• Nenhum resultado encontrado

3. H ISTÓRIA DOS C AMINHOS DE FERRO EM P ORTUGAL

3.3. Os caminhos-de-ferro

3.3.2. Linhas a Sul do Tejo

O Alentejo foi uma das primeiras regiões que se julgava ser necessário dotar de caminhos-de- -ferro. A ideia da construção de um caminho-de-ferro na margem Sul do Tejo que atravessasse o Alentejo, servindo a cidade de Évora, remonta aos anos de 1840, portanto ainda antes da Regeneração e da constituição do Ministério das Obras Públicas69. No entanto, só em meados da década seguinte essa directriz seria estudada e realizada. Nesta altura, o Alentejo era encarado como o celeiro de Lis- boa e do País, uma região muito fértil e produtiva cujo principal obstáculo ao pleno desenvolvimento era precisamente a falta de transportes de qualidade. Por outro lado, estava dividido por vários pro- prietários (deputados ou Pares) que tinham beneficiado da desamortização das terras para as adquirir e desenvolver e que agora necessitavam de vias de comunicação rápidas até Lisboa.

3.3.2.1. A Companhia dos Caminhos de Ferro ao Sul do Tejo

A construção de caminhos-de-ferro a Sul do Tejo era desejada pelo Governo há já algum tempo, tanto mais que a construção da Linha de Leste decorria lentamente e era mais cara que a construção de uma via-férrea pelas planícies do Alentejo, que até poderia ligar mais rapidamente Lisboa a Espanha.

No entanto, só em 1854 surgia uma proposta para levar a cabo este empreendimento. Nesse ano, os Pares do Reino Marquês de Ficalho70 e José Maria Eugénio de Almeida71, como representantes de

67 O contrato previa que as directrizes seguidas fossem as propostas por Watier (Anexo XV), com prioridade atribuída à Linha de Leste (deveria estar terminada em três anos e meio; a do Norte em quatro – três anos para chegar a Gaia e mais um para chegar ao Porto). O Estado atribuía ao empreiteiro um subsídio quilométrico de 20:250$000 e 24:300$000 para a Linha de Leste e do Norte, respectivamente. Era ainda concedida a isenção de direitos alfandegários e impostos municipais e gerais durante 20 anos. A exploração era concedida por 99 anos, findos os quais as linhas voltavam para a posse do Estado. Contudo ficava previsto o resgate das linhas, mediante indemnização, quinze anos após o prazo para a conclusão das obras. Salamanca teria de comprar os trabalhos já realizados (por 612 000 libras, ou seja, nove mil libras por cada um dos 68 quilómetros; mais uma vez, o Estado ficava a perder, tendo em conta a soma que pagara a Peto a título de indemnização) e alargar a bitola de 1,44 m para a bitola espanhola de 1,67 m. Ficava também estipulada a construção de uma estação em Lisboa e a duplicação da via assim que as receitas de ambas as linhas chegassem a determinado patamar. Este contrato seria a base dos estatutos da futura Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses. O contrato apresentava-se muito descritivo. As más experiências anteriores assim o determinavam.

68

Para a directriz do caminho-de-ferro, consultar Anexo XIX. 69 Ver Anexo XII.

70

António José de Melo Breyner Teles da Silva.

71 Antigo director da Companhia das Obras Públicas de Portugal, argentário e deputado de Costa Cabral, que em 1849 afirmara que um país sem vias de comunicação era um país selvagem. Em 1851, não hesitara em aderir aos princípios da

