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SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 167-171)

1. Subordinação da lei ordinária aos princípios constitucionais. 2. O controle da constitucionalidade das leis e dos atos administrativos. 3. Síncopes constitucionais (estado de sítio). 4. As síncopes constitucionais no Brasil.

1.

SUBORDINAÇÃO

DA

LEI

ORDINÁRIA

AOS

PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS

A Constituição, pela sua natureza superior, justifica bem o nome que se lhe dá de lei das leis. Ela contém os princípios basilares da ordem social, política, econômica e jurídica. Esses princípios, essencialmente dogmáticos, orientam e disciplinam a conduta dos governantes e dos particulares. A eles se subordinam necessariamente as leis e os atos de governo.

Surge então o princípio central do direito público constitucional, que é o da constitucionalidade

das leis e dos atos administrativos.

A formulação desse princípio parte da classificação das leis em constitucionais e ordinárias. As primeiras têm supremacia absoluta sobre as segundas. A lei ordinária deve ajustar-se à letra e ao espírito da Constituição, como condição sine qua non de validade.

Dizemos à letra e ao espírito porque, como é óbvio, além dos princípios expressos, decorrem da Constituição princípios implícitos, isto é, princípios que não estão escritos, mas que se deduzem do regime adotado, da substância ideológica e das próprias normas expressas.

Pois bem. A lei ordinária ou o ato administrativo que colidir, no todo ou em parte, com um preceito constitucional expresso ou implícito considerar-se-á inconstitucional.

A lei ou artigo de lei ordinária, quando inconstitucional, não será aplicado; e o ato administrativo será anulado.

2. O CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE

Como se realiza o controle da constitucionalidade das leis ordinárias?

Primeiramente, há um Controle Prévio que incide sobre os projetos de lei. Na França, segundo a Constituição de 1945, esse controle compete a um “comitê constitucional”. Na Irlanda, na Síria, na Colômbia e em outros países, há o controle prévio exercido pelo Judiciário. No sistema congressual norte-americano, mais generalizado e adotado no Brasil, o controle prévio se faz no próprio Poder Legislativo, por meio das comissões técnicas. Neste sistema ocorre ainda um segundo controle prévio, feito pelo órgão sancionador, o qual dispõe da faculdade de vetar o projeto por inconstitucionalidade.

O controle prévio, porém, visa ao projeto e não à lei mesma. O controle da lei, a posteriori, reveste-se de maior importância.

No sistema austríaco, constante da Constituição de 1920, criou-se a Alta Corte Constitucional com a função de examinar todas as leis ordinárias em face da lei suprema. Suas sentenças declaratórias de inconstitucionalidade acarretam a imediata nulidade da lei. Tal sistema foi imitado

pelas Constituições de Espanha e Cuba.

A atual Constituição italiana instituiu também uma Corte especial, dispondo no seu art. 136 que, “quando a Corte declara a ilegitimidade constitucional de uma disposição de lei, ou que tenha força de lei, esta perde a sua eficácia no dia seguinte à publicação da decisão”.

No sistema brasileiro, qualquer órgão judicante, sem exceção dos juízes singulares de primeira instância, pode deixar de aplicar a lei a um caso concreto, por considerá-la incompatível com os cânones constitucionais. Mas a declaração de inconstitucionalidade é função dos tribunais coletivos, por maioria absoluta dos seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial. E quando essa declaração é feita pelo Supremo Tribunal Federal (suprema instância) cabe ao Senado suspender a execução da lei.

Isso tudo não importa em anular a lei. O princípio da separação dos poderes impede que o Judiciário anule a lei, que é ato essencial do Legislativo. Além disso, o Judiciário só julga casos concretos. Suas decisões não têm efeitos erga omnes, isto é, não vão além da solução de uma relação processual entre autores e réus.

Assim como uma sentença do Judiciário não pode ser anulada por uma lei, também a lei não pode ser anulada por uma sentença. O Judiciário declara a inconstitucionalidade e vai negando a validade da lei nos casos concretos que forem surgindo. E isto até que o Senado suspenda a execução da lei declarada inconstitucional. O ato suspensivo do Senado tem efeito erga omnes, mas ainda não anula a lei.

Uma lei só se anula por outra lei emanada do mesmo órgão legislativo. Se a lei é federal, só o Congresso Nacional pode anulá-la (revogação); se estadual, só a Assembleia Legislativa do mesmo Estado; e, se municipal, só a Câmara dos Vereadores. É o nosso sistema e o americano.

Assim não entendeu a Suprema Corte norte-americana, durante certo tempo, quando passou a anular as leis do Congresso, chegando a entravar a política social de Roosevelt, conhecida sob a denominação de New Deal. Em cinco anos foram anuladas 377 leis. Tais decisões eram tomadas por maioria precária de 5 contra 4 votos. O povo as chamou de decisões five to four, e Budin as escandalizou num violento panfleto intitulado Government by Judiciary. A generalização dessas decisões levou alguns Estados a modificar a própria Constituição, visando enfrentar o absolutismo do Judiciário. Uma das medidas de defesa adotadas foi a utilização do recall, pronunciamento plebiscitário pelo qual o povo vetava a declaração judicial de inconstitucionalidade e obrigava o juiz a aplicar a lei assim ratificada pela soberania popular. A partir de 1927, com as prudentes medidas tomadas pelos poderes Executivo e Legislativo, inclusive o aumento de Juízes da Suprema Corte, cessou essa preeminência do Judiciário, restabelecendo-se a independência e a harmonia dos três poderes.

