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MONARQUIA E REPÚBLICA

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 150-154)

FORMAS DE GOVERNO

3. MONARQUIA E REPÚBLICA

Maquiavel, consagrado como fundador da ciência política moderna, substituiu a divisão tríplice do filósofo grego pela divisão dualista das formas de governo: Monarquia e República (governo da minoria ou da maioria).

Colocou o problema nos seus exatos termos o sábio secretário florentino, pois aristocracia e democracia não são propriamente formas de governo, mas, sim, modalidades intrínsecas de qualquer das duas formas.

Em poucas e incisivas palavras dá Maquiavel a distinção fundamental: o governo renova-se mediante eleições periódicas — estamos diante da forma republicana; o governo é hereditário e vitalício — está caracterizada a monarquia.

Queiroz Lima enumera as seguintes características da forma monárquica: a) autoridade unipessoal; b) vitaliciedade; c) hereditariedade; d) ilimitabilidade do poder e indivisibilidade das supremas funções de mando; e) irresponsabilidade legal, inviolabilidade corporal e sua dignidade. Evidentemente, essas são as características das monarquias absolutas; mas há também as monarquias limitadas, como adiante veremos. Características essenciais comuns, das monarquias, são apenas duas: a) hereditariedade; b) vitaliciedade.

A forma monárquica não se refere apenas aos soberanos coroados; nela se enquadram os consulados e as ditaduras (governo de uma só pessoa).

Por outro lado, as características essenciais da forma republicana são: a) eletividade; b) temporariedade.

4. SUBDIVISÕES

Passaremos agora a estudar as modalidades, isto é, as subdivisões das duas formas de governo, dentro do seguinte quadro sinótico:

MONARQUIA ABSOLUTA é aquela em que todo o poder se concentra na pessoa do monarca.

Exerce ele, por direito próprio, as funções de legislador, administrador e supremo aplicador da justiça. Age por seu próprio e exclusivo arbítrio, não tendo que prestar contas dos seus atos senão a

Deus. O monarca absolutista justifica-se pela origem divina do seu poder. O Faraó do Egito, o Tzar da Rússia, o Sultão da Turquia, o Imperador da China, diziam-se representantes ou descendentes dos deuses. Na crença popular da origem sobrenatural do poder exercido pelos soberanos coroados repousou a estabilidade das instituições monárquicas desde a mais remota antiguidade até ao limiar da Idade Moderna. Entre as monarquias absolutistas se incluem o cesarismo romano, o consulado napoleônico e certas ditaduras latino-americanas.

São limitadas as monarquias onde o poder central se reparte admitindo órgãos autônomos de função paralela, ou se submete esse poder às manifestações da soberania nacional.

Destacam-se três tipos de Monarquias Limitadas: a) de estamentos; b) constitucional; c)

parlamentar.

MONARQUIA DE ESTAMENTOS , também denominada por alguns autores monarquia de braços,

é aquela onde o Rei descentraliza certas funções que são delegadas a elementos da nobreza reunidos e m Cortes, ou órgãos semelhantes que funcionam como desdobramento do poder real. Geralmente, eram delegadas a tais órgãos estamentários funções de ordem tributativa... A monarquia de estamentos é forma antiga, típica do regime feudal. Os exemplos mais recentes foram a Suécia e o Mecklemburgo, tendo esta última perdurado até 1918.

MONARQUIA CONSTITUCIONAL é aquela em que o Rei só exerce o poder executivo, ao lado

dos poderes legislativo e judiciário, nos termos de uma Constituição escrita. Exemplos: Bélgica, Holanda, Suécia, Brasil-Império.

MONARQUIA PARLAMENTAR é aquela em que o Rei não exerce função de governo — o Rei reina mas não governa, segundo a fórmula dos ingleses. O poder executivo é exercido por um

Conselho de Ministros (Gabinete) responsável perante o Parlamento.

Ao Rei se atribui um quarto poder — Poder Moderador — com ascendência moral sobre o povo e sobre os próprios órgãos governamentais, um “símbolo vivo da nação”, porém sem participação ativa no funcionamento da máquina estatal. É exatamente a forma decorrente da adoção do sistema parlamentarista no Estado monárquico. O Rei preside a Nação; não propriamente o Governo.

REPÚBLICA é o governo temporário e eletivo.

“Existirá República toda vez que o poder, em esferas essenciais do Estado, pertencer ao povo ou a um Parlamento que o represente” (Prof. Machado Paupério).

A República pode ser aristocrática ou democrática.

REPÚBLICA ARISTOCRÁTICA é o governo de uma classe privilegiada por direitos de

nascimento ou de conquista. É o governo dos melhores, no exato sentido do termo, pois a palavra

aristoi não corresponde, especificamente, a nobreza, mas a escol social, isto é, os melhores da

sociedade. Atenas e Veneza foram Repúblicas aristocráticas.

