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Os últimos meses do Governo regenerador

4. C AMINHOS DE FERRO NOS DEBATES PARLAMENTARES

4.1. Primeira metade do século

4.2.1. O primeiro Governo regenerador

4.2.1.4. Os últimos meses do Governo regenerador

No último ano dos regeneradores no poder, e passados todos os incidentes no sector ferroviário108, o entusiasmo com a questão tinha-se esmorecido, sobretudo por ter passado o prazo para o fim das obras na Linha de Leste, a grande aposta do Governo. De tal forma que na proposta de Discurso de

104 Diario da Camara dos Deputados, 25 de Junho de 1855, Acta n.º 18, p. 298. Pela primeira vez, o turismo era usado como argumento justificativo de um caminho-de-ferro (à semelhança do que se fazia em outros países. Cf. Nicholas Faith – – The World the Railways Made).

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A autarquia lisboeta enviaria novo requerimento à Câmara pedindo isso mesmo, designadamente o direito de intervir na demarcação dos terrenos e levantamento da planta. Alguns habitantes ribeirinhos, temendo que o caminho-de-ferro lhes cortasse o acesso ao Tejo, pediam também a construção de um canal que os mantivesse ligados ao rio.

106 Diario da Camara dos Deputados, 25 de Junho de 1855, Acta n.º 18, p. 304. 107

Ávila e Carlos Bento tinham faltado com causa justificada, o que também é demonstrativo da importância política deste projecto. Do lado dos regeneradores também faltaria um dos seus paladinos: Casal Ribeiro.

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Resposta à Coroa nem sequer se mencionava o caminho-de-ferro ao contrário de anos anteriores em que o Caminho-de-ferro de Leste sempre pontificara.

A oposição cartista (António Emílio Brandão), por seu lado, não deixaria passar a situação em claro: “É notável, sr. presidente, que no paragrapho do discurso da corôa [sobre viação pública] já não se falla no caminho de ferro de leste (…). O sr. Correia Caldeira: – É porque já está acabado”109. O Ministro das Obras Públicas era posto em causa quer pelo falhanço do investimento, quer pela fraca qualidade dos trabalhos, mas sobretudo por ter garantido que obrigaria a Companhia a cumprir o con- trato sob pena de rescisão do mesmo e, afinal, nada ter feito e por não ter dado ouvidos às ponderações da oposição.

Também se renovavam os desejos de ver construída uma estrada macadamizada entre o Porto e Coimbra, o que mais não era do que concretizar uma medida imposta por lei e a que o Governo faltara (vide infra). Ao mesmo tempo criticavam-se os gastos que o Estado fazia com os edifícios da mala- -posta da estrada de Lisboa a Coimbra, quando, em breve, segundo intenção do Governo, o caminho- -de-ferro havia de os tornar obsoletos.

Na resposta, Fontes Pereira de Melo renovava, também ele, as garantias de que em breve se ini- ciaria a construção da Linha do Norte (tinham vindo, inclusivamente, engenheiros estudar o terreno), o que tornaria o investimento naquela estrada num gasto improdutivo (e, uma vez que a lei previa que a estrada devia ser começada se o Governo não se achasse habilitado para construir o caminho-de-ferro, aquele não havia infringido qualquer diploma legal). Obviamente, Fontes preferia também enaltecer a obra feita (a estrada Carregado – Coimbra ou todos os melhoramentos no ensino e as medidas para o fomento industrial, estes evocados por Latino Coelho), tentando diminuir o alcance da obra que ficou por fazer, nomeadamente a abertura da Linha de Leste. Para esta, Fontes tinha também justificações, que escapavam ao seu poder: por um lado o rompimento entre a Peninsular e os empreiteiros; por outro, o Inverno rigoroso que dificultara as obras. Além do mais, o Governo tinha continuado, a pedido da Peninsular, as obras (enquanto que noutros países, face aos rigores da estação invernosa, obras semelhantes tinham sido suspensas) para “não pôr de repente á mercê da caridade publica, á mendicidade, alguns milhares de indivíduos [os trabalhadores]”110.

José Estêvão também não deixou de participar neste debate em defesa do Governo e da sua obra, que, apesar de ser pouca era já uma grande maravilha, sendo Portugal o país que era. Simultanea- mente, acusava a oposição (nomeadamente o cabralista Correia Caldeira) de nem sequer se dignar a visitar as obras do caminho-de-ferro e de, portanto, falar com base no ouvir dizer e sem conhecimento de causa. Finalmente, a oposição que se fazia ao Governo nascia da inveja, daquela inveja de o Governo regenerador ter feito em três anos aquilo que Costa Cabral prometera (mas não cumprira) fazer em dez.

