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Discurso da Coroa e Resposta ao mesmo

4. C AMINHOS DE FERRO NOS DEBATES PARLAMENTARES

4.1. Primeira metade do século

4.2.2. O Governo do Marquês de Loulé

4.2.2.3. Discurso da Coroa e Resposta ao mesmo

Na primeira sessão da nova Câmara, o Rei D. Pedro V faria o discurso da praxe. Neste monólogo, destaca-se a pouca importância dada à abertura do caminho-de-ferro em Outubro de 1856. O Rei limitava-se a um lacónico “em outubro abriu-se á circulação publica a secção da via ferrea de leste, de Lisboa ao Carregado, e prossegue-se na sua continuação até Santarem”174. Mais importância dava o Bem-Amado à necessidade de continuação do desenvolvimento das comunicações para aproximar Portugal da Europa civilisada e fomentar o comércio interno. Curiosamente, o Rei mostrava uma preocupação que raramente havia sido manifestada pelos deputados: a necessidade de construção de estradas ordinárias para dar um maior movimento aos caminhos-de-ferro.

168 Diario da Camara dos Deputados, 8 de Julho de 1856, Acta n.º 7, p. 93. Fontes Pereira de Melo contestaria esta posi- ção de confiança de Ávila face à esta medida do ministério, que em pouco diferia daquela que ele próprio tomara enquanto parte do Governo. No entanto, mostrava-se convicto em apoiar todas as medidas governamentais. Não era ainda a altura de questionar o Governo sobre de que modo seriam diferentes os métodos usados pelo novo Governo em relação ao antecedente. 169 Que alertava, contudo, para o perigo de se contrair empréstimos sem garantir receitas (impostos) para o pagamento dos juros.

170 Previa a atribuição de 500 contos ao caminho-de-ferro. O projecto de lei n.º 125 de 17 de Julho explicitaria a aplica- ção: seriam adiantados à Peninsular 459 contos sobre a hipoteca das 5 104 acções que ficaram por passar para que a empresa pudesse continuar os trabalhos (sendo prorrogado o prazo até Setembro de 1857). Era tido como a melhor maneira de o Estado adquirir a linha e se desembaraçar dos estorvos para depois a vender e continuar o caminho-de-ferro até ao Porto e até Espanha. Seria aprovado sem discussão.

171 Ver Anexo IV e Capítulo 1. 172

Ver Anexos VI e VII e Capítulo 1.

173 Sardica – A Regeneração sob o signo…, p. 220. 174

Caminhos-de-ferro nos Debates Parlamentares (1845-1860) Hugo José Silveira da Silva Pereira

A proposta de Resposta ao Discurso da Coroa175 subscrevia as conclusões do Rei, nomeadamente a continuação da construção das linhas de Leste e do Norte (esta linha seria muito elogiada ao longo da discussão, sobretudo por permitir um maior aproveitamento do pinhal de Leiria e por minorar as más condições da barra do Douro, uma vez que as mercadorias poderiam ser trazidas por mar a Lisboa e depois reencaminhadas para o Porto pelo caminho-de-ferro) e de estradas que as alimentassem. De igual modo, dava pouca importância ao acontecimento de 28 de Outubro de 1856, sobretudo em com- paração com outros parágrafos e matérias da resposta. Depois de tantos elogios e vantagens atribuídas ao caminho-de-ferro, a inauguração da primeira via-férrea mais não merecia do que um: “avalia como lhe cumpre a abertura à circulação pública da primeira secção do caminho de ferro de Lisboa ao Carregado”176. Teria a nova Câmara perdido a esperança nos caminhos-de-ferro? A resposta a esta pergunta, como veremos, seria negativa.

