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JEAN-JACQUES ROUSSEAU

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 74-78)

JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO —

2. JEAN-JACQUES ROUSSEAU

A este genial filósofo coube a tarefa de dar à teoria contratualista a sua máxima expressão. Natural de Genebra (1712-1778), destacou-se, dentre todos os teóricos do voluntarismo, pela profundidade da sua construção filosófica e pela amplitude da sua influência em todo o panorama do mundo moderno. Seus livros a respeito da formação e da fundamentação dos Estados — Discurso

sobre as causas da desigualdade entre os homens e Contrato social — tiveram a mais ampla

América, no século XVIII.

No seu Discurso desenvolve Rousseau a parte crítica e, no Contrato social, a parte dogmática. Este último, que representa, na expressão de Bergson, a mais poderosa das influências que jamais

se exerceram sobre o espírito humano , continua sendo objeto de discussões entre os mais altos

representantes do pensamento político universal, quer pelos seus erros que a evolução do mundo trouxe à tona, quer pelo seu conteúdo respeitável de verdades imperecíveis.

O Estado é convencional, afirmou Rousseau. Resulta da vontade geral, que é uma soma da vontade manifestada pela maioria dos indivíduos. A nação (povo organizado) é superior ao rei. Não há direito divino da Coroa, mas, sim, direito legal decorrente da soberania nacional. A soberania nacional é ilimitada, ilimitável, total e inconstrangível. O governo é instituído para promover o bem comum, e só é suportável enquanto justo. Não correspondendo ele com os anseios populares que determinaram a sua organização, o povo tem o direito de substituí-lo, refazendo o contrato... (sustenta, pois, o direito de revolução).

Sob o martelar constante dessas máximas que empolgaram a alma da humanidade sofredora, ruíram-se os alicerces da construção milenária do Estado teológico e desencadeou-se a revolução francesa contra a ordem precária do absolutismo monárquico.

No seu ponto de partida, a filosofia de Rousseau é diametralmente oposta à de Hobbes e Spinoza. Segundo a concepção destes, o estado natural primitivo era de guerra mútua: status hominum

naturalis bellum fuerit.

Para Rousseau o estado de natureza era de felicidade perfeita: o homem, em estado de natureza, é sadio, ágil e robusto. Encontra facilmente o pouco de que precisa. Os únicos bens que conhece são os alimentos, a mulher e o repouso. Os únicos males que teme são a dor e a fome (Discours sur

l’origine de l’inegalité parmi les hommes).

Entretanto, para sua felicidade, a princípio, e para sua desgraça, mais tarde, o homem adquiriu duas virtudes que o extremam dos outros animais e que, pouco a pouco, modificaram o seu estado primitivo: a primeira, a faculdade de aquiescer ou resistir; e a segunda, a faculdade de aperfeiçoar- se. Essas duas capacidades, auxiliadas por múltiplas circunstâncias fortuitas, sem as quais a humanidade teria ficado eternamente na sua condição primitiva, desenvolveram a inteligência, a linguagem, e todas as outras faculdades que os homens haviam recebido em potencial. Por outro lado, o surgimento da metalurgia e da agricultura veio engendrar a desigualdade. Os que acumulavam maiores posses passaram a dominar e submeter os mais pobres. A propriedade individual do solo, a riqueza, a miséria, as rivalidades, os sentimentos violentos, as usurpações dos ricos, os roubos dos pobres, desencadearam as paixões, abafaram a piedade e a justiça, tornando os homens avaros, licenciosos e perversos. Nesse período, que foi de transição do estado de natureza para a sociedade civil, os homens trataram de reunir suas forças, armando um poder supremo que a todos defenderia, mantendo o estado de coisas existente. Ao se associarem, porém, tinham necessidade de salvaguardar a liberdade, que é própria do homem e que, segundo o direito natural, é inalienável. O problema social consistia, assim, em encontrar uma forma de associação capaz de proporcionar os meios de defesa e proteção, com toda a força comum, às pessoas e aos seus bens, e pela qual cada um, unindo- se a todos, não tivesse de obedecer senão a si próprio, ficando tão livre como antes do pacto.