4.2.1.4.1. O projecto n.º 12: o início do fim

Em 31 de Março de 1856, são sujeitas à aprovação pela Câmara dos Deputados os acordos feitos por Fontes em Londres e Paris para se chegar a acordo com os credores da dívida externa111 e para a contracção de um empréstimo (com o Credit Mobilier) destinado a comprar a parte construída da linha-férrea de Lisboa a Santarém (e assim afastar definitivamente as pretensões dos empreiteiros, depois de goradas as tentativas de conciliação entre estes e a Companhia), a chegar a acordo com os accionistas da Peninsular e a financiar a continuação da construção de estradas e dos caminhos-de- -ferro de Leste e do Norte (ou não fosse o troço de Lisboa a Santarém comum às duas linhas112), provi- soriamente por conta do Estado113 (até que os estudos encomendados a Watier estivessem concluídos e se pudesse devolver a construção à iniciativa privada114). Tal era a importância da questão, que fora

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Diario da Camara dos Deputados, 6 de Fevereiro de 1856, Acta n.º 2, p. 17. 110 Diario da Camara dos Deputados, 6 de Fevereiro de 1856, Acta n.º 2, p. 25.

111 Reabrindo a Bolsa de Londres aos títulos portugueses e relançando assim o crédito nacional. Os prestamistas ficavam ainda com direito de preferência para a realização de empréstimos tendo a vista o financiamento de novas vias-férreas (ver Capítulo 3).

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Lobo de Ávila mais tarde referia que os estudos para o troço Porto – Coimbra estavam já feitos por engenheiros por- tugueses, ingleses e franceses

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Com o acordo da Peninsular, mas não com o acordo do poder legislativo, como acusaria Ávila. Assim, todo o projecto estava ferido de ilegalidade desde o seu início.

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Este tinha sido o caminho que Ávila havia proposto ao ministro das Obras Públicas três anos antes e que agora, vito- riosamente, recordava. Mencionava também como os seus receios quanto à capacidade da Central Peninsular eram funda- mentados.

Caminhos-de-ferro nos Debates Parlamentares (1845-1860) Hugo José Silveira da Silva Pereira

necessário que o próprio Ministro se dirigisse ao estrangeiro. Para suportar o empréstimo, o Ministro da Fazenda propunha também um aumento dos impostos (o que era atendível, dado que maior imposto era a falta de vias de comunicação, segundo Lobo de Ávila). Eram os projectos n.º 12, 12-A e 12-B.

Para Fontes, era essencial chegar a um acordo com a Shaw & Waring Brothers (rescisão do con- trato de empreitada, compra das suas acções da Peninsular e cedência de todos os seus direitos ao Estado) e com os accionistas da empresa115. Desta forma, evitava-se a demora fatal a que se votaria o projecto ferroviário se se intercedesse judicialmente contra os empreiteiros. Por outro lado, quando se entregasse a concessão a outra companhia não haveria o risco de o Governo ser demandado em tribu- nal pelos accionistas da Peninsular ou pelos empreiteiros. Teria a necessidade extrema de se chegar a um acordo com os bond-holders ingleses (para abrir a Bolsa de Londres aos títulos de dívida portu- gueses) contribuído para que Fontes tratasse desta forma com os empreiteiros, também eles ingleses? Provavelmente, sim, já que ao Governo assistia o direito de rescindir o contrato e colocar os trabalhos em hasta pública. Deste modo, ficavam também explicadas as condições favoráveis que revestiram o acordo com os credores ingleses116. Em troca do acordo com Shaw e Waring, os bond-holders acediam a um acordo favorável com Portugal. Um tratamento semelhante seria concedido à Peninsular, a qual “tinha empenhado todos os meios ao seu alcance, e (…) fôra victima pela inexperiência que todos tinhamos de negocios d’esta natureza”117. Fontes ilibava a Peninsular de toda e qualquer responsabili- dade pelo fracasso da obra. E confessava: “uma ostentação de rigor [para com a Peninsular, que con- tava com muitos sócios ingleses] prejudicaria a causa do progresso material, e tornaria difficeis, quasi impossiveis, os caminhos de ferro por muitos annos em Portugal”118.

