• Nenhum resultado encontrado

18.2 “Intuitu personae”

18.9 O ônus da prova

Para terminarmos os comentários ao § 4° do art. 14 é preciso ainda indagar sobre o ônus da produção da prova do dano, do nexo de causalidade do dano com o serviço e da indicação do profissional liberal que o prestou. E, também, do ônus da prova da culpa do profissional.

De quem é o ônus da prova?

A resposta primeira, como sempre, é simples. O ônus da prova incumbe a quem alega. Logo, é do consumidor. O que acontece, também, como sempre, é que o consumidor goza dos benefícios da inversão do ônus da prova, instituída no inciso VIII do art. 6°.

A rigor, no caso, serão dois os momentos de produção de prova e, portanto, dois os momentos da averiguação da possibilidade — e necessidade, como vimos — de inversão. O primeiro é o da prova do dano, do nexo de causalidade entre o dano e o serviço, com a indicação do profissional responsável. O segundo o da culpa do profissional liberal, prestador do serviço. Em ambos os casos a inversão poderá dar-se312.

É que, como a responsabilidade não é objetiva, os dois momentos da prova têm de ser produzidos. Quando há responsabilidade objetiva, o consumidor tem necessidade de provar apenas o primeiro momento — podendo obter a inversão do ônus da prova. Tudo conforme já o demonstramos.

Graficamente, temos:

Art. 15. (Vetado.)

• Redação do texto vetado: “Quando a utilização do produto ou a prestação do serviço causar dano irreparável ao consumidor, a indenização corresponderá ao valor integral dos bens danificados”.

COMENTÁRIOS

As razões do veto presidencial são as seguintes: “a redação equivocada do dispositivo redunda em reduzir a amplitude da eventual indenização devida ao consumidor, uma vez que a restringe ao valor dos bens danificados, desconsiderando os danos pessoais”.

A norma vetada era mesmo despicienda e em certo sentido até atrapalharia, porque é mal redigida. Não menos ruim é a justificativa do veto. Comecemos por esta: diz que a norma restringe a indenização ao “valor dos bens danificados, desconsiderando os danos pessoais”.

Ora, mantida a norma, seria fácil interpretar “bens” como bens jurídicos, o que incluiria os danos pessoais e morais. Aliás, como decorre da sistemática do CDC e de outra norma expressa nesse sentido: o inciso VI do art. 6°.

Porém, o veto acabou sendo útil, porque a norma tinha má redação. Na verdade o artigo estabelecia uma boa confusão: falava em “dano irreparável” e que sua indenização deveria corresponder ao valor integral dos bens danificados.

Ora, dano “irreparável”, como vimos, é o dano moral313. Os danos materiais são reparáveis. Claro que por isso é que, se a norma estivesse vigendo, o intérprete teria de estender o sentido de “bens” para bens jurídicos, a fim de

abranger o dano material, o dano moral, o dano à imagem etc. Art. 16. (Vetado.)

• Redação do texto vetado: “Se comprovada a alta periculosidade do produto ou do serviço que provocou o dano, ou grave imprudência, negligência ou imperícia do fornecedor será devida multa civil de até um milhão de vezes o Bônus do Tesouro Nacional — BTN, ou índice equivalente que venha substituí-lo, na ação proposta por qualquer dos legitimados à defesa do consumidor em juízo, a critério do juiz, de acordo com a gravidade e proporção do dano, bem como a situação econômica do responsável”.

COMENTÁRIOS

Eis as razões do veto:

“O artigo 12 e outras normas já dispõem de modo cabal sobre a reparação do dano sofrido pelo consumidor. Os dispositivos ora vetados criam a figura da ‘multa civil’, sempre de valor expressivo, sem que sejam definidas a sua destinação e finalidade”314.