Em verdade, ao Judiciário compete o controle da constitucionalidade das leis, porém, não com o alcance que a Suprema Corte norte-americana lhe quis dar. É o Judiciário um órgão técnico por excelência, não eleito, e não pode sobrepor-se ao Legislativo, que representa legitimamente a soberania nacional. Por outro lado, a jurisprudência dos tribunais resulta da aplicação de regras variáveis de hermenêutica e de opiniões doutrinárias mutáveis, oscilando, por isso, segundo o ponto de vista de cada magistrado e ao sabor de maiorias transitórias.

Como órgão que interpreta e aplica a lei, o Judiciário tem uma certa supremacia sobre todos os demais órgãos do Estado, o que não é mais do que um reflexo da supremacia do próprio Direito. Mas isso não significa que o Judiciário seja um “superpoder”. É órgão técnico, especializado, e, como tal,

as suas decisões devem ser desde logo acatadas pelos dois outros poderes, os quais deverão reconsiderar a lei, o decreto ou o ato administrativo, em face de uma sentença definitiva. Decorre esse dever da concepção do Estado de direito, onde a soberania, em última análise, é da lei.

3. SÍNCOPES CONSTITUCIONAIS

No regime constitucional o império da lei é o da normalidade. Nos períodos anormais, de perigo externo ou de alteração da ordem interna, têm lugar as chamadas síncopes constitucionais. Suspende-se a vigência da Constituição, transitoriamente, quanto aos princípios não considerados essenciais à sobrevivência do Estado e à defesa do regime.

Nos casos de guerra externa ou de comoção intestina grave, tem o governo, na própria Constituição, a faculdade de decretar o estado de sítio, com a suspensão de certas e determinadas garantias.

A ideia dessa faculdade que se dá ao governo — diz Pedro Calmon — de em casos extremos pôr de lado a Constituição, que lhe tolhe os movimentos, é um dos realismos jurídico-sociais que vieram do passado, antes das teorias racionais do Estado e do individualismo dos cidadãos. Lembra as épocas do Estado-cidade, do Estado-monarca, do Estado-orgânico. Por isso ainda chamamos estado de sítio (evocação dos plenos poderes nas praças sitiadas da Idade Média) à situação em que as garantias constitucionais são suspensas para que o poder de polícia se exerça sem embaraços, num âmbito de autoridade, em ditadura formal.

Na antiga República romana, nos casos de perigo externo ou interno, proclamava o Cônsul o estado de tumultus, determinando a suspensão da justiça e a mobilização de todos os cidadãos, os quais ficavam à disposição do Estado para a defesa comum. Nomeava-se um ditador, pelo prazo máximo de seis meses, o qual recebia a totalidade do poder de imperium por disposição de uma lei das Cúrias. Tais providências eram tomadas sempre em prol da salvação pública, suprema lei do Estado — Salus publica suprema lex est.

Semelhante e baseada na mesma razão de fato é a medida da decretação do estado de sítio prevista nas Constituições modernas. Chamam-na alguns autores cláusula de ditadura legal. É exatamente uma atitude de “legítima defesa do Estado”, na expressão de Louis Trotabas (Constitution et Gouvernement de la France).

Como acentua Pedro Calmon, a legítima defesa da sociedade e do Estado tem de ser relativamente ilimitada, na proporção do ataque a que resiste. Não é admissível que se criem obstáculos à ação defensiva do governo, no momento em que estão em perigo a paz e a tranquilidade do povo, a continuidade das instituições e a própria sobrevivência da pátria, que é eterna.

A Constituição dispõe, para os tempos de paz, de normalidade. Mas não pode deixar de prever aquelas situações anormais decorrentes das grandes crises. E, prevendo-as, consigna no seu texto os

remédios heróicos de que o governo pode e deve lançar mão para salvar a vida do Estado.

Os poderes discricionários que o governo assume em tais ocasiões não são inconstitucionais porque não significam violência ou desrespeito à Constituição. Ao revés, são previstos, autorizados, regulamentados no corpo mesmo da Constituição, e podem ser restringidos ou ampliados segundo a menor ou maior intensidade do perigo que o Estado tenha de enfrentar num dado momento. São poderes extraconstitucionais, não inconstitucionais.

temporariamente suspenso. Assim, a Constituição, em parte, sofre um colapso, uma síncope, mas se restabelece depois: expirado o estado de sítio, com ele cessarão os seus efeitos.

4. AS SÍNCOPES CONSTITUCIONAIS NO BRASIL

No Brasil, as síncopes constitucionais podem ocorrer em duas hipóteses distintas: na decretação do estado de defesa e do estado de sítio.

Cada qual exige pressupostos diversos ou se aplica segundo a gravidade da ameaça constitucional ou da efetiva agressão à soberania nacional ou à ordem pública e à paz social. Basicamente, o estado

de defesa se justifica pelo objetivo de manter a estabilidade institucional em locais geograficamente

restritos, enquanto o estado de sítio pressupõe ameaça generalizada em âmbito nacional. Essas medidas estão previstas no Capítulo I do Título V da Constituição.

XXXIX

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 167-171)