O Ministro das Obras Públicas e Fazenda servia-se também da “massa de obras executadas, que excede (…) quanto se tem feito (…) em Portugal n’este seculo” para justificar a sua continuação, atra- vés das medidas que propunha (“n’este caminho, em que vamos, parar é morrer”119, diria a propósito), sob pena de Portugal se atrasar ainda mais dez anos em relação ao mundo civilizado, e para afirmar que o Governo merecia a confiança do poder legislativo. Os caminhos-de-ferro de Leste, Sul e Sintra (aos quais se juntavam os estudos já realizados para a Linha do Norte), onde milhares de operários trabalhavam e retiravam o pão de cada dia, podiam não servir as necessidades de transporte do País, mas serviam, sem dúvida, os interesses políticos de Fontes.

Contudo, dado que os capitais nacionais não chegavam para o investimento (malgrado o seu aumento, na opinião do Ministro120), tornava-se necessário recorrer a capitais estrangeiros, os quais estariam acessíveis graças ao acordo estabelecido com Richard Thornton, representante dos bond- -holders (aliás, estabelecia-se que, em caso de obtenção de lucro nos caminhos-de-ferro nacionais ou de aumento das receitas públicas em virtude dos investimentos realizados, aqueles credores seriam recompensados com um bónus no pagamento dos juros). Mas para suportar os encargos (juros) do empréstimo era necessário aumentar os impostos (Fontes mantinha-se fiel à máxima: os portugueses podem e devem pagar mais). Era uma medida necessária e única (ficava a promessa que não se levan- tariam mais os impostos), já que serviria não para sustentar o Governo, mas sim para dotar Portugal de caminhos-de-ferro, designadamente as linhas de Leste e do Norte.

Simultaneamente, garantia que de parte de Sua Magestade Catholica a Rainha de Espanha se manifestava o desejo de continuar a Linha de Leste no seu território (segundo ele, Espanha estava disposta a não construir outros caminhos-de-ferro em beneficio do caminho de ferro de Portugal). E que para tal já se haviam reunido comissões (a portuguesa presidida pelo Visconde de Castro) de ambos os países para decidir a directriz e o ponto fronteiriço da ligação, estando o projecto em prepa- ração para ser apresentado à Câmara. Daí a necessidade de se aceitar aquele empréstimo e continuar, o quanto antes, os estudos e as obras na linha que poria Portugal em contacto com a Europa civilisada. Por outro lado, o Credit Mobilier dos Pereire procurava ser o concessionário de toda a linha-férrea que atravessava Espanha, ligando Portugal a França. Destarte, seria do próprio interesse daquele casa levar a bom termo a construção do troço português daquela linha internacional.

Fontes assustava a Câmara com o custo da oportunidade e apelava ao seu patriotismo. Um aumento do deficit era tolerável se representasse um aumento dos meios de riqueza de um País: “os

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A rescisão fora feita a pedido dos directores da Peninsular. Os accionistas estrangeiros seriam pagos com o produto do empréstimo. Os accionistas nacionais com títulos do Fundo de Amortização.

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Ver Capítulo 2.

117 Diario da Camara dos Deputados, 31 de Março de 1856, Acta n.º 22, p. 273. 118

Diario da Camara dos Deputados, 31 de Março de 1856, Acta n.º 22, p. 273. 119 Diario da Camara dos Deputados, 31 de Março de 1856, Acta n.º 22, p. 266. 120

melhoramentos de um paiz não se conseguem senão com muitos sacrificios, com muito trabalho, e trabalho perseverante, com muitas fadigas e com muito dinheiro. (Apoiados)”121. Caso se parassem os esforços empreendidos, todos os sacrifícios anteriores teriam sido em vão: “confiados no patriotismo e sabedoria dos corpos legislativos contâmos com o seu apoio, e esperâmos firmemente que os melho- ramentos publicos receberão novo e mais energico impulso, pela cooperação illustrada do voto par- lamentar”122.