O artigo criava a multa civil, no intuito de apenar o fornecedor que tivesse agido com extrema culpa. As razões do veto são parcas. O importante é que não houve prejuízo elevado ao sistema instituído porque:

a) ter-se-ia de apurar culpa, num sistema que é de responsabilidade objetiva, o que, como vimos é contraproducente e dificílimo de ser provado;

b) em caso de dano moral, pode o juiz continuar aplicando uma indenização cujo valor tenha caráter punitivo315;

c) remanescem em vigor as regras do parágrafo único do art. 100 do CDC e do art. 13 da Lei de Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85)316.

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

COMENTÁRIOS

O art. 17 já foi comentado por ocasião da avaliação da definição de consumidor: art. 2°, caput, seu parágrafo único, art. 17 e art. 29. Remetemos o leitor aos comentários ao art. 2°, que aborda a questão.

Reafirme-se apenas que todas e quaisquer vítimas do evento danoso são também consideradas consumidoras, gozando das garantias estabelecidas no CDC.

Seção III

Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem

solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da

disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I — a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II — a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III — o abatimento proporcional do preço.

§ 2° Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo

anterior, não podendo ser inferior a 7 (sete) nem superior a 180 (cento e oitenta) dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.

§ 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo, sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.

§ 4° Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1° deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1° deste artigo.

§ 5° No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor.

§ 6° São impróprios ao uso e consumo:

I — os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

II — os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

III — os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

COMENTÁRIOS

Iniciemos lembrando a distinção já feita entre vício e defeito, porquanto é importante que se conheça um na correlação com o outro.

1.1 Vício

O termo “vício” lembra o instituto do direito civil “vício redibitório”; tem com ele alguma semelhança, na condição de vício oculto, mas com ele não se confunde. Até porque é regra própria do sistema do CDC.

São consideradas vícios as características de qualidade ou quantidade que tornem os produtos ou serviços

impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são considerados vícios os decorrentes da disparidade havida em relação às indicações constantes do recipiente,

embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária. Os vícios, portanto, são aqueles problemas que, por exemplo:

a) fazem com que o produto não funcione adequadamente, como um liquidificador que não gire;

b) fazem com que o produto funcione mal, como a televisão sem som, o automóvel que “morre” toda hora etc.; c) diminuam o valor do produto, como riscos na lataria do automóvel, mancha no terno etc.;

d) não estejam de acordo com informações, como o vidro de mel de 500ml que só tem 400ml; o saco de 5kg de açúcar que só tem 4,8kg; o caderno de 200 páginas que só tem 180 etc.;

e) os serviços apresentem características como funcionamento insuficiente ou inadequado, como o serviço de

desentupimento que no dia seguinte faz com que o banheiro alague; o carpete que descola rapidamente; a parede mal pintada; o extravio de bagagem no transporte aéreo etc.

Os vícios podem ser aparentes ou ocultos. 1.1.1 Vício aparente

O uso da expressão “vício aparente ou de fácil constatação” está no caput do art. 26. Remetemos para nossos comentários a esse artigo, bem como ao art. 24, nos quais apresentamos detalhes a respeito do conceito.

De qualquer maneira consigne-se que o vício de fácil constatação, como o próprio nome diz, é aquele que aparece no singelo uso e consumo do produto (ou serviço).

1.1.2 Vício oculto

Os vícios ocultos são aqueles que só aparecem algum ou muito tempo após o uso e/ou que, por estarem inacessíveis ao consumidor, não podem ser detectados na utilização ordinária. Nos comentários ao art. 26, bem como ao art. 24, damos mais detalhes a respeito de vício oculto.

1.2 Defeito

O defeito, por sua vez, pressupõe vício. Há vício sem defeito, mas não há defeito sem vício. O vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou serviço em si.

O defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou ao serviço, que causa um dano maior que simplesmente o mal funcionamento, o não funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago — já que o produto ou o serviço não cumpriram o fim ao qual se destinavam. O defeito causa, além desse dano do vício, outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material e/ou moral do consumidor.

