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18.2 “Intuitu personae”

16. SUBSTITUIÇÃO DO PRODUTO

A hipótese do inciso III é similar àquela do inciso I do art. 18, já comentado (como também o são as demais na comparação com os dois artigos). Conforme observamos naquela oportunidade, a redação do inciso III do art. 19 é adequada; ao contrário da escrita do inciso I do art. 18. É que lá se fala apenas em “espécie”, e aqui, acertadamente, a proposição veio completa. Diz: “espécie, marca ou modelo”388.

Contudo, há ainda uma falha. É que a oração se utiliza da disjuntiva “ou” em vez da correta conjuntiva “e”. Diz a norma: “espécie, marca ou modelo”. Ver-se-á na sequência que, para fazer uma interpretação adequada da lei, deve-se entender o “ou” como “e”: “espécie, marca e modelo”.

Ao comentarmos o inciso I do § 1° do art. 18 já havíamos observado que a garantia ao consumidor somente pode ser de trocar o produto por outro igual, isto é, da mesma espécie, marca e modelo. Seria absurdo, por exemplo, permitir que o consumidor adquirisse uma caixa de vinhos de certa qualidade (espécie) e depois exigisse a troca por outra de melhor qualidade (ou seja, da mesma espécie, mas com marca e/ou tipo diferentes).

16.1 Falta do produto

O direito de substituição está garantido. Contudo, pode acontecer de o consumidor exigir a troca do produto por outro da mesma espécie, marca e modelo e o fornecedor não o ter para entregar ao consumidor porque:

a) não há no estoque e não haverá mais, pois aquela espécie, marca ou modelo era a última e não será mais fabricada;

b) não há no estoque e a próxima remessa demorará para ser entregue (e o consumidor não quer nem precisa esperar).

Que acontece, então?

A resposta está no § 1° do art. 19, que remete ao § 4° do art. 18, que dá a solução para o problema: “não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço”.

Note-se inicialmente que, na redação dada ao § 4° do art. 18, corretamente se utiliza a disjuntiva “ou”. É que, nessa alternativa de troca, como haverá complementação ou restituição da diferença de preço, não há qualquer problema na escolha de produto de outra espécie e/ou outra marca e/ou outro modelo. Trata-se, na verdade, de simples utilização do crédito que o consumidor tem para a aquisição de outro produto qualquer.

16.2 Escolha de outro produto

A norma diz: “não sendo possível” a substituição. Como o direito de troca é estabelecido a favor do consumidor, na sua impossibilidade surgem duas novas opções a sua escolha. Essa escolha, como as demais, não precisa ser

justificada pelo consumidor. É mero expressar objetivo de sua vontade. Ele poderá, então, aceitar em troca:

a) outro produto de espécie, marca ou modelo diferentes, que tenha preço mais barato do que aquele que foi pago pelo produto viciado;

b) outro produto de espécie, marca ou modelo diferentes, que tenha preço superior àquele que foi pago pelo produto viciado.

No primeiro caso, o consumidor terá direito a receber a diferença do preço a seu favor, no ato da troca. No segundo, o consumidor terá de dar o complemento da diferença do preço pago a menor.

Em qualquer das duas hipóteses, se já tiver passado outro período de tempo (o suficiente para que se compute a correção monetária)389, o consumidor tem direito a que a quantia por ele paga pelo produto viciado seja atualizada monetariamente. Trazido, assim, o preço originalmente pago a valor presente é que se pode efetuar a operação de subtração, para saber se a diferença é a menor ou a maior390.

16.3 Pagamento a prazo

Se o pagamento do preço do produto estiver sendo feito a prazo, isto é, em prestações mensais391, então o

consumidor poderá:

a) no primeiro caso do subitem anterior, subtrair a diferença a seu favor do valor a ser pago relativo às prestações vincendas;

b) no outro, complementar a diferença, incluindo-a parceladamente em cada prestação faltante. Nessa hipótese, obviamente, se quiser, o consumidor poderá fazer a quitação do complemento à vista e continuar pagando as prestações restantes do modo inicialmente contratado.

Importante colocar algo no aspecto desses pagamentos em prestações. Conforme se verá, quando fizermos nossos comentários ao art. 31 (e que, no caso, iremos conectar com o art. 52), o preço de qualquer produto (ou serviço) é sempre “preço à vista”. Não existe “preço a prazo”. O que ocorre é “pagamento do preço feito a prazo”. Como se verá, não se deve — nem se pode — confundir o preço do produto — ou do serviço — com sua forma de pagamento. Pagar à vista é diferente de pagar a prazo, mas o preço é o mesmo nas duas hipóteses.

