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DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 174-178)

1. Generalidades. 2. Classificações. 3. Internacionalização dos direitos do homem. 4. Novos direitos fundamentais. 5. Direitos sociais. 6. Garan-tias dos direitos fundamentais.

1. GENERALIDADES

O constitucionalismo em que se cristaliza o humanismo político dos séculos XVII e XVIII trouxe no seu bojo, como programa essencial, o princípio da soberania nacional e o imperativo da existência de uma Constituição escrita como instrumento de definição e limitação da autoridade pública. E preconizou que a Constituição, para que seja como tal reconhecida e aceita, há de conter, necessariamente, dois princípios essenciais: a divisão do Poder em três órgãos (Legislativo, Executivo e Judiciário) e a declaração dos direitos fundamentais da pessoa humana. Uma

Constituição só é legítima quando se baseia sobre os direitos do homem, doutrinou Monnier. No

mesmo sentido foi o magistério de Hauriou: pela declaração de direitos afirma o Estado,

solenemente, que a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem é o fim de toda associação política; e toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos fundamentais, não tem Constituição. Essa doutrinação de todos os filósofos e humanistas do

movimento liberal corporificou-se na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada pela Constituinte francesa de 1789, a qual, após consignar no seu artigo primeiro que “os homens nascem livres e iguais em direitos”, acrescentou, textualmente, que le but de toute association

politique est la conservation des droits naturels et imprescritibles de l ’homme, direitos estes à

liberdade, à propriedade, à segurança e à resistência contra a opressão.

Com efeito, a Declaração de Direitos é uma síntese do Estado democrático, um resumo da ciência política autêntica e a razão de ser do próprio Estado. Como observa Pontes de Miranda, as

declarações de direitos são partes mais importantes das Constituições; a história das declarações de direitos é a melhor história das regras de fundo; a história delas e de sua prática, a melhor história da liberdade. É uma espécie de proto-história da igualdade.

A doutrina dos direitos individuais, conquanto lance as suas mais distanciadas raízes nos Dez

Mandamentos da Lei de Deus revelados a Moisés no Monte Sinai, há trinta e sete séculos, foi

desconhecida nos tempos antigos e medievos, como limitadora do poder de governo. As primitivas repúblicas gregas e romanas formularam apenas princípios de liberdade política, estes mesmos como privilégios de cidadania. Os cidadãos das Polis e das Civitas eram uma pequena minoria, enquanto a grande maioria era formada pelos escravos, plebeus ou párias, desassistidos de qualquer direito. E os próprios cidadãos que participavam das assembleias gerais e influíam no governo comunal não possuíam a liberdade civil nem a igualdade civil. O princípio da isonomia, formulado por Aristóteles, permanecia no campo teórico e na esfera restrita das configurações políticas.

É certo que se encontram os seus primeiros delineamentos na Inglaterra, no século XIII, com a luta sustentada pelos barões e prelados contra o rei João Sem Terra (1215) compelindo-o à promulgação

d a Magna Carta Libertatum, que continha 63 preceitos limitadores do poder monárquico. Eram preceitos típicos de liberdade civil, como o que se continha no art. 39: “nenhum homem livre poderá ser preso, detido, privado de seus bens, posto fora da lei ou exilado, sem julgamento de seus pares ou por disposição de lei”. A Magna Carta de 1215, a Petição de Direitos de 1627, o Bill of Rights de 1668 e o Ato de Estabelecimento de 1701, entretanto, acobertavam principalmente a aristocracia, na sua reação contra a onipotência da Coroa que se transmudava em onipotência do Parlamento.

Com as revoluções liberais da América do Norte e da França foi que a doutrina dos direitos individuais, uma espécie de Novo Evangelho, segundo a expressão de Esmein, firmou-se em bases jusnaturalistas, tornando-se eixo diretor das estruturas constitucionais. E a partir do século XIX todas as Constituições democráticas passaram a inserir no seu texto a Declaração dos Direitos do Homem, vazada nos moldes clássicos, com força de limitação do poder do Estado.

2. CLASSIFICAÇÕES

As Declarações de Direito, em regra geral, vêm divididas em duas partes: a primeira trata dos

direitos políticos (ou direitos de cidadania) e a segunda trata dos direitos fundamentais

propriamente ditos, inerentes ao homem como pessoa humana.

Os direitos políticos referem-se à definição da qualidade de cidadão nacional e suas prerrogativas, aquisição e perda de nacionalidade, formação do corpo eleitoral, capacidade eleitoral ativa e passiva, acesso aos cargos públicos etc. Estes direitos, como é óbvio, variam no espaço e no tempo, segundo a ordem política e jurídica de cada Estado.

Os direitos fundamentais propriamente ditos referem-se aos atributos naturais da pessoa humana, invariáveis no espaço e no tempo, segundo a ordem natural estabelecida pelo Criador do mundo e partindo-se do princípio de que todos os homens nascem livres e iguais em direitos. Estendem-se, portanto, a todos os homens, sem distinção de nacionalidade, raça, sexo, ideologia, crença, condições econômicas ou quaisquer outras discriminações. São os direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual, à propriedade etc. O primeiro dentre estes é o direito à vida, de evidência axiomática porque pressupõe todos os demais direitos humanos.

Enquanto os direitos políticos são todos relativos, os fundamentais da pessoa humana diferenciam-se em relativos e absolutos. São relativos os que dizem respeito às relações externas dos homens na sociedade, como os de manifestação do pensamento, crença ou culto, de reunião ou associação, de propriedade etc. E absolutos aqueles direitos naturais da pessoa humana que, por sua própria natureza, são insuscetíveis de controle estatal, como os de pensamento e crença. O Estado pode disciplinar as relações externas do homem na vida social, mas não invadir-lhe o foro íntimo para impor convicções. Pode disciplinar os atos de manifestação do pensamento, mas não o pensamento em si mesmo; a manifestação pública do culto, mas não a crença em si mesma.

