• Nenhum resultado encontrado

O Governo de Loulé e as estradas

4. C AMINHOS DE FERRO NOS DEBATES PARLAMENTARES

4.1. Primeira metade do século

4.2.4. Caminhos-de-ferro e estradas

4.2.4.2. O Governo de Loulé e as estradas

Como vimos atrás, uma das primeiras medidas do novo Governo do Marquês de Loulé foi dotar- -se de meios financeiros para continuar as obras públicas no Reino. Segundo o projecto de lei n.º 124 (que fazia a distribuição da verba), 500 contos eram dirigidos à continuação do Caminho-de-ferro de Leste, sendo os restantes 1 000 aplicados a estradas. Destas, o inteiro destaque vai para a de Coimbra – – Porto (continuando a iniciada no Carregado), pela qual a oposição tanto tinha lutado durante o governo regenerador e por o Governo de então assumir que ainda não era sua intenção iniciar a Linha do Norte. Assim, parece plausível, perante as propostas do Governo e da Comissão, que o objectivo da construção de estradas transversais no Norte361 seria ligar as povoações do interior àquela estrada, mais do que pensar numa futura combinação com a Linha do Norte.

Mais a Sul, as propostas para estradas complementares coexistiam com as estradas paralelas: se se propunham estradas entre o Carregado e Caldas da Rainha, as Vendas Novas e a fronteira362, Portale- gre e Estremoz ou Castelo Branco e Abrantes (possível ponto de passagem da Linha de Leste, tal como Portalegre), não se deixava de propor a construção ou reparação de ligações entre Lisboa e Lou- res, Santarém e Torres Novas (cobrindo distâncias superiores a uma ligação mais directa ao caminho- de-ferro), Lisboa e Sacavém, Lisboa e Sintra ou Aldeia Galega e as Vendas Novas (as duas últimas numa clara duplicação de vias). Assim, parece que o Governo dava os primeiros passos numa nova política que pretendia dar mais atenção às ligações rodo-ferroviárias, indo de encontro às ideias expressas pelo próprio Rei no Discurso da Coroa seguinte (1857) de construção de estradas ordinárias que servissem os caminhos-de-ferro previstos. Contudo, alguns deputados continuava a sugerir estra- das que podiam tornar-se obsoletas ou que podiam concorrer com outras estradas já construídas363.

Em 25 de Junho de 1857, entra em discussão um projecto de lei (n.º 165) sobre estradas. Na sua apresentação, a Comissão de Obras Públicas lamenta a inexistência de um plano geral de comunica- ções que conjugasse estradas, rios e caminhos-de-ferro, malgrado duas propostas terem sido apresen- tadas, mas não discutidas (vide supra). O deputado Sá Nogueira, por seu lado, propunha que as somas para as estradas fossem centralizadas em alguns distritos364 ou em torno de caminhos-de-ferro, facili- tando assim a sua construção, em vez de as distribuir por todas as regiões por igual. O próprio projecto já previa fazer algo em termos de estradas de acesso: a estrada entre o Cercal e a Azambuja (em breve servida de caminho-de-ferro365), Albergaria e Aveiro, Portalegre a Abrantes e Estremoz366 e Castelo Branco e Abrantes367 combinavam os dois tipos de viação. No entanto, outras estradas propostas pode- riam concorrer com a via-férrea368: Porto a Ovar por Santa Maria da Feira, Avelãs e Aveiro, Barquinha a Tomar, Santarém a Torres Novas, Alcácer do Sal a Beja ou Évora a Montemor-o-Novo corriam o perigo de se tornar obsoletas assim que o caminho-de-ferro que servisse aquelas áreas entrasse em funcionamento369. Uma no cravo, outra na ferradura, poder-se-ia dizer da política do Governo. Os lamentos iniciais da Comissão tinham bem razão de ser: o Conde de Samodães (membro da Comissão de Obras Públicas e apoiante do Governo) lembrava como a directriz do caminho-de-ferro ainda não estava definida, pelo que as estradas aparentemente concorrentes não o seriam (mesmo assim, argu-

361 Aveiro a Albergaria ou Viseu a Coimbra. Outras propostas seriam mesmo concorrentes à própria estrada Coimbra – – Porto: Mogofores a Aveiro, Aveiro a Avelãs, Porto a Grijó, Grijó a Mogofores e Mogofores a Coimbra (estas três últimas propostas pelo Governo, mas rejeitadas pela Comissão)

362

Nesta direcção também se propunham ligações entre Évora e Montemor e Beja e Alcácer, o que prova que no ime- diato o prolongamento da Linha do Sul não estava nas intenções dos governantes.

363

D. Rodrigo de Meneses e Barros de Sá pretendiam uma estrada entre Leiria e a Barquinha, apesar de Leiria já estar ligada ao Carregado. Velez Caldeira pedia uma estrada entre Abrantes e Alter do Chão, paralela à directriz de Watier para a Linha de Leste. Contudo, propunha uma ligação entre Setúbal (para onde esta prevista uma ligação ferroviária) e Alcácer do Sal.

364

No Douro e no Minho a abundância de estradas dava a entender que a construção de caminhos-de-ferro naquela região ainda não estava bem presente no pensamento dos governantes portugueses.

365 No mês seguinte chegava àquela cidade.

366 Abrantes era um possível ponto de passagem da Linha de Leste. Estremoz, ao se ligar a Portalegre, ficava também ligada à mesma linha (ver Anexos XIII, XIV e XV).

367

Curiosamente, o Miguel Osório afirmava que era mais importante uma estrada entre Castelo Branco e o Tejo do que até ao futuro caminho-de-ferro.

