• Nenhum resultado encontrado

SISTEMA REPRESENTATIVO PRESIDENCIALISTA

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 198-200)

1. Origem histórica. 2. Crítica. 3. Mecanismo e características do presidencialismo. 4. Ministros de Estado. 5. Responsabilidade e “impeachment”. 6. Duração do mandato. 7. Evolução do sistema presidencial e suas modalidades. 8. Comissões parlamentares de inquérito.

1. ORIGEM HISTÓRICA

O sistema representativo presidencialista foi idealizado pelos norte-americanos, na Convenção de Filadélfia, e consubstanciado na Constituição Federal de 1787. Foi uma solução de cunho prático, uma experiência coroada de êxito que se comunicou às três Américas, sendo adotado em todas as Repúblicas deste Continente.

As treze antigas colônias inglesas, sustentando a guerra pela independência, declarada em 1776, uniram-se, em 1781, formando a Confederação dos Estados Unidos da América do Norte. A forma confederal, porém, unindo treze países livres por laços meramente contratuais e para os fins de defesa externa, não correspondia com o ideal da formação de um todo homogêneo e forte, capaz de resistir eficazmente à reação das forças inglesas. Os problemas comuns, militares, econômicos, políticos e sociais, foram amplamente debatidos na aludida Convenção de Filadélfia, durante noventa dias, resultando desses debates a fusão dos treze Estados em um só, e, ao mesmo tempo, a criação de uma nova forma de Estado (a Federação), a par da estruturação de uma nova forma de governo (o

presidencialismo).

Surgiu o presidencialismo, assim, empiricamente, como uma solução prática para os problemas que assoberbavam as treze jovens nações que ainda lutavam pela consolidação da sua emancipação política. A doutrina se formou depois, nos rastilhos dos cânones constitucionais, para explicar o fato consumado.

2. CRÍTICA

O sistema presidencialista foi uma adaptação da monarquia à forma republicana, com um mínimo

de modificações, segundo a expressão de Summer Maine. Em linhas gerais, foram substituídos os

princípios monárquicos da vitaliciedade e hereditariedade pelos da temporariedade e eletividade da suprema magistratura. Embora temporário e eletivo, no exercício do mandato, o Presidente da República passou a refletir a majestade e a onipotência de Jorge III, Rei autoritário, quase despótico, cujos desmandos levaram as colônias inglesas da América do Norte à sangrenta guerra da independência.

Salienta o próprio Maine que, na Constituição norte-americana, a semelhança entre o Presidente e um monarca da Europa, especialmente da Inglaterra, é evidente demais para que possa haver engano.

Especialmente da Inglaterra, acentua Maine, porque, realmente, os constituintes de 1787 não

procuraram modelo real num monarca qualquer, abstratamente considerado, mas tomaram por protótipo precisamente o Rei Jorge III, o qual exercia absoluto controle sobre os seus Ministros de

Estado e chegava a dominar o próprio Parlamento. Como observou Ellis Stevens, o soberano inglês, autoritário e poderoso, “fizera uma profunda impressão na América, deixando traços permanentes nas disposições constitucionais relativas ao executivo americano”. Neste sentido é ainda a observação de Pedro Calmon: “quiseram os constituintes norte-americanos revestir o seu alto magistrado com o poder de resistir ao Congresso como Jorge III resistia ao Parlamento inglês”.

Idêntica é a conclusão do nosso inolvidável João Barbalho, quando demonstra que o Presidente da República, modelado na Constituição de 1787, pelo seu excessivo poder, assemelhava-se a um Rei

eletivo e temporário. Analisando a soma imensa de poderes que ele enfeixa em suas mãos, observa o

insigne constitucionalista que ao chefe do Executivo presidencialista só faltam a hereditariedade e

perpetuidade, a corte e os ouropéis.

Confirmando a tendência manifesta dos convencionais no sentido de estruturar um regime de natureza monárquica, avultou-se um movimento popular que objetivava atribuir a coroa de Rei ao primeiro Presidente, George Washington, o qual, para manter a sua fidelidade aos ideais republicanos, teve que chegar ao extremo de fazer uso da força e opor resistência às tropas de Neuberg.

Por outro lado, não era unânime a vontade dos convencionais de Filadélfia no sentido de instituir o Poder Executivo unipessoal. A isso se opuseram principalmente os pequenos Estados, como Delaware e Maryland. Também o Estado de New York pugnou pelo Executivo colegiado. Figuras proeminentes da Convenção, como Edmond Randolph e Roger Sherman, combateram tenazmente a ideia da unidade da magistratura executiva. O próprio Hamilton, que foi a mais alta expressão da cultura política no seio da Convenção, impugnou a magistratura executiva unipessoal por considerá- la uma adaptação do regime monárquico, e, antevendo a deturpação do governo republicano pela excrescência do Executivo uno, procurou reduzir as consequências desse erro através do encurtamento do período presidencial. Chegou mesmo a propor que o mandato fosse de duração indeterminada, para que o Presidente governasse enquanto bem servisse (for good behaviour), o que possibilitaria a imediata desconstituição do governo que se tornasse incompatível com a opinião pública. Afinal, foi o período presidencial fixado em quatro anos, quando havia propostas que estabeleciam cinco, seis e até oito anos de duração.

