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DIVISÃO FORMAL DAS CONSTITUIÇÕES

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 164-166)

O PREÂMBULO NAS CONSTITUIÇÕES

4. DIVISÃO FORMAL DAS CONSTITUIÇÕES

Tracemos o seguinte esquema da divisão formal das Constituições:

CONSTITUIÇÃO ESCRITA é aquela que consiste em um conjunto de normas de direito positivo. Esse conjunto de normas pode constar de um só código ou de diversas leis formalmente distintas. Vale dizer: a Constituição escrita tanto pode ser codificada como não codificada.

Em geral, as Constituições dos Estados modernos são escritas e codificadas. Consistem num corpo explícito de regras referentes à organização do Estado, ao exercício do poder de governo etc. A Constituição escrita recebe também as denominações de lei fundamental, lei magna, lei das leis,

lei máxima, lei suprema etc.

CONSTITUIÇÃO NÃO ESCRITA é aquela que se baseia nos usos, costumes e tradições nacionais. Chama-se também inorgânica, costumeira ou consuetudinária.

A Inglaterra nos oferece o exemplo clássico da Constituição não escrita. O povo inglês não dispõe de um documento básico que contenha as regras do seu direito constitucional. Os princípios seculares desse direito são transmitidos de geração em geração e conservados pela doutrina dos autores, pela jurisprudência dos tribunais e pelas resoluções do Parlamento. Existem alguns pontos de referência, certos documentos de grande valor, como a Carta Magna de 1215, o Bill de 1688 e o Act de 1701. Como o Parlamento tem função constituinte permanente, os seus atos se revestem do valor de leis constitucionais. País conservador por excelência, fiel às suas tradições, a Inglaterra dá ao mundo um exemplo edificante de ordem constitucional, sem nunca ter sentido a necessidade de formalizar em um documento escrito os dogmas seculares que regem a vida política do país — fato explicável pelo alto nível da educação social, política e jurídica de seu povo.

A Hungria nos oferece outro exemplo admirável de persistência do espírito liberal. A sua história constitucional remonta à célebre Bula de Ouro do Rei André II, a qual ratifica os princípios de liberdade instituídos pelo Rei Santo Estevão. Suprimida muitas vezes pelo despotismo de alguns monarcas, notadamente pela tirania da Casa d’Áustria, a Bula de Ouro, sete anos mais nova do que a Magna Carta dos ingleses, continuou até agora como pedra angular do sistema constitucional inorgânico da Hungria, desde o ano de 1222.

A filosofia política do século XVIII tinha como um dos seus pontos capitais a ideia da necessidade de uma Constituição escrita — escreve Queiroz Lima —, pelas seguintes razões: a) a doutrina metafísica então em voga fazia repousar toda a legislação do Estado nos elementos basilares de uma lei fundamental, ato inicial da soberania, à qual iam pedir orientação e legitimidade todos os demais princípios editados de direito; b) dadas as grandes vantagens de firmeza, estabilidade e segurança que a lei escrita oferece, em confronto com o direito costumeiro, foi unânime o acordo dos publicistas em que a lei fundamental do Estado devia revestir uma forma escrita rigorosa; c) uma Constituição formulada por uma assembleia expressamente investida nessa função especial, em consequência de um pacto político solene, constituía, no entender dos escritores do direito natural, uma renovação do contrato social, base primária de toda organização política; e d) a Constituição escrita, ao mesmo tempo que, com as suas prescrições rigorosas e insofismáveis, dificulta os abusos de autoridade, que encontram fácil escapatória na elasticidade e no indeterminado dos princípios de direito costumeiro, serve de elemento de educação do povo, ao qual se oferece como tábua sagrada em que são traçados os seus direitos e firmados os limites da ação do poder público.