uma companhia, propõem a construção de uma via-férrea sobre vigas longitudinais de madeira entre Aldeia Galega e as Vendas Novas, pedindo um subsídio de 8:000$000 por cada quilómetro, a cessão gratuita dos terrenos, o corte e transporte pelo Estado dos pinheiros necessários à construção e o direito de exploração por 99 anos. Em 19 de Abril desse ano, o Conselho de Obras Públicas emite a sua opinião sobre a proposta, lembrando a conveniência de que a linha comece no Barreiro e toque um porto do Sado antes de chegar às Vendas Novas. Acto contínuo, Fontes Pereira de Melo, Ministro das Obras Públicas, apresenta à Câmara dos Deputados uma proposta de lei e de contrato para esse pro- jecto. O objectivo era ligar a região de Lisboa à fronteira por caminho-de-ferro (entre Aldeia Galega e as Vendas Novas) e estrada (até Espanha). Fundamentava-se a proposta com o alto custo que uma estrada naquele local podia atingir (discutível como o próprio Fontes admite, dada a pouca experiência dos governantes portugueses neste tipo de empreendimentos) e o interesse em servir uma região pouco povoada. MARIA FERNANDA ALEGRIA sugere que esta proposta satisfazia os interesses dos grandes proprietários alentejanos, como o eram os proponentes (apesar de serem apenas representantes de uma companhia cuja nacionalidade se desconhece). Na década de 1870, afirmava-se que a única vantagem deste caminho-de-ferro era permitir aos grandes proprietários alentejanos viajarem mais comodamente para Lisboa72. Assim, aqueles homens mais não tinham feito que aproveitar-se da sua situação privile- giada junto do poder para fazer valer as suas pretensões.

A maioria conheceria a proposta em 24 de Julho de 1854, que seria transformada em projecto de lei cinco dias depois, com algumas alterações à proposta inicial, nomeadamente o preço da subvenção quilométrica ficar dependente de licitação em concurso público73 (que duraria dois meses) e conceder- -se ao vencedor do concurso o direito por dois anos após a chegada do caminhos-de-ferro às Vendas Novas de construir as linhas até Setúbal, Évora e Beja ou a qualquer um destes três pontos (apesar de o Conselho de Obras Pública se opor a esta atribuição sem concurso). Acreditava-se ainda que um cami- nho-de-ferro construído por uma empresa privada implicaria uma importância muito menor que se construída pelo Estado. Também se propunha que o ponto de início da linha se pudesse alterar para o Barreiro (por pedido da companhia que viria a ganhar o concurso que se apercebera da enorme des- pesa que seria necessário realizar para levar o caminho-de-ferro a Aldeia Galega) e que a linha che- gasse ao Sado, por o Conselho de Obras Públicas considerar que deste modo se serviriam os interesses comerciais e agrícolas da região e se ligaria o Tejo ao Sado. Quanto às condições técnicas da obra, seguiriam genericamente as da Linha de Leste, vincando o Conselho de Obras Públicas a necessidade de fiscalização por parte do Estado. O Governo era também autorizado a retirar títulos da dívida interna do fundo destinado ao Caminho-de-ferro do Norte, conquanto essa quantia fosse depois reposta e substituída por outros títulos de dívida. O Conselho de Obras Públicas opunha-se também a ser one- rado o Estado com o transporte de madeira até à Margem Sul.

A carta de lei de 7 de Agosto de 1854 tornava definitivo o contrato. Em 26 de Agosto de 1854 era aberto o concurso para atribuição do contrato, ao qual concorriam Tomás da Costa Ramos, o francês Marcelin, o Marquês de Niza e um engenheiro da Central Peninsular. Em 6 de Dezembro de 1854, a concessão é atribuída a uma sociedade de brasileiros composta por Tomás da Costa Ramos, João Pedro da Costa Coimbra, Francisco Melo de Soares Freitas, Jorge Gonçalves Franco e António Gomes Brandão. O Governo garantia uma subvenção de 7:900$000 por cada quilómetro da via construída numa bitola de 1,44 m. Em Fevereiro do ano seguinte, os candidatos vencedores constituíam a Com- panhia dos Caminhos de Ferro ao Sul do Tejo com um capital de 311 111 libras divididas em 14 000 acções de 22 libras cada. Por lei de 30 de Abril de 1855 o Governo era autorizado a emitir títulos de dívida interna no total de 1.280:000$000 para pagamento do subsídio.