“Se Hamilton tivesse vivido cem anos mais tarde — observa João Barbalho — sua comparação do Presidente com o Rei lhe teria feito admitir que o funcionário norte-americano é o mais poderoso dos dois.”

A semelhança em si não seria um grande mal. Os monarcas constitucionais do mundo moderno têm o seu poder consideravelmente diminuído. Mas, como observa Ellis Stevens, o chefe do Executivo no sistema presidencial tem mantido uma enorme soma de poderes em tempo de paz como em tempo de guerra, e a sua autoridade se estende e se alarga, a ponto de tornar-se praticamente ditatorial. Observa Michel Dendias que o Presidente da República é sempre um ditador em potencial. É absoluto na sua ampla esfera de ação, chegando a absorver facilmente todas as resistências, inclusive em relação ao Legislativo, que se reduz, não raro, às condições de órgão subserviente, através das chamadas maiorias situacionistas.

O Prof. Machado Paupério, afinando com a quase totalidade dos comentaristas do presidencialismo, consigna que o Presidente da República, “dentro das suas prerrogativas, de preeminência incomparável, é um verdadeiro ditador em estado latente, a impor sempre ao governo a sua própria personalidade”. E acrescenta: “Não é por outra razão que enquanto os Estados

parlamentares têm história de partidos os presidenciais apenas apresentam períodos pessoais de governo”.

Efetivamente, quando a Constituição norte-americana inseriu no seu texto que the executive power

shall be vested in a President of the United States of America, com essas quinze palavras, afirmou

Bennet Munro, criaram os elaboradores da Constituição o mais poderoso cargo eletivo do mundo. O presidencialismo tem sido uma forja constante de ditaduras, em todos os países da América Latina, o que confirma o conceito de que o chefe do Executivo, nesse sistema, é sempre um ditador em potencial. O próprio sistema leva o Presidente a ser ditador, como confessou Plaza, ex-Presidente do Equador: “seria preciso ter a alma de um Catão para resistir”.

O Brasil registra dois períodos ditatoriais, além de diversas revoluções, golpes de Estado

frustrados e várias fases de ditadura legal decorrentes do abuso da prerrogativa constitucional de

decretação do estado de sítio. O sistema gerou as terríveis ditaduras de Porfirio Diaz no México, de Rosas na Argentina, de Solano Lopes e Dr. Francia no Paraguai, de Garcia Moreno no Equador, de Malgarejo na Bolívia, além de muitas outras. Mais recentemente, temos os exemplos das ditaduras de Perón na Argentina, de Batista em Cuba (secundada por Fidel Castro) e de Stroessner no Paraguai. A história dos países latino-americanos nos registra em cada capítulo uma ditadura ou uma revolução, confirmando a existência desse cesarismo democrático americano a que se referiu Valenilla Lanz historiando a ditadura na Venezuela.

A preeminência do Executivo, acentuando cada vez mais o poder pessoal do Presidente, tem levado ao abuso da prerrogativa legal de decretação do estado de sítio. Várias Constituições americanas conferem essa faculdade ao Presidente independentemente de anuência do Congresso. Nas federações, dispõe ainda o supremo magistrado da prerrogativa de decretar a intervenção

federal nas províncias, cujo instituto, destinado a ser um instrumento de equilíbrio federativo, pode

ser e tem sido utilizado abusivamente, convertendo-se em meio de dominação absolutista. Foi o que ocorreu, por exemplo, na Argentina, quando o Presidente Irigoyen, abusando da referida faculdade constitucional, substituiu todos os governadores de províncias que divergiam da sua orientação, e, através de interventores, impôs a sua vontade incontrastável à nação inteira.

É exato que o sistema presidencialista comprovou ótimos resultados nos Estados Unidos da América do Norte, mas isso se explica principalmente pelo fato de possuir o povo norte-americano um alto nível cultural, sendo herdeiro e continuador das tradições liberais multisseculares da Inglaterra. O povo latino-americano, porém, ingovernável segundo a expressão de Bolívar, está longe de atingir a maioridade democrática. Falta-lhe, como observa o Prof. Machado Paupério, “a estabilidade jurídica dos povos amadurecidos e o esclarecimento da opinião pública”. Falta-lhe a educação, que é a alma do Estado moderno, na expressão de Laski.

O sistema de governo é realmente escola de educação política, como proclamou Rui com a sua superior e incontestável autoridade.

Os conflitos entre os poderes estatais e as crises de governo são fatos comuns e previsíveis em todas as formas de organização política, e, por isso mesmo, deveriam encontrar remédio imediato na Constituição. No sistema parlamentarista tais fatos se resolvem primeiramente na câmara representativa da soberania nacional, e em última instância pelo supremo árbitro, que é o corpo eleitoral. No sistema presidencialista não há solução constitucional, porque nem a própria nação se sobrepõe ao arbítrio do chefe do Poder Executivo. Daí porque as crises governamentais, no sistema presidencial, são sempre prelúdios de revolução ou ditadura. E o povo é mero espectador; sua

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 198-200)