Esse convênio determinante da sociedade civil, isto é, esse contrato social, teria resultado, assim, das seguintes proposições essenciais: cada um põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral; e cada um, obedecendo a essa vontade geral, não obedece senão a

si mesmo. A liberdade consiste, em última análise, em trocar cada um a sua vontade particular pela sua vontade geral. Ser livre é obedecer ao corpo social, o que equivale a obedecer a si próprio. O homem transfere o seu eu para a unidade comum, passando a ser parte do todo coletivo, do corpo social, que é a soma de vontades da maioria dos homens. O povo, organizado em corpo social, passa a ser o soberano único, enquanto a lei é, na realidade, uma manifestação positiva da vontade geral.

Com essa volonté générale, eixo de toda a construção filosófica de Rousseau, confunde-se a soberania, que é inalienável, indivisível, infalível e absoluta.

Inalienável porque, se o corpo social cedesse a sua vontade, deixaria de ser soberano. A nação

não aliena, não transfere a sua vontade; apenas nomeia representantes, deputados, que devem ser denominados, mais exatamente, comissários, e devem executar a vontade nacional com mandato

imperativo, isto é, mandato válido enquanto o mandatário bem servir. Indivisível, porque a vontade é

geral ou não o é. Não sendo geral, a vontade é particular, e como vontade particular não pode obrigar a todos. Infalível, porque a vontade geral, por ser geral, encerra a verdade em si mesma. Absoluta, no sentido de que o corpo social não pode sujeitar-se à vontade particular no que tange às relações externas dos indivíduos em sociedade, nem à vontade de outras nações, embora deva respeitar e garantir os direitos naturais, personalíssimos, de cada um. Finalmente, por ser inalienável, indivisível, infalível e absoluta, a vontade geral é também sagrada e inviolável.

O Contrato social de Rousseau, embora inspirado em ideias democráticas, tem muito do absolutismo de Hobbes, diz Jacques Maritain, acrescentando que essa teoria “infundiu nas novas democracias uma noção antitética de soberania que veio abrir caminho para o Estado totalitário”.

O Prof. Ataliba Nogueira entende que a teoria de Rousseau reduziu o homem à condição de escravo da coletividade, justificando toda espécie de opressão.

Contestando essa teoria nos seus fundamentos, observa o Prof. Machado Paupério que, “ensinando Rousseau que o estado natural do homem era o de isolamento, imaginou-se, daí por diante, que a sociedade e o Estado eram artificiais, o que não é absolutamente verdadeiro”.

Mantendo-se rigorosamente dentro do terreno das abstrações racionalistas — escreveu Queiroz Lima —, a teoria de Rousseau mostrou bem cedo a inanidade do seu teorismo transcendente, servindo de alvo fácil às arremetidas do ecletismo oportunista e inconsequente.

O Prof. Duguit afirma que o pensamento de Rousseau inspirou a filosofia panteísta de Hegel, em que os juristas germânicos se abeberaram para a pregação da sua doutrina de absolutismo e violências.

Defensor brilhante da concepção aristotélico-tomista do Estado, acentua Alceu Amoroso Lima que a teoria do Contrato social é precursora da teoria do distrato social com que a revolução russa procura destruir violentamente a ordem burguesa e liberal, arrastando nas suas ondas os direitos da lei natural e da lei divina.

Essas e muitas outras críticas formuladas pelos pensadores modernos e pelos escritores positivistas, baseados em observações indutivas, ressalvam, entretanto, a importância transcendente da teoria contratualista como primeiro alicerce do Estado liberal. Foi ela a base filosófica da revolução francesa, que proclamou: os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos. O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais do homem.

A maior vulnerabilidade do contratualismo está no seu profundo conteúdo metafísico e deontológico. Sem dúvida, a falência do Estado liberal e individualista, que não pôde dar solução aos problemas desconcertantes manifestados pela evolução social a partir da segunda metade do

século XIX, trouxe à tona muitos erros dessa teoria. A estrutura mística revelou-se inadequada à solução dos problemas reais criados pela civilização industrial e muito bem retratados na famosa Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII.

Entretanto, encerra a teoria do Contrato social um conteúdo respeitável de verdades imperecíveis, que continuará dominando superiormente o pensamento democrático da atualidade e do futuro.

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JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO — IV

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 74-78)