Os trabalhos iniciaram-se e prosseguiram muito lentamente, de tal modo que só em Junho de 1858 estariam concluídos os primeiros 50 quilómetros de linha (até Bombel), faltando ainda cinco quilómetros para se chegar às Vendas Novas. Quando o caminho-de-ferro efectivamente chegou às Vendas Novas, a Companhia não tinha fundos suficientes para continuar a linha até Évora e Beja, o que não era surpreendente dadas as fracas receitas da linha. As condições de trabalho, a natureza do

Regeneração (e do Partido Regenerador), apesar de ter sido um dos maiores apoiantes do Conde de Tomar. Em 1854 orde- nara a um seu agente que engajasse trabalhadores minhotos e galegos para uma grande exploração agrícola que pretendia instalar no Algarve em terrenos adquiridos na desamortização de 1847 (História económica de Portugal). A partir da segunda metade da década de 1855, começa a investir em propriedades no Alentejo. Anos antes instalara uma fábrica de moagem de cereal em Lisboa. Estaria a proposta de construção de um caminho-de-ferro no Alentejo relacionada com estes factos?

72

Para ambas as situações, cf. Alegria – A organização dos transportes…, pp. 259-261.

73 O Conselho de Obras Pública admitia falta de conhecimento para poder atribuir um valor justo ao subsídio qui- lométrico, mas admitia também que tal pecha seria ultrapassada pelo concurso público.

Caminhos-de-ferro nos Debates Parlamentares (1845-1860) Hugo José Silveira da Silva Pereira

serviço, o facto de o Alentejo produzir apenas trigo e a fraca densidade populacional da zona fizeram deste caminho-de-ferro um empreendimento pouco lucrativo. O Conselho das Obras Públicas admiti- ria ainda em 1858 que das linhas no Alentejo o País não retiraria grandes benefícios.

3.3.2.2. A South Eastern of Portugal Railway Company

No entanto, continuava-se a defender o prolongamento da linha até Évora e Beja. Sousa Brandão é incumbido da tarefa de fazer os estudos necessários para determinar a orientação da linha. Em Agosto de 1858, o Governo apresenta à Câmara uma proposta de lei para prolongamento da linha- -férrea até Évora e Beja, que mantinha as condições do contrato efectuado com a Companhia dos Caminhos de Ferro ao Sul do Tejo e oferecia um subsídio quilométrico de 12:000$000, à qual o Con- selho de Obras Públicas dá parecer favorável. Em 8 de Julho de 1859 é aberto o concurso (que con- tudo previa uma bitola diferente da linha até às Vendas Novas: 1,67 m!), mas não aparece nenhuma candidatura.

Em Janeiro de 1860, é recebida uma proposta de John Sutherland Valentine (antigo engenheiro da Central Peninsular), representando um grupo de ingleses composto por Charles Edward Mangles, John Chapman, Robert Russel Notman, Hardy Hislop e George Bernard Townsend, para a construção e exploração da linha das Vendas Novas a Évora e Beja, em condições semelhantes às do contrato Salamanca. Em 3 de Janeiro, é assinado o contrato provisório com aquele grupo e em 19 de Maio de 1860, o definitivo74. Os britânicos ganhariam assim a concessão para construir aquele caminho-de- -ferro, com um subsídio de 16:000$000 por quilómetro. Mais tarde, os concessionários transferiam os seus direitos para a companhia South Eastern of Portugal Railway Company75 (empresa que se popu- larizou como Companhia Inglesa), constituída em Londres em Junho de 1860, tornando-se seus directores. Edward Price (construtor do caminho-de-ferro de Esmirna a Cassaba) era escolhido para o cargo de construtor. A construção começou dentro do prazo previsto (até Agosto de 1860, sob pena de cancelamento da concessão e perda do depósito de 67 000 libras), mas avançou lentamente, devido às negociações para expropriação de terrenos, atrasos nos pagamentos dos accionistas e Invernos rigoro- sos.