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Antes de se entrar na discussão destes três projectos, a oposição (Miguel do Canto Sampaio e D. Rodrigo de Menezes) proporia um adiamento até que se esclarecessem os contornos do acordo com os accionistas da Peninsular (porque razão não se tinha rescindido o contrato por incumprimento e falta de qualidade do trabalho?123) e com a Shaw & Waring para rescisão do contrato (o Governo, inclusive, já entregara três letras de 200 contos cada aos empreiteiros, sem autorização da Câmara)124, se con- cluíssem e aprovassem os estudos sobre os caminhos-de-ferro, que daria à Câmara as informações necessárias para estimar o montante do empréstimo (que acarretaria um aumento dos impostos sobre os portugueses125) e que os destinos concretos a dar ao empréstimo se baseassem em mais do que a palavra de Fontes Pereira de Melo126 (ainda pesavam na memória os desvios para despesas correntes dados a receitas destinadas às obras públicas e as contas furadas dos engenheiros nacionais). Eviden- temente, a oposição considerava que negócios desta natureza deviam ser tratados com toda a modera- ção e mais maduramente, contrariando, pois, o desejo de celeridade formulado por Fontes Pereira de Melo e seus seguidores (de entre os quais se destacava claramente José Estêvão): “pois porque as estradas são mais que muito necessárias na actualidade, segue-se d’ahi porventura que as propostas do governo não devem ser discutidas? (…) Que, sr. Presidente, pois a nação vae cair já n’um abysmo, se hoje mesmo, se ámanhã, não tratarmos da questão do emprestimo?”127, diria Caetano Pereira Garcez. Carlos Bento da Silva também concordava que a ausência de caminhos-de-ferro em Portugal não matava o País, até porque grande parte dos contactos comerciais com o estrangeiro se fazia por mar. E tudo isto era tanto mais grave quanto o Governo não responder aos requerimentos da oposição (apesar de Lobo de Ávila ter sido o representante do Governo junto da Peninsular) e, mais uma vez, demonstrar que não necessitava da Câmara para nada (Fontes tinha-se comprometido perante o Credit Mobilier – sem autorização do poder legislativo – a não contratar com nenhuma outra com- panhia até que Watier apresentasse os seus relatórios, apesar de não estar inibido de continuar, por si, as obras ou aplicar o empréstimo noutro tipo de obras públicas, como apontou Martens Ferrão).

Em 6 de Abril de 1856, Francisco Chamiço apresentava uma proposta para nomeação de uma comissão de inquérito ao estado das obras do Caminho-de-ferro de Leste, seu valor, orçamento para a sua conclusão e se a Companhia e os empreiteiros tinham cumprido as suas obrigações contratuais (tendo em conta os projectos que se debatiam). Dizia-se que era preciso ver se Portugal tinha capaci- dade para construir o caminho-de-ferro por si ou se era melhor recorrer a companhias respeitáveis nacionais ou estrangeiras. No dia seguinte José Estêvão faz a mesma proposta, mas limitava a acção da comissão de inquérito a aspectos menos controversos (tempos de viagem, pontes e estações por cons- truir), mas que tinham levantado as críticas da oposição. Este assunto provocou uma acesa discussão entre apoiantes e opositores do Governo até que Ávila propõe um adiamento da questão (dos projectos 12, 12-A e 12-B) até que uma comissão decidisse qual era a melhor proposta para a comissão de inquérito! No entanto, não compreendia como era possível continuar a discussão sem que uma comis-

121 Diario da Camara dos Deputados, 17 de Abril de 1856, Acta n.º 14, p. 227. 122 Diario da Camara dos Deputados, 31 de Março de 1856, Acta n.º 22, p. 275.

123 D. Rodrigo de Meneses levantava uma questão pertinente: “para que não se diga que toda e qualquer companhia póde negociar com o estado sem risco de perder, porque, se ganha a empreza, salva está; se perde, cá está o governo, que lhe paga não só o que ella despendeu, mas até o que podia ganhar!”. Diario da Camara dos Deputados, 1 de Abril de 1856, Acta n.º 1, p. 12.

124 A oposição contestava o acordo com os empreiteiros, porque estes não haviam cumprido o contratado. Além do mais, a questão era entre os empreiteiros e a Companhia e o Estado só devia intervir na medida dos 33% de acções que possuía.

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O valor proposto por Fontes rondava os 13 500 contos de reis. Perante as dúvidas da oposição, os apoiantes do Governo recordavam os 20 mil contos da Companhia das Obras Públicas.

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Que acumulava ainda as pastas da Fazenda e das Obras Públicas, o que também era usado como razão para justificar o adiamento. Além do mais, só a Comissão de Fazenda havia inserido na proposta uma cláusula que limitasse as aplicações do empréstimo às que forem auctorisadas por lei, o que não estava previsto na proposta apresentada por Fontes. Daí que fosse preferível, primeiramente, discutir as aplicações do empréstimo e só depois discutir o empréstimo propriamente dito.

