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O ESTADO MEDIEVAL E SUAS CARACTERÍSTICAS

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 100-103)

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO —

1. O ESTADO MEDIEVAL E SUAS CARACTERÍSTICAS

1. O ESTADO MEDIEVAL E SUAS CARACTERÍSTICAS

O império romano foi o último dos grandes impérios da antiguidade. O seu desmoronamento, em consequência das invasões bárbaras, assinala o fim da idade antiga e o início da Idade Média.

Embora não haja termo inicial certo, é geralmente admitido que a Idade Média começa no século V da era cristã, a partir da queda do império romano no ocidente (ano de 476), e termina no século XV, com o descobrimento da América (ano de 1492). Depois do século XV começa a Renascença, com as grandes descobertas.

Com a decadência do império romano deu-se o eclipse do Estado na Europa ocidental. Os bárbaros, pelas suas invasões demolidoras, apagaram todo o esplendor do cesarismo e fizeram erguer sobre os escombros do paganismo dissoluto de Roma uma nova ordem estatal, segundo o estilo germânico-oriental.

Nessa nova ordem os costumes germânicos substituíram completamente as tradições romanas. Se alguma coisa sobreviveu ou ressurgiu da velha Roma, ostentando um caráter vigoroso de eternidade, foi o direito romano, não sem passar pelo crivo dos glosadores germânicos.

A noção de Estado, inclusive, desapareceu na voragem daquela violência arrasadora, para ressurgir depois, moldada em uma nova concepção de vida mais compatível com a dignidade humana. Efetivamente, possuíam os germânicos uma cultura política mais sadia, embora rudimentar, pois se baseava no respeito aos princípios de direito natural, na dignidade do homem, na liberdade individual, na inviolabilidade da família e no direito de livre associação. Os germânicos desconheciam o conceito de personalidade do Estado, e, assim, todas as situações eram encaradas e solucionadas como relações de ordem individual, no plano do direito natural.

Embora a princípio as hordas invasoras empregassem uma violência extremada, espoliando e massacrando as populações vencidas, inclusive no período de transição quando procuravam situar-se como exército de ocupação, é inegável que implantaram no ocidente o primado da lei e da razão, contribuindo assim para a nova configuração do Estado medieval.

O Estado medieval é uma afirmação solene da supremacia da lei, segundo a afirmação de Carlyle. Os usos e costumes foram as fontes principais do direito, em consonância com as regras superiores do direito natural, de fundo eminentemente cristão, prescrevendo como deveres do homem a união com Deus e a fraternidade com os seus semelhantes. O direito natural é a própria lei eterna, incontingente, imutável, que Deus inseriu na consciência de todos, tendo como preceito basilar que o homem não deve fazer aos outros o que não quer que lhe façam.

De conformidade com esse pensamento dominante, o Rei ou legislador na Idade Média, é antes de tudo um servo da lei. Não da lei como manifestação sobrenatural da vontade de Deus, nem como obra arbitrária da vontade humana, mas, sim, como obra integral da razão — sciencia rectrix de todas as ciências sociais. A Idade Média, aliás, não conheceu o absolutismo monárquico com as

características que assumiu essa forma de governo na renascença e no início da idade moderna. O absolutismo monárquico apareceu no declínio da civilização medieval.

Tal circunstância levou Montesquieu a considerar como originários das florestas da Germânia os germes das Constituições democráticas.

O Estado medieval caracteriza-se ainda pela confusão que se fazia entre os direitos público e privado. Dessa confusão resultava que o proprietário de terras se investia de direitos soberanos sobre todas as pessoas residentes nos seus domínios. O direito patrimonial das grandes famílias foi pouco a pouco assimilando o poder administrativo do Estado, surgindo daí uma entidade intermediária entre o Rei e o indivíduo: o feudo ou comuna.

Resumindo: são características fundamentais do Estado medieval: a) forma monárquica de governo; b) supremacia do direito natural; c) confusão entre os direitos público e privado; d) descentralização feudal; e) submissão do Estado ao poder espiritual representado pela Igreja romana. Passaremos a analisar o sistema feudal, deixando para o capítulo seguinte as relações entre o Estado medieval e a Igreja romana.

2. O FEUDALISMO

A descentralização feudal foi uma das mais notáveis características do Estado na Idade Média. Para alguns autores foi uma continuação da fase de desaparecimento ou quase desaparecimento do Estado. Quando assim não seja encarado, não resta dúvida que o feudalismo assinalou uma longa fase de acentuada decadência da organização política.

O Estado medieval, que se ergueu sobre os escombros das invasões bárbaras, como já foi dito, recebeu a influência preponderante dos costumes germânicos. As tradições romanas pouco ou nada influíram. Os reis bárbaros, francos, godos, lombardos e vândalos, uma vez completada a dominação dos vastos territórios que integravam a órbita de hegemonia do extinto império cesarista, passaram a distribuir cargos, vantagens e privilégios aos seus chefes guerreiros, resultando daí a fragmentação do poder. E como fossem imensos os territórios e impossível a manutenção da sua unidade sob um comando central único, criaram uma hierarquia imperial de condes, marqueses, barões e duques, os quais dominavam determinadas zonas territoriais, como concessionários do poder jurisdicional do Rei. Em compensação, tais concessionários se comprometiam a defender o território, prestar ajuda militar, pagar tributos e manter o princípio da fidelidade de todos os súditos ao Rei.

O senhor feudal era o proprietário exclusivo das terras, sendo todos os habitantes seus vassalos. Exercia o senhor feudal as atribuições de chefe de Estado, decretava e arrecadava tributos, administrava a justiça, expedia regulamentos e promovia a guerra. Era uma espécie de rei nos seus domínios. Seu reinado, porém, repousava sobre um conceito de direito privado, não de direito público. Desse fato resultaram anomalias tais como a jurisdição privada, a cunhagem privada, a guerra privada etc.

A posse das terras era vitalícia e hereditária, operando-se a sucessão causa mortis pelo direito de primogenitura: a senhoria feudal passava automaticamente ao mais velho herdeiro varão do feudatário falecido. Idêntica era a instituição do morgadio no direito português.

O regime feudal generalizou-se inclusive entre o Clero, o qual, pelos seus altos dignatários, adquiria vastos latifúndios, adotando idêntica ordem hierárquica e instituindo o sistema dominial como condição de vida.

A crescente multiplicação dos feudos, a reação das populações escravizadas, o desenvolvimento da indústria e do comércio e as pregações das novas ideias racionalistas minaram os alicerces e abriram profundas brechas na estrutura da velha construção feudal, dando lugar ao surgimento das na- cionalidades e à restauração do Estado sobre a base do direito público.

As próprias populações sacrificadas por aquele longo regime de vassalagem procuraram refúgio na unidade do Estado, na centralização do poder e no fortalecimento do governo.

Suprimidas as autonomias feudais, no fim da Idade Média, iniciou-se uma nova fase de grandeza do Estado monárquico, sob a forma absolutista.

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EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO ESTADO — V

No documento SAHID MALUF - Teoria Geral Do Estado (2013) (páginas 100-103)