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REAÇÃO ANTILIBERAL E ANTIMARXISTA

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 124-127)

1. O fascismo e sua doutrina. 2. Organização do Estado fascista. 3. O sistema corporativo.

1. O FASCISMO E SUA DOUTRINA

O fascismo italiano, depois do comunismo russo, foi a mais notável tentativa levada a efeito no sentido de reformar as bases do Estado moderno. Apresentou-se como um movimento de dupla reação: contra a desintegração socioeconômica do liberalismo decadente e contra a infiltração do comunismo internacionalista.

No campo da filosofia política situou-se numa posição intermediária, entre o coletivismo e o individualismo, formulando a concepção de que o Estado é união de grupos ou corporações.

Eminentemente nacionalista, apresentou-se com as características do velho cesarismo romano, sonhando com o restabelecimento das glórias do passado imperial. Mais radical do que o bonapartismo, amparou-se na teoria do poder absoluto, segundo a fórmula do Leviatã de Hobbes. Não obstante tivesse antecedido ao nazismo, abeberou-se na fonte da filosofia alemã para deduzir uma ideologia própria, um sistema político especialíssimo, e, sobretudo, uma teoria original de soberania e de justificação do Estado, que Mussolini e Rocco assim enunciaram: la dottrina fascista

nega il dogma della sovranitá populare, che é ogni giorno smentido della realtá, e proclama in sua vece il dogma della sovranitá dello Stato.

Embora surgisse do oportunismo, sem doutrina, o fascismo, depois de consolidado no poder, passou a teorizar um sistema peculiar: o Estado é criador exclusivo do direito e da moral; os homens não têm mais do que o direito que o Estado lhes concede; o Estado é personificado no partido fascista, e este não encontra limites morais ou materiais à sua autoridade; todos os cidadãos e seus bens lhe pertencem; os opositores são considerados como traidores e sujeitos à justiça que é controlada pelo órgão executivo.

A nação, segundo a Carta del Lavoro, de 1927, “é a unidade moral, política e econômica, que se realiza integralmente no Estado fascista”. E o Estado “é a unidade formada pela série infinita de gerações passadas, presentes e futuras, superando os indivíduos, com vida, fins e meios de ação, superiores, no poder e na duração, aos das pessoas que o compõem”.

Colocando-se, portanto, em posição diametralmente oposta à concepção liberal proclama Mussolini que a nação não é elemento integrante do Estado. Ao revés, é criada pelo Estado, cabendo a este dar ao povo, cons-ciente da sua unidade moral, uma vontade, consequentemente, uma existência efetiva. Nos termos da filosofia alemã hegeliana, afirmou que o Estado é o absoluto, diante do qual, indivíduos e grupos são o relativo. Daí a sua célebre divisa: Tudo dentro do Estado ,

nada fora do Estado, nada contra o Estado. A esse extremismo monista Pio XI deu a denominação

de estatolatria — endeusamento do Estado.

É evidente a afinidade entre o fascismo e a doutrina do famoso secretário florentino, exposta no livro O príncipe, tanto que o próprio Mussolini, escrevendo Prelúdios a Maquiavel, em 1924,

mencionou que na atualidade italiana o maquiavelismo estava mais vivo do que na época do seu aparecimento.

Na ordem econômica o fascismo condenou formalmente o liberalismo e o socialismo marxista. Pretendeu pôr fim à luta de classes pela organização sindicalista, agrupando nas mesmas

corporações todos os membros de cada ramo da produção, sem distinção entre patrões e operários.

Esse corporativismo mussoliniano lançava suas raízes nas antigas corporações medievais e seguia, particularmente, a teoria de Georges Sorel, de quem Mussolini se dizia discípulo. O sistema permitia um rígido controle partidário, pois as corporações funcionavam como órgãos do partido único e ninguém poderia exercer uma atividade qualquer sem prévia autorização corporativa. Entretanto, não correspondia a uma doutrina preestabelecida: o sistema corporativo fascista foi idealizado e posto em prática posteriormente, isto é, no período de adaptação e consolidação da ordem revolucionária.