Logo, o defeito tem ligação com o vício, mas, em termos de dano causado ao consumidor, ele é mais devastador. Temos, então, que o vício pertence ao próprio produto ou serviço, jamais atingindo a pessoa do consumidor em outros bens seus. O defeito vai além do produto ou do serviço para atingir o consumidor em seu patrimônio jurídico, seja moral e/ou material. Por isso somente se fala propriamente em acidente, e, no caso, acidente de consumo, na hipótese de defeito, pois é aí que o consumidor é atingido317.

Vejamos dois novos exemplos, diversos dos já apresentados318 e que elucidam a diferença entre vício e defeito.

1.3 Exemplo n. 1

Uma consumidora e um consumidor comparecem no mesmo momento a uma loja de departamentos para adquirir um liquidificador. Após escolherem, resolvem comprar o mesmo produto, da mesma marca e modelo; ambas as unidades saíram da fábrica na mesma série de fabricação.

Os dois vão para suas casas, cada um com seu liquidificador. Cada um, em sua residência, resolve utilizar o produto. Ele pretende fazerum bolo. Ela, um suco. Retiram o aparelho da caixa, passam uma água e preparam-se para acioná-lo.

Ele pressiona o botão. O motor, de forma violenta, gira e uma das pás de liquidificação se quebra e sai voando, fura o copo e entra na barriga do consumidor. Ele tem de ser hospitalizado e por pouco não morre.

Ela, por sua vez, pressiona o botão. O motor, de forma violenta, gira e uma das pás de liquidificação se quebra e sai voando, fura o copo e cai no chão, sem atingir a consumidora319.

deixou de funcionar. É vício.

1.4 Exemplo n. 2

Vários consumidores estão na fila da nova montanha-russa coberta, que corre por sinistro caminho escuro. Chegado o momento do embarque, eles se acomodam nos assentos e fecham à frente uma barra que funciona como trava de segurança.

Na primeira volta de uma série de oito similares, os carros dão uma brecada brusca sem motivo aparente e deixam de funcionar. Como a freada foi muito forte, a barra de segurança do assento da frente rompeu-se, arremessando ao solo os três consumidores dessa primeira fileira. Todos se feriram. Um sofreu escoriações generalizadas, outro quebrou um braço e o terceiro uma perna.

Para esses três consumidores a hipótese é de acidente de consumo por defeito do serviço. Para os demais que nada sofreram é vício.

Conforme se verá, o CDC trata vício de maneira muito diferente de defeito, inclusive no que respeita ao agente que pode ser responsabilizado, aos prazos etc.

Visto isso, iniciemos agora os comentários ao caput do art. 18, já transcrito.

2. QUEM É O RESPONSÁVEL

A primeira observação diz respeito aos sujeitos da oração. A norma diz: “Os fornecedores”. Utiliza-se, assim, de termo genérico, ao contrário do que consta, por exemplo, do caput do art. 12, em que aparecem espécies.

O tema fornecedor, conforme já explicitado no comentário ao art. 3°, é o gênero daqueles que desenvolvem atividades no mercado de consumo. Assim, toda vez que o CDC refere-se a “fornecedor” está envolvendo todos os participantes que desenvolvem atividades, sem qualquer distinção.

E esses fornecedores, diz a norma, respondem “solidariamente”. (Aliás, lembre-se: essa é a regra da responsabilidade no CDC, conforme já demonstrado.)

Dessa maneira, a norma do caput do art. 18 coloca todos os partícipes do ciclo de produção como responsáveis diretos320 pelo vício, de forma que o consumidor poderá escolher e acionar diretamente qualquer dos envolvidos, exigindo seus direitos — que adiante examinaremos.

Como vimos, em caso de defeito, o responsável está indicado321.

Utilizando-se do primeiro exemplo retronarrado, teremos que, no caso do consumidor que foi ferido, ele deverá acionar o fabricante do liquidificador para pleitear indenização pelos danos materiais e morais sofridos322. E a

consumidora poderá pedir a troca do aparelho viciado por outro idêntico, mas funcionando adequadamente:323 a) na

loja onde ela o adquiriu; ou b) diretamente do fabricante324.