368

Como vimos, a directriz da Linha do Norte não estava ainda definida e em breve se discutiria o prolongamento da Linha do Barreiro a Évora e Beja.

369

Há uma outra hipótese: a de não ser intenção do Governo continuar a curto prazo as linhas de Leste e do Sul. Deste modo se justificava a construção daquelas duas últimas estradas, mantendo-se, deste modo, fiel às críticas que lançara ao executivo anterior a propósito da Linha do Norte e da estrada no mesmo sentido.

Caminhos-de-ferro nos Debates Parlamentares (1845-1860) Hugo José Silveira da Silva Pereira

mentava que essas estradas não deixariam de colocar em comunicação certas localidades com o cami- nho-de-ferro – mais uma vez uma no cravo, outra na ferradura).

A isto se juntavam os interesses locais dos deputados eleitos por regiões com maiores dificulda- des de comunicação. Os deputados Barros de Sá, Maximiano Osório370 e Pais e Figueiredo apelavam à construção de estradas em regiões carentes em comunicações, aproximando-as do caminho-de-ferro. Deste modo, criticavam e propunham a eliminação de comunicações no distrito de Aveiro (apesar de ainda não se saber a directriz da Linha do Norte) e no Alentejo (que já tinha a Linha do Sul e decerto teria também a Linha de Leste). Já outros não se coibiam de propor estradas paralelas ao futuro Cami- nho-de-ferro do Norte. Foi o caso de D. António da Costa (deputado pela Lousã) e da sua proposta para construção de uma estrada entre Tomar e Coimbra ou de Rodrigues Carneiro e sua estrada de Torres Vedras às Caldas da Rainha (no caso de a linha seguir por esta zona). Outras vezes, os interes- ses de campanário eram coincidentes com o interesse de ligar as povoações aos caminhos-de-ferro por estradas. Exemplo disso é a proposta dos deputados por Leiria, Sepúlveda Teixeira e o próprio Rodrigues Carneiro, para a construção de uma estrada entre Leiria e Ourém, Leiria e Figueiró dos Vinhos (serviam aquela zona independentemente de o caminho-de-ferro passar por Tomar ou Leiria), Alfeizerão a S. Martinho do Porto (no caso de a Linha do Norte seguir uma directriz mais próxima ao litoral), Rio Maior ao caminho-de-ferro371 ou Arruda dos Vinhos a Torres Vedras. A Comissão só atenderia a terceira proposta. Também Garcia Peres (deputado por Setúbal) proporia uma estrada entre Setúbal (um dos pontos que o Caminho-de-ferro do Sul devia ligar) e Azeitão. Já José Maria Abreu (deputado por Coimbra) propunha uma estrada entre Porto de Raiva (na margem do Mondego) e Coimbra.

No entanto, grande parte da pertinência destas propostas dependia da directriz a seguir pelo cami- nho-de-ferro, algo que era apontado por Tomás de Carvalho. O cartista acusava a demagogia destas propostas perante a ausência de estudos e de um plano geral de comunicações. Já Estêvão continuava a refutar a necessidade de estradas face às vantagens do caminho-de-ferro. Este deputado considerava a construção de estradas um erro, um desperdício e uma mera forma de entreter os eleitores. Por isso sugeria que a estrada de Coimbra ao Porto fosse transformada em caminho-de-ferro, o que, na sua opinião, apenas custaria mais dois contos por quilómetro! Esta doutrina – de construir estradas prepa- radas para suportar carris – seria outras vezes sugerida por Estêvão, que chegou a contar com o apoio de Serpa Pimentel.

Numa tabela saída no Diario do Governo de 14 de Julho de 1858, a necessidade sentida pelo ministério (entretanto demitido) de construir ramais rodoviários de acesso às linhas-férreas (previstas e em exploração) mantinha-se, todavia a par destas também seriam propostas estradas que poderiam concorrer com o caminho-de-ferro (além das estradas em províncias que não seriam dotadas de carris no imediato). Estão no primeiro caso as estradas Aveiro – Gafanha, Aveiro – Avelãs, Mealhada – – Buçaco, Castelo Branco – Vila Velha de Ródão, Carregado – Caldas, Alhandra – Torres Vedras, Azambuja – Peniche, Évora – Alcáçovas, Portalegre – Estremoz e Beja – Alcácer; e no segundo caso as estradas Coimbra – Redinha, Caldas da Rainha – Redinha, Santarém – Torres Novas, Santarém – – Ponte de Asseca, Pernes – Torres Novas – Barquinha, Tomar – Barquinha, Tomar – Coimbra, Lisboa – Carregado, Aldeia Galega – Vendas Novas – fronteira, Évora – Montemor e Portalegre – – Abrantes.

Assim, apesar de se tornar notório (em relação às legislaturas de 1851-1856) que a relação entre estrada e caminho-de-ferro se tinha alterado e que os governantes assumiram a necessidade de cons- truir estradas de acesso para alimentar os caminhos-de-ferro já construídos ou em planeamento, nota- se também que se realizavam muitos investimentos em estradas que poderiam vir a tornar-se obsoletas quando o caminho-de-ferro entrasse em operação. Trata-se de uma situação que revela a ausência de um pensamento geral sobre os transportes em Portugal e a falta de coragem em o impor, a submissão a interesses locais, a indefinição em relação às directrizes que se pretendiam conferir aos caminhos-de- ferro em Portugal e também o atraso em que estes se encontravam (que levava à necessidade de cons- truir comunicações a curto prazo).

370

Este em nome de Aristides Ribeiro Abranches, António Girão e Joaquim Pinto de Magalhães e Sousa Gião. Todos eles deputados eleitos por outras zonas do País.

371