O Partido Nacional Fascista, que uma vez vitorioso se tornaria partido único de estilo jacobino, estava organizado militarmente e contava com uma forte milícia de Camisas Negras. Foi quando Benito Mussolini, à frente dessa milícia, empreendeu a célebre marcha sobre Roma, em 1922. Reconhecendo a inutilidade de qualquer reação, o Rei entregou a Mussolini o leme do Estado, nomeando-o presidente do Conselho de Ministros.

O Partido que então assume o poder não é um órgão de representação política, mas depositário único da confiança nacional e o intérprete exclusivo da vontade do povo. É a própria nação italiana que se integra no Partido e se deixa dirigir pela vontade incontrastável do homem providencial. Por isso mesmo, o fascismo não admitia a existência de outros partidos e procurava impor a sua ideologia a qualquer preço. O Partido Nacional Fascista era ao mesmo tempo Estado, nação, governo e organização produtiva, como acentuou Olivetti. Ou, como no dizer de Agostinho Sisto, um Órgão

de educação e unificação política da nação, por isso, uma instituição integrativa da ação do Estado. Verdadeiro instituto de direito público.

2. ORGANIZAÇÃO DO ESTADO FASCISTA

Mantém o fascismo como órgãos constitucionais a Coroa, o Chefe do Governo, o Grande Conselho do Fascismo, o Senado, a Câmara e os Ministros.

A Câmara de representação nacional, que aceitara a nova ordem fascista, transforma-se em Câmara Corporativa, órgão técnico e consultivo, constituído de 400 membros eleitos pelas associações profissionais.

Toda a organização estatal, porém, se apoiava na milícia civil e voluntária, mantida pelo Partido, que lhe deu a denominação ORDEM pela lei de 9 de dezembro de 1928. Aliás, como cita Pedro Calmon, quando em 1924 se falou na Câmara sobre a conveniência de dissolver a milícia de

Camisas Negras, advertiu o Duce em tom enérgico: quem tocar nas milícias receberá chumbo.

No tocante ao Rei, agiu o fascismo com inteligência e perspicácia. Não convinha ao Partido, certamente, romper de pronto com as tradições monárquicas imanentes na consciência do povo. Por isso, a exemplo do Parlamento inglês que se harmonizou perfeitamente com a monarquia segundo o princípio de que o rei reina mas não governa , o Estado fascista manteve a Coroa como um símbolo, fato que lhe valeu, sem dúvida, o apoio da população italiana e lhe possibilitou a realização pacífica de uma notável obra social e econômica.

Em face dos conflitos entre o capital e o trabalho, conseguiu o Estado fascista, inegavelmente, estabelecer uma paz duradoura, lançando mão dos contratos coletivos de trabalho e de uma completa organização corporativa das categorias profissionais. Manteve a iniciativa privada e a livre concorrência, subordinadas, porém, aos superiores interesses sociais. O trabalho foi considerado como dever social. O direito de greve foi abolido, e considerado qualquer movimento paredista como crime contra a organização corporativa estatal. A liberdade do trabalhador — doutrina Chimienti — realiza-se de uma maneira certa e institucional na igualdade de todos os

trabalhadores perante a lei e na proteção e assistência social que o Estado lhes assegura.

A Carta do Trabalho, organizada pelo Grande Conselho do Fascismo, é o documento fundamental

do regime corporativo italiano, que estudaremos em outra parte do nosso programa. Desbravou esse documento básico do fascismo largos caminhos, pelos quais a humanidade procurou e vem procurando encontrar a solução dos seus problemas, tanto assim que serviu de modelo a muitos códigos trabalhistas de outros países.

Conquanto sejam realmente inegáveis as vantagens apresentadas pelo corporativismo orgânico, no campo da economia, certo é que o regime político fascista foi funesto como todas as ditaduras. De mãos dadas com as forças dominantes do capitalismo, entronizou a violência, internamente como método de governo, e, no plano internacional, como programa de conquista, arrastando o povo heróico da Itália a uma autêntica catástrofe nacional.

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No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 124-127)