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Caminhos-de-ferro nos Debates Parlamentares (1845-1860) Hugo José Silveira da Silva Pereira

são constituída nos termos da proposta de Chamiço elaborasse um parecer sobre todos os aspectos da obra de Leste (relembre-se que eram escassos os documentos enviados pelo Governo à Câmara, nomeadamente a escritura de empreitada com Shaw & Waring). Nisto era apoiado por Santos Mon- teiro (apoiante do Governo) e Rodrigo de Menezes. Também se aludia ao facto de Fontes Pereira de Melo não estar presente neste debate (Carlos Bento proporia o adiamento da discussão até à chegada de Fontes) e falava-se de como era preciso regular a formação das comissões de inquérito previstas pelo Acto Adicional128. A necessidade por parte da oposição de adiar a discussão em ano de fim de mandato tornava-se cada vez mais evidente. O debate tornar-se-ia cada vez mais político-partidário e cada vez menos financeiro129. Simultaneamente, a oposição procurava destruir os fundamentos das medidas propostas por Fontes. Chamiço discursaria sobre outras formas de obter dinheiro e contra o lançamento de um imposto sobre toda a população por causa de um melhoramento que só ia beneficiar algumas províncias. Faustino da Gama concluía que a negociação de Fontes no estrangeiro iria reduzir o crédito (tratava os credores de forma diferente) e era inconstitucional (carecia de autorização do Conselho de Estado). Outros aludiam à falta de autorização legislativa para se empreenderem novas obras. Genericamente, eram cinco as objecções da oposição: falta de estudos sobre as linhas construí- das e a construir, dinheiro pedido a mais para obras projectadas a menos, aumento dos salários agrí- colas pela fuga previsível de trabalhadores para as obras públicas, aumento do imposto e falta de con- fiança no Governo (não havia garantias que o Governo não voltasse a desviar este empréstimo para despesas correntes: “este empenho de construcção de caminhos de ferro appareceu depois do decreto de 30 de agosto, e appareceu porque o governo precisava de chamar as attenções publicas para uma alta e grande idéa, e distrahir os queixumes de violência que se lhe tinha feito: é porque o governo precisava d’este pretexto, não para fazer os caminhos de ferro, mas para acudir às incessantes neces- sidades do thesouro publico [através do Fundo de Amortização]”130).

Aos apoiantes do Governo, pouco mais restava que repetir as palavras proferidas nos cinco anos anteriores. Lobo de Ávila volta a salientar que os melhoramentos materiais eram a melhor forma de aumentar a produção, a matéria colectável, as receitas, o crédito público e de reorganizar as finanças. O caminho-de-ferro era uma alavanca muito mais poderosa que as outras medidas avançadas (aumento da eficácia da cobrança de impostos, redução de despesas), as quais, porém, eram também necessárias. No entanto, para se construir caminhos-de-ferro eram forçosamente necessários empréstimos e aumentos de impostos. No imediato, a decisão de continuar o caminho-de-ferro por conta do Estado não passava de um expediente, dada a incapacidade da empresa em acabar a obra, se bem que um expediente necessário, face à precisão de Portugal se dotar do melhoramento (sendo, demais, uma decisão que, segundo as suas contas, não aumentava a despesa pública). De resto, a parte mais difícil do trabalho (até ao Carregado) estava feita e a obra até Santarém seria bem mais fácil e ao alcance dos técnicos do Governo. Quanto à decisão de chegar a acordo com as partes interessadas, permitia evitar a dirimição da contenda em tribunal e uma perda de tempo precioso. Aliás, os empreiteiros não eram merecedores de censura: a qualidade dos trabalhos não era tão baixa quanto o fazia crer a oposição. Outros factores exógenos tinham conduzido a este desfecho. Neste momento Lobo de Ávila irritava- -se: “quando assevero sob a minha palavra de honra, que é verdade o que digo, não admito que nin- guém duvide, e n’este caso a explicação que peço não é aqui”, ao que Chamiço responderia: “Aceito”131.

António dos Santos Monteiro e Martens Ferrão seguiam a estratégia de Lobo de Ávila: (re)enaltecer as qualidades do caminho-de-ferro, sem o qual Portugal continuaria a existir, mas não passaria a viver (tal como tinha acontecido com a revolução liberal: sem ela Portugal continuaria vivo, mas longe da comunhão europeia). Assim, garantiam que do lado de Espanha se prolongaria o cami- nho-de-ferro até Badajoz, fazendo da Linha de Leste a grande linha da Europa e de Lisboa o maior