As primeiras Constituições escritas, que surgiram em consequência dessa doutrina, foram a da Confederação dos Estados norte-americanos (Articles of Confederation), elaborada em Virgínia no ano de 1776, e a da Federação dos Estados Unidos da América do Norte, promulgada pela Convenção de Filadélfia no ano de 1787, ainda em vigor. Foram os norte-americanos, portanto, os predecessores da positivação do direito institucional.

Com a revolução francesa surgiu a primeira Constituição escrita da Europa: a Constituição francesa de 1791, substituída logo depois pela de 1793. Sob a inspiração dos mesmos princípios liberais, passaram a adotar Constituições escritas e codificadas, depois da revolução francesa, os demais Estados europeus e as antigas colônias americanas emancipadas de Espanha e Portugal.

As Constituições escritas classificam-se em imutáveis, fixas, rígidas e flexíveis.

As duas primeiras categorias (imutáveis e fixas) têm apenas valor histórico. Leis fundamentais antigas, como o Código Hamurabi e a Lei das XII Tábuas, surgiram com a pretensão de eternidade; não podiam ser modificadas, sob pena de maldição dos deuses. No mundo moderno as primeiras declarações de direito e as Constituições que vigoraram em França ao tempo de Napoleão I eram

fixas, isto é, não podiam ser modificadas senão pelo mesmo poder constituinte que as elaborou,

quando para esse fim especial fosse convocado.

Na atualidade todas as Constituições escritas comportam reformas ou emendas pela legislatura ordinária, observadas as dilações e as solenidades prescritas no seu próprio texto. Por isso, só apresenta interesse a divisão das Constituições escritas em rígidas e flexíveis.

CONSTITUIÇÃO RÍGIDA é aquela que não pode ser alterada pelo processo comum de elaboração das leis ordinárias. A reforma ou emenda, neste tipo de Constituição, exige a observância de solenidades especiais, debates mais amplos, prazos dilatados e quorum de dois terços, ou, em determinadas hipóteses, de maioria absoluta do Congresso.

A Constituição Federal norte-americana é tipicamente rígida. Exige para a reforma do seu texto o seguinte:

Sempre que dois terços dos membros de ambas as Câmaras julgarem necessário , proporá o Congresso emendas a esta Constituição, ou, se as legislaturas de dois terços dos Estados pedirem, convocará uma convenção para propor emendas que em um e outro caso serão válidas para todos os efeitos como parte desta Constituição, se forem ratificadas pelas legislaturas de três quartos

dos Estados, ou por convenções reunidas para esse fim em três quartos deles, propondo o Congresso uma ou outra dessas maneiras de ratificação. Nenhuma emenda, todavia, feita antes do ano de 1808, afetará de qualquer forma as cláusulas primeira e quarta da seção 9 do artigo 1º e nenhum Estado poderá ser privado, sem seu consentimento, da igualdade de sufrágio no Senado.

No Brasil as Constituições foram rígidas, desde a imperial de 1824 à republicana atual.

Mais ou menos rigoroso, portanto, é o processo de reforma ou emenda das Constituições rígidas, que assim se acobertam dos golpes de força das maiorias partidárias, das tendências oportunistas dos grupos políticos predominantes e da exaltação dos espíritos nos momentos de crise nacional. Pelo menos teoricamente, isto é, segundo a doutrina pura.

As CONSTITUIÇÕES FLEXÍVEIS, também chamadas plásticas, podem ser modificadas por ato legislativo ordinário, ou seja, pelos mesmos trâmites da lei comum.

Diz Bryce que a rigidez é atributo necessário das Constituições escritas, enquanto a flexibilidade é própria das Constituições costumeiras. Esta afirmação, porém, não tem valor absoluto: as Constituições escritas do reino da Itália e da República do Transvaal foram flexíveis. Por outro lado, Duverger e Burdeau citam Constituições costumeiras rígidas, oferecendo como exemplos as leis fundamentais da monarquia francesa.

O que é certo, sobretudo, é que as Constituições flexíveis só servem às nações democraticamente evoluídas e de alto nível cultural.

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 164-166)