Ver-se-á também que no pagamento do preço a prazo:

a) é possível fazer um financiamento — momento em que deve surgir na operação uma instituição financeira para operacionalizá-lo. Nessa hipótese serão cobrados juros do consumidor, para que o pagamento do preço seja feito em prestações financiadas;

b) é possível adiar o pagamento do preço, permitindo que o consumidor o pague a prazo sem qualquer acréscimo, por exemplo, trinta dias depois da compra;

c) é possível parcelar o pagamento do preço, permitindo que o consumidor o efetue sem qualquer acréscimo, por exemplo, em três vezes: 30, 60, 90 dias392.

Dizemos isso porque, no cálculo da diferença a favor do consumidor ou no complemento do preço, há de ser considerado o preço do produto viciado como era praticado à vista. Apenas deve ser feito o cálculo da correção monetária a favor do consumidor. Se o preço do produto devolvido foi pago com financiamento — inclusão de juros —, qualquer cálculo deve abater os juros incluídos em cada prestação vincenda, para chegar ao preço clean — como se diz no jargão bancário —, limpo, sem os juros que estavam embutidos. Essa garantia, além de lógica, porquanto não se podem cobrar juros futuros — juros só existem de período passado —, está estampada no § 2° do art. 52393.

16.4 Produto de espécie, marca ou modelo diversos

A norma do § 4° em comento, quando permite a troca, diz: “por outro de espécie, marca ou394 modelo diversos”.

Isso quer dizer que a opção de escolha a favor do consumidor é múltipla. Ele pode escolher:

a) mesma espécie, mesma marca e modelo diferente. Por exemplo, os produtos são vinhos tintos franceses, marca A, que o consumidor adquiriu em caixa fechada para dar de presente. Vieram 10 em vez de 12. Ele escolhe em troca vinhos franceses da mesma marca A, mas brancos;

b) mesma espécie, com marca e modelo diferentes. Usando o mesmo exemplo: foi adquirida caixa com vinhos tintos franceses, marca A. Vieram 10 em vez de 12. Ele escolhe em troca vinhos franceses, brancos e da marca B;

c) mesma espécie, marca diferente, mesmo modelo. Ainda no mesmo exemplo: vinhos tintos franceses, marca A. Ele escolhe vinho tinto francês, marca B;

a marca poderia continuar sendo a mesma, se fosse do mesmo fabricante). Usando o mesmo exemplo: vinhos tintos franceses, marca A, foram os adquiridos. Ele escolhe whisky escocês 12 anos, marca C;

e) diferente espécie, mesma marca, modelo diferente (só pode ser, já que mudou a espécie). Também no mesmo exemplo: foram adquiridos vinhos tintos franceses marca A. Ele escolhe champanhe, rosé, marca A.

16.5 Abatimento proporcional do preço

Por fim, falta interpretar o restante da oração do § 4°: “sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1° deste artigo”, o que significa que, se o consumidor, uma vez tendo optado pela alternativa do inciso I, que é a da substituição do produto, não conseguiu a troca desejada, pode, em vez de escolher produto de espécie, marca ou modelo diferentes — alternativa da primeira parte do § 4° —, exercer seu direito pelas prerrogativas inseridas nos incisos II e III do § 1°.

A alternativa do inciso III do § 1° do art. 18 (à qual o § 4° se refere, já que ele incide por remissão do art. 19) é a mesma do inciso I do art. 19: “abatimento proporcional do preço”. E que já comentamos.

A outra hipótese, a do inciso II do § 1° do art. 18, é a mesma do inciso IV do art. 19: “a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos”. E que comentaremos na sequência.

É de perguntar, ainda, antes do exame do inciso IV, nos moldes do que temos feito: qual é a medida judicial à disposição do consumidor caso o fornecedor se negue a efetuar a troca prevista no inciso III e no § 4° do art. 18?

A resposta é a mesma já oferecida quando da análise do inciso I do § 1° do art. 18 e do § 4° do mesmo artigo: o ajuizamento de ação de obrigação de fazer contra o fornecedor, com possibilidade de antecipação de tutela, inclusive com busca e apreensão do produto. Remetemos aos comentários que fizemos, de forma similar, ao inciso I do § 1° do art. 18 e ao § 4° do mesmo artigo. Lá estão incluídas as normas processuais do CDC aplicáveis ao caso (art. 84, caput e §§ 3° a 5°)395.

Se a opção da troca tiver sido por produto que gere necessidade de complementação do preço, o consumidor poderá efetuar a complementação, depositando o preço em juízo. Se foi por produto que gere crédito a favor do consumidor, cabe o pleito da diferença.