A República Aristocrática pode ser direta ou indireta, conforme seja o poder de governo exercido diretamente pela classe dominante, em assembleias gerais, ou por delegados eleitos, em assembleia representativa. Teoricamente, admite-se também a forma semidireta.

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA é aquela em que todo poder emana do povo. Pode ser direta, indireta ou semidireta.

Na República Democrática Direta governa a totalidade dos cidadãos, deliberando em assembleias populares, como faziam os gregos no antigo Estado ateniense.

O governo popular direto se reduz atualmente a uma simples reminiscência histórica. Está completamente abandonado, em face da evolução social e da crescente complexidade dos problemas

governamentais.

A REPÚBLICA DEMOCRÁTICA INDIRETA, ou REPRESENTATIVA, é a solução racional, apregoada pelos filósofos dos séculos XVII e XVIII e concretizada pela Revolução Francesa. Firmado o princípio da soberania nacional e admitida a impraticabilidade do governo direto, apresentou-se a necessidade irrecusável de se conferir, por via do processo eleitoral, o poder de governo aos representantes ou delegados da comunidade. É o que se denomina sistema

representativo, que estudaremos nos pontos seguintes, quanto às suas diversas modalidades.

Na República Democrática Indireta (ou Representativa) o poder público se concentra nas mãos de magistrados eletivos, com investidura temporária e atribuições predeterminadas. Sob este ponto de vista, definiu Rui Barbosa: “República não é coexistência de três poderes, mas a condição que, sobre existirem os três poderes constitucionais, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, os dois primeiros derivam, realmente, de eleição popular”. Efetivamente, os órgãos componentes dos Poderes Legislativo e Executivo devem ser eleitos pelo povo, por via de sufrágio universal. No tocante ao Poder Judiciário, sua composição tem obedecido ao princípio da nomeação, pelos dois outros poderes de natureza eletiva, sob o fundamento, de certo modo razoável, de que os atos desse poder, mais do que os dos dois outros, são essencialmente funcionais, isto é, decorrem da vontade da lei e não do arbítrio dos magistrados.

Não obstante, o provimento das magistraturas componentes do poder judiciário é assunto que merece destaque. A eletividade é a regra, em face da verdadeira doutrina republicana democrática. As mais adiantadas democracias do mundo adotam, pelo menos em parte, o princípio da eletividade. Isso ocorreu aqui mesmo no Brasil, ao tempo do segundo Império, contribuindo para o conceito de que o Império foi mais democrático do que a República. A eletividade dos magistrados implica a temporariedade das funções. A temporariedade, por sua vez, leva a uma eficiência constante, afastando em grande parte os inegáveis inconvenientes da vitaliciedade.

REPÚBLICA DEMOCRÁTICA SEMIDIRETA. Entre a solução originária da democracia direta e o

regime representativo, surge uma terceira expressão denominada democracia semidireta ou mista. Consiste esse sistema em restringir o poder da assembleia representativa, reservando-se ao pronunciamento direto da assembleia geral dos cidadãos os assuntos de maior importância, particularmente os de ordem constitucional.

Esse sistema é adotado atualmente na Suíça e em alguns Estados da federação norte-americana. A Constituição da República alemã de Weimar, de 11 de agosto de 1919, que foi imitada pela Prússia, Áustria e Checoslováquia, antes do advento dos “Estados Novos” de feição autocrática, foi um modelo do sistema semidireto.

A delegação de poderes, neste sistema, é feita com as devidas restrições, de tal sorte que os problemas considerados de vital importância nacional são decididos pelo próprio povo por processos típicos de democracia direta, como o referendum, a iniciativa popular, o veto popular etc.

Em todos os casos de conflito entre os poderes do Estado, reforma constitucional, ratificação de tratados ou convenções internacionais, empréstimos externos, modificações territoriais, declaração de guerra ou tratado de paz, leis de magno interesse nacional etc. decide o povo em última instância.

Sem embargo das objeções de ordem técnica que pesam em contrário, o sistema misto se apresenta na atualidade qual porto de salvação no mar encapelado em que navega o barco da democracia representativa. Os Estados Unidos da América do Norte introduzem cada vez mais no

sistema institutos de democracia direta. O Brasil mesmo, pela Constituição de 1946, adotou o

plebiscito, em tudo semelhante ao referendum, para a solução dos casos de divisas internas,

administrativas ou judiciárias, subordinando as decisões das câmaras representativas ao pronunciamento das populações interessadas. E a excelência teórica da medida foi confirmada pela prática.

Para melhor compreensão deste e de outros pontos seguintes, passaremos a analisar, de modo sucinto (com exceção dos sistemas eleitorais, que serão objetos de outro capítulo), os institutos de manifestação da soberania nacional, que integram a doutrina republicana.