Esta era a altura para a oposição questionar o Governo sobre os métodos financeiros que este pretendia utilizar para desenvolver a política de obras públicas. E Fontes não se fez rogado, censu- rando o Governo por não ter conseguido contrair o empréstimo de 1 500 contos (aprovado unanime- mente logo após a entrada em cena do Marquês de Loulé) ao colocá-lo em concurso público (o que ele não fizera enquanto Ministro da Fazenda) e ter de recorrer ao Banco de Portugal em condições menos vantajosas (algo que o Governo rejeitava). Além disso recorrera a um adiantamento das receitas (atra- vés de um empréstimo) para ressarcir despesas correntes. De igual modo questionava o Governo sobre a forma como pretendia continuar os caminhos-de-ferro de Leste e do Norte (sobretudo este último, uma vez que as somas do Fundo de Amortização haviam sido destinadas pelo Governo ao pagamento de despesas gerais do Estado): por conta do Estado? Por subsídio quilométrico? Garantia de juro? E com ou sem concorrência? Naturalmente combatia o que entendia ser o desprezo a que era votada a inauguração do caminho-de-ferro (esse grande elemento de riqueza segundo o Barão das Lajes) na Resposta à Coroa e pedia “uma phrase de satisfação, a proposito de um acontecimento que não dever ser indifferente para os representantes da nação”177, malgrado os defeitos, inconvenientes ou atrasos da obra. Carlos Bento (relator da Comissão de Resposta à Coroa), ironicamente, diria que aceitaria a emenda de Fontes, caso mencionasse aqueles defeitos e atrasos (mais tarde aludiria também à reduzida obra de Fontes em cinco anos de governação). Mais circunspectamente diria que não podia aceitar a emenda por ser a “apologia completa de um systema que em todas as suas partes eu não posso acei- tar”178. O novo Governo pretendia mostrar a sua demarcação em relação ao Governo anterior e usava o caminho-de-ferro como meio para esse fim. Esse mesmo era o objectivo do Conde de Samodães ao criticar abertamente os actos do Governo anterior e apontar o facto de este não ter aproveitado o clima de paz e confiança que se havia gerado no País para fazer mais que abrir uns quilómetros de caminho- de-ferro e uma léguas de estrada que não correspondiam aos encargos que com eles o Reino havia suportado. O Barão de Almeirim voltava a criticar a precipitação que caracterizara o Governo do Duque de Saldanha. Os deputados agora na oposição recusavam as acusações e acusavam o ministério de não divulgar em que moldes os meios que propunha eram diferentes dos do Governo antecedente; elogiavam o método seguido, a sua coragem em lançar impostos para desenvolver o País e anuncia- vam o seu antagonismo a uma estratégia exclusivamente baseada em economias e em pequenos expe- dientes e que recusasse que os beneficiários dos melhoramentos materiais não contribuíssem para isso. Ao mesmo tempo, negavam ao Governo o direito de se apropriar das suas próprias ideias, pois, como dizia Nogueira Soares, não era legítimo aos homens defenderem uma política enquanto deputados e depois defenderem a dos seus opositores quando nas cadeiras de ministros. O Governo, por seu lado, rejeitava, também ele, esta oposição, dizendo que não era contra o lançamento de impostos tout court, mas contra o lançamento de impostos em anos de “esterilidade geral” e quando outros impostos ainda estavam por colectar, numa nação “pequena, pobre e com recursos limitados” que dificilmente supor- taria “operações ruidosas (sic)”179. Além do mais, só se deveria recorrer ao imposto depois de esgota- das as hipóteses de economias. Rebelo da Silva defendia também a nova posição dos antigos oposicio- nistas segundo a qual a política de melhoramentos morais e materiais era política de todo e qualquer governo e não exclusivo de um ou de outro. A diferença residia no facto de que a situação do País na altura era mais desafogada (desde 1834), pelo que se podia recorrer ao aumento do imposto – “mas,

175 Faziam parte da Comissão: António Luís de Seabra e Sousa, Vicente Ferrer, Carlos Bento, Ávila, Rebelo da Silva e Tomás de Carvalho, o que constituía uma maioria claramente cartista.

176 Diario da Camara dos Deputados, 2 de Janeiro de 1857, Acta n.º 1, p. 4. 177

Diario da Camara dos Deputados, 4 de Fevereiro de 1857, Acta n.º 2, p. 23. 178 Diario da Camara dos Deputados, 5 de Fevereiro de 1857, Acta n.º 3, p. 36. 179

porque não se votaram os emprestimos e impostos do plano do gabinete passado, segue-se que se condemnaram os tributos e os emprestimos? Não, mil vezes não! São pontos de confiança. São casos de necessidade. Concedem-se ou recusam-se, conforme as tendencias do poder, as garantias de fisca- lisação e as probabilidades de rigorosa aplicação”180 – tanto mais que fazer economias à custa dos cortes salariais era um absurdo, dada a alta do custo de vida. As economias deviam fazer-se pela reor- ganização dos serviços, como se fazia no estrangeiro. Em resumo, este Governo ia fiscalizar e aplicar o produto dos empréstimos, ao contrário do anterior, relembrando como a contribuição directa de Costa Cabral fora rejeitada pelo povo em 1845, mas abraçada pela Regeneração em 1851! Por fim, apelava a que não se perdesse tempo em discussões estéreis sobre a paternidade dos modelos de governação.

Um outro deputado – Abílio Costa – também questionaria o Governo sobre a contribuição que seria pedida aos portugueses para a estratégia dos melhoramentos materiais, pois não achava justo que alguns portugueses contribuíssem para algo de que não tiravam proveito (algo que já não aconteciam em França e Espanha, onde só contribuíam para os caminhos-de-ferro as localidades realmente por ele servidas). Também alertava para a necessidade de construção de estradas de acesso (quer aos cami- nhos-de-ferro, quer as estradas nacionais) e de aproveitamento das vias fluviais. A questão da necessi- dade de estradas de acesso parece ter entrado nas preocupações dos deputados com o discurso do Rei, como o prova o projecto de lei apresentado em 6 de Fevereiro de 1857 para o desenvolvimento da construção de estradas municipais apresentado por Antonino Vidal. Destaque ainda para as dúvidas de Rebelo Carvalho sobre a continuação do caminho-de-ferro do lado de Espanha, quando o Governo vizinho se preparava para construir dois caminhos-de-ferro em direcção a dois importantes portos: Vigo e Cádis. Dúvidas que aparentemente também eram partilhadas pelo Governo que brevemente abandonaria a ideia da Linha de Leste em benefício da Linha do Norte.