo, é que a lei é universal, mas relativamente a certas coisas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta.

Dessa forma, quando é necessário falar de modo universal, não sendo possível fazê-lo corretamente, a lei considera o caso mais usual, sem ignorar a possibilidade de erro.

Logo, quando surge um caso que não é abrangido pela declaração universal da lei, é justo corrigir a omissão. A essa correção dá-se o nome de equidade.

A equidade supre o erro proveniente do caráter absoluto da disposição legal. Ela é, portanto, a justiça levada a cabo no caso concreto.

5.4.3 a pobreza

Como vimos, dispõe a Carta Magna, no inciso III do art. 3°, que constitui objetivo fundamental da República Brasileira a erradicação da pobreza.

Em matéria de direito do consumidor esse aspecto é importantíssimo: é a própria Constituição Federal — de maneira inteligente — que reconhece algo real, o de que a população brasileira é pobre! A pobreza é elemento a ser levado em conta para a análise do sistema jurídico nacional, sempre visando encontrar alternativas de suplantá-la.

E o texto maior é tão cioso deste problema que ao designar um piso vital mínimo de cidadania — conforme acima verificamos — estabelece que a assistência aos desamparados é direito social fundamental43.

Logo, quando se vai estudar o Código de Defesa do Consumidor, tem-se de levar em consideração esse dado real e fundamento constitucional: a população é pobre; o consumidor é pobre.

Estudar a Lei n. 8.078/90 não é, portanto, avaliar aspectos jurídicos de uma comunidade rica, mas ao contrário é compreendê-la na sua incidência, num mercado constituído de pessoas pobres, para perceber porque é que a proteção deve ser bastante ampla.

5.5 Solidariedade

Também como decorrência do estabelecido no inciso I do art. 3° do texto constitucional, a República brasileira tem como objetivo a construção de uma sociedade solidária.

O sentido de solidariedade se pode extrair de dois tipos de concepções sistêmicas: mecânicas e orgânicas. As primeiras relacionando o funcionamento das partes ao todo e o deste àquelas, bem como das partes entre si para o próprio funcionamento do sistema total. E as segundas apontando para uma divisão do trabalho a indicar funções diversas a cada parte, mas que devido a sua solidariedade faz o todo funcionar.

São exemplos desses sistemas o mecanismo do relógio, do corpo humano etc. Mas interessa-nos a aplicação da solidariedade ao sistema social, formado da somatória dos indivíduos.

E, como é da forma organizada do grupamento social que se trata e esta é composta de pessoas, cuja dignidade se garante e que têm para dirigi-las, orientá-las, norteá-las em suas condutas normas de ordem jurídica e moral, é de acrescer àqueles elementos sistêmicos — tidos como de fato — outro, ligado ao sistema social concretamente em funcionamento, elevado a uma categoria moral. Trata-se de um dever ético que se impõe a todos os membros da sociedade, de assistência entre seus membros, na medida em que compõem um único todo social.

Dessa maneira, podemos definir solidariedade com uma dupla condição, que designa:

a) relações concretamente concebidas, díspares nas condições reais de cada participante, mas ligadas por solidariedade entre si, com o todo, deste com eles, e também de cada situação individual na solidariedade com a relação e com o todo, e deste com aquela;

b) todas elas: situações individuais, relações entre essas situações, ligações de ambas com o todo e deste com cada uma, geridas por um dever maior, como norma que imputa solidariedade a todos.

5.6 Isonomia