5. “REFERENDUM”

O referendum é a fórmula moderna da Landsgemeinde, a tradicional assembleia do povo na Suíça, desde os primórdios da Confederação Helvética.

Como nos informa Curti, na sua esplêndida monografia O Referendum, denominaram-se essas assembleias populares, em francês, Les Plaids Généraux ou Les Grands Plaids, e, em latim,

Placitum Generale. Nos escritos antigos, segundo Ryffel, citado pelo mesmo Curti, foram chamados Conventus, Comitia, Communitas, Communs etc.

Relata-nos Queiroz Lima que “o processo dessas assembleias populares era impregnado de arcaísmo e sujeito a um minucioso cerimonial. A abertura do Landsgemeinde é precedida de uma procissão semicívica, semirreligiosa, na qual os trajes medievais de certos personagens e o lugar de cada um são cuidadosamente fixados em regulamento. Os trabalhos da assembleia começam por uma prece e pelo cântico Veni Creatur Spiritus. Em seguida, o Landmmann expõe aos seus concidadãos os acontecimentos mais notáveis do ano, na Suíça e no estrangeiro. Passa-se depois à ordem do dia (votação e eleições) e os funcionários e juízes eleitos submetem-se à cerimônia do juramento, elevando, segundo uso antigo, três dedos da mão direita como invocação da Santíssima Trindade. As votações se fazem por meio da mão erguida, triunfando a maioria absoluta de votos”.

A Landsgemeinde funciona ainda com esse ritual em alguns Cantões da Suíça, como Uri, Glaris, Unterwald e Appenzell. De acordo com a tradição, os cidadãos comparecem de carabina a tiracolo, como símbolo de que a liberdade deve ser defendida pelas armas.

Em geral, porém, esse sistema complexo de assembleia popular vem cedendo lugar à fórmula simples e moderna do referendum.

As repúblicas modernas têm lançado mão do referendum como instrumento de limitação do poder das assembleias representativas. Na prática, o referendum não tem o mesmo alcance das assembleias populares: o povo não formula soluções; apenas se manifesta sobre o problema que lhe é submetido, aprovando ou desaprovando a solução proposta. A votação se dá por meio de cédulas com a palavra escrita Sim ou Não. Em se admitindo a participação dos cidadãos analfabetos, as cédulas usadas são de cores diversas — brancas ou pretas.

Queiroz Lima aponta as seguintes razões em prol desse instituto, como fator de equilíbrio democrático:

a) O regime de referendum está indiscutivelmente em harmonia com os mais puros princípios

democráticos. Preuss, o sábio autor da Constituição alemã de 1919, considera o governo semidireto um postulado da democracia.

c) O referendum assegura perfeita concordância de vistas entre a maio-ria parlamentar e a

opinião dominante no país.

d) O referendum é um valiosíssimo instrumento de pacificação e estabilidade.

É preciso notar que o referendum tem sido usado abusivamente para legitimar atos de usurpação da soberania nacional. Napoleão I recorreu várias vezes a esse meio para fazer aprovar seus atos constitucionais; Adolf Hitler valeu-se do mesmo meio para substituir a Constituição vigente pela sua carta outorgada; Salazar fez aprovar a sua Constituição pelo mesmo expediente; no Brasil, a Carta outorgada de 1937 previa a sua legitimação pelo referendum; e ainda recentemente De Gaulle, na França, obteve por via desse instituto a aprovação de reformas constitucionais profundamente antidemocráticas. Inúmeros são os exemplos semelhantes de desvirtuamento do referendum na sua natureza e na sua finalidade. Utilizado para legitimação a posteriori dos atos de força e de prepotência, perde o referendum a sua característica essencial de instituto democrático.

6. PLEBISCITO

As Constituições modernas vêm adotando o plebiscito, que é semelhante ao referendum no seu processamento. O plebiscito tem sido instituído, como na Constituição Brasileira de 1946, para os casos de alteração das divisas interestaduais ou intermunicipais, criação de Distritos, Municípios, Comarcas ou Estados, casos em que as deliberações das assembleias representativas ficavam condicionadas à aprovação das populações interessadas. Embora dependente de resolução das respectivas assembleias, o plebiscito é consulta feita a priori, e a solução obtida sobrepõe-se à vontade das assembleias representativas.

No plano internacional o plebiscito, fundado na doutrina do livre-arbítrio dos povos, tem sido adotado como meio eficiente para a solução de contendas, quer quanto à criação ou supressão de Estados por divisão ou união, quer quanto à fixação das linhas divisórias nas zonas contestadas.

Como individualização do direito geral que tem cada povo de dispor de si mesmo, o plebiscito, tanto no direito internacional quanto no direito público interno, é uma afirmação solene do princípio da soberania nacional e um instrumento de contenção dos desmandos das assembleias representativas.

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 150-154)