Classificam-se ainda os direitos fundamentais em positivos e negativos. São positivos os que consistem na faculdade de exigir e obter determinadas prestações assistenciais do Estado; e negativos os que efetivamente limitam o poder estatal impondo-lhe uma atitude de abstenção, de não intervenção. São estes os chamados direitos subjetivos do homem contra o Estado. O homem, desde os primórdios da humanidade, tem suas características personalíssimas, como ser criado à imagem e semelhança de Deus, com seus atributos próprios, de livre-arbítrio, de dignidade pessoal e de procurar a realização da sua própria felicidade terrena com vistas ao seu destino transcendental. Essas características pessoais entram no rol dos direitos naturais, invariáveis no espaço e no tempo,

que não podem ser mudados por nenhuma lei humana. O Estado não as cria, não as outorga, e, portanto, não as pode alterar ou suprimir. O direito natural, com efeito, é anterior e superior ao Estado.

Resulta daí a classificação, geralmente admitida, de direitos fundamentais intraestatais e

supraestatais. Os primeiros são variáveis em cada Estado segundo a sua ordem sócio-ético-jurídica,

enquanto os direitos considerados supraestatais transcendem para a órbita do Jus Gentium, impondo- se generalizadamente a todos os homens e a todos os povos.

3. INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM

A doutrina dos direitos fundamentais do homem, violada ou postergada pelos Estados totalitários, projetou-se, depois das duas grandes conflagrações mundiais, para o campo internacional, a ponto de configurar o que Mandelstam chamou de direito comum da humanidade.

Assim, os direitos fundamentais da pessoa humana transcendem para o plano supraestatal, sob os auspícios da ONU, que elaborou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, com o caráter de norma geral de ação para todos os povos e todas as nações, estabelecendo que todos os

direitos e liberdades proclamados na presente declaração correspondem a toda pessoa , sem distinção de raça, cor, idioma, religião, opinião pública, índole econômica ou outra condição de nascimento, de origem nacional ou social.

Especifica essa Declaração Universal o conteúdo mínimo dos direitos que devem ser reconhecidos e garantidos em cada Estado particularmente considerado, inclusive estabelecendo sanções, em função do objetivo comum de realizar a paz pelo direito.

4. NOVOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Além dos direitos fundamentais definidos nas declarações clássicas, novos direitos de personalidade vêm se configurando nos horizontes sociais conturbados pela crescente hipertrofia do poder estatal, assumindo configurações mais nítidas, no mundo jurídico atual, os seguintes: a) direito

à própria imagem; b) direito à intimidade pessoal; e c) direito à informação.

O primeiro tende a desvencilhar o homem do seu condicionamento pelos estereótipos dos chamados mass-media. O direito à intimidade pessoal (privacy) dirige-se à preservação da vida íntima do indivíduo, ameaçada pelo emprego de dispositivos modernos de visão, audição e outros meios de controle a distância. O direito à informação se contrapõe, em nome da soberania nacional e da ordem democrática, aos interesses nem sempre legítimos da sociedade de consumo e aos exageros dos chamados “motivos de segurança nacional”.

5. DIREITOS SOCIAIS

O Estado evolucionista, social-democrático, que se firma no século XX, procurando conciliar os erros do liberalismo individualista com as verdades parciais do socialismo, passou a inserir no seu texto constitucional, ao lado da Declaração dos Direitos Individuais de estilo clássico, outras declarações, que tratam das relações entre o capital e o trabalho, da Previdência Social, da nacionalização de certas fontes de produção da riqueza, da função social do direito de propriedade, da contenção dos abusos do poder econômico etc., disciplinando a ação intervencionista do Estado no campo socioeconômico em função dos princípios indeclináveis de justiça social. Sob o título Da

Família, Educação e Cultura, define o Estado Moderno o seu programa mínimo no sentido de

amparar, prestigiar e valorizar os grupos naturais que integram a sociedade civil — a família e a escola.

Os direitos sociais constantes destas declarações correspondem a obrigações positivas do Estado, configurando normas de ação governamental. São direitos individuais e grupais à prestação assistencial do Estado. São declarações programáticas que se completam e se efetivam através de regulamentação legislativa ordinária.

A Constituição brasileira de 1988 já incorporou grande parte dessas declarações no Capítulo II do Título II (Dos direitos sociais) e nos Títulos VII e VIII (Da ordem econômica e financeira, e Da ordem social).

6. GARANTIAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

As declarações de direitos não se limitam a definir as várias liberdades e prerrogativas do homem e do cidadão ou dos grupos e da comunidade social: consignam também as garantias necessárias à efetivação dos direitos declarados. Separam-se, portanto, como observou Rui Barbosa, as

disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas as garantias; ocorrendo não raro juntar-se , na mesma disposição constitucional ou legal, a fixação da garantia com a declaração do direito.

O “habeas corpus”, o mandado de segurança, o direito de petição ou de representação , a ação

popular e os criados pela Constituição brasileira de 1988, “habeas data”, mandado de injunção e mandado de segurança coletivo, constituem garantias individuais ou sociais, isto é, instrumentos de

efetivação dos direitos reconhecidos e declarados, bem como de outros direitos que, embora não declarados expressamente, decorrem das prerrogativas naturais da pessoa humana e do regime político adotado na Constituição.

XLI

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 174-178)