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Prolongamento da Linha do Barreiro a Évora

4. C AMINHOS DE FERRO NOS DEBATES PARLAMENTARES

4.1. Primeira metade do século

4.2.2. O Governo do Marquês de Loulé

4.2.2.6. Prolongamento da Linha do Barreiro a Évora

Três meses após a chegada da estrada de ferro a Bombel, na Linha do Barreiro, o Governo apre- senta à Câmara o projecto de lei n.º 73 (de 6 de Agosto) para prolongamento da mesma linha até Évora. Alguns meses antes, esta linha tinha já andado nas bocas do mundo por um alegado uso eleito- ral por parte dos apoiantes do Governo para as eleições de 2 de Maio de 1858. Durante a campanha eleitoral, Carlos Bento prometera em Aldeia Galega um ramal para este caminho-de-ferro em troca de votos. Seria um caso amplamente discutido na Resposta ao Discurso da Coroa da legislatura seguinte. Carlos Bento entendia que nada fizera de errado ao prometer algo que vinha no contrato original de

248 Tomás de Carvalho afirmava-se empurrado pelo Governo para os bancos da oposição. Alves Martins encontrava-se praticamente na mesma posição: caso o Governo continuasse a lidar com a questão ferroviária como havia lidado nos dois últimos anos, deixaria de o apoiar. Mesmo assim, ainda se mantinham indefectíveis no apoio ao Governo nomes como o já citado Santana e Vasconcelos ou o expert Belchior Garcez

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Diario da Camara dos Deputados, 25 de Fevereiro de 1859, Acta n.º 21, p. 185. 250 Diario da Camara dos Deputados, 22 de Fevereiro de 1859, Acta n.º 18, p. 151. 251

No entanto, a verdadeira discussão sobre as alterações seria adiada para o mês seguinte e para depois da queda do Governo de Loulé.

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concessão do caminho-de-ferro até às Vendas Novas e que salvava da ruína aquela importante locali- dade. A intenção do Governo era propor caminhos-de-ferro para o bem do País, não para fins eleito- rais. Martens Ferrão acusava o seu opositor de comportamento imoral nesta questão. A prova residia no facto de que não haviam quaisquer estudos do Governo ou propostas para a sua construção. Afinal, também os regeneradores entendiam que o ramal era uma obra de interesse público, tendo-o afirmado aos mesmos eleitores de Aldeia Galega. Entendia pois que não era legítimo usar este tipo de artima- nhas para conseguir votos até porque se as vitórias eleitorais do Governo significassem caminhos-de- ferro, ele próprio deixaria de apoiar os regeneradores e passaria a apoiar os seus opositores! Nas semanas seguintes (e já em ocasiões anteriores) este caminho-de-ferro tinha sido alvo de interpelações ou de representações à Mesa, versando assuntos tão díspares como a questão das madeiras (que tinha já causado polémica no tempo de Fontes – vide supra), o atraso na construção do Ramal de Setúbal (pelo deputado sadino e histórico Garcia Peres), o próprio prolongamento até Évora e Beja e suas directrizes ou questões relativas ao contrato original ou à construção (Amaral Banha e novamente Garcia Peres).

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No projecto de lei n.º 73 era, então, proposto o prolongamento da linha (já construída até Bombel) desde as Vendas Novas até Évora. Na opinião do Governo, a necessidade do investimento era incon- testável, atendendo ao desenvolvimento agrícola desta cidade e distrito. O próprio Watier afirmara que o Alentejo precisava de dois caminhos-de-ferro253. Curiosamente a proposta de lei do Governo previa a construção por conta do Estado nas mesmas condições da linha já construída ou sua contratação sem concurso mediante, subsídio não superior a 12.000$000 réis254 (para o que seria criada uma dotação de 1 500 contos em inscrições255). As comissões não punham em questão as vantagens oferecidas por esta linha. De contrário, alargavam-nas: era o tronco comum de uma rede que iria servir Alentejo e Algarve, ligando estas províncias a Lisboa e Espanha; desenvolvia (mais do que captava) a indústria256 e a agricultura, modernizando-as. Ressalvavam, porém, que devia ser construída com a maior econo- mia possível. Quanto à subvenção, a preocupação das comissões era garantir que esta não constituísse um lucro à empresa, mas sim um auxílio. A subvenção quilométrica era novamente a preferida, por não onerar durante tanto tempo o Estado. O projecto só admitia dois concorrentes: a companhia dos brasileiros257 ou o Estado; se aquela não aceitasse o valor da subvenção, deveria o Estado assumir a construção (mas apenas os movimentos de terra e as obras de arte, nada referindo sobre os carris ou a exploração, como lembrava Lobo de Ávila258).

Inicialmente, na discussão desta linha sobressaíram os interesses locais. José Carlos Infante Pes- sanha259, natural de e deputado por Beja, começava por contestar o silêncio em relação ao prolonga- mento até à sua cidade, que inclusivamente tinha oferecido um subsídio quilométrico de 2.200$000 réis para construir um caminho-de-ferro naquele distrito. Parecia que Beja só interessava ao Governo para cobrar impostos e não para os melhoramentos materiais. Assim, propunha que o caminho-de- ferro seguisse em primeiro lugar até Beja, até porque Évora já tinha uma boa estrada e Beja não tinha nada, sofrendo com esse facto: as importações ficavam muito caras e as exportações não se faziam,

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Ver Anexo XV.

254 Os estudos do prolongamento já estavam realizados, prevendo um custo quilométrico de 24.444$000 réis por quilóme- tro. O subsídio correspondia sensivelmente a metade. Faria Maia defendia a escolha deste tipo de apoio por não existirem estudos suficientes sobre a rendibilidade da linha. Assim a subvenção quilométrica era mais segura para o Estado (em compa- ração com a garantia de juro).

255 Mais tarde alterada, depois de ter sido também aprovada a construção de um ramal até Beja.

256 Carlos Bento referia a este propósito os estudos dos engenheiros Carlos Barreiros e Dr. Costa segundo os quais só a exploração das minas bastava para justificar um caminho-de-ferro.

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A companhia concessionária (de Tomás da Costa Ramos) tinha direito de opção sobre esta construção. No entanto, entendera que deveria melhorar as condições de construção, dadas as promessas de desenvolvimento daquela parte do País, o que se reflectiria no subsídio a conceder. O legitimista Pinto Coelho defendia o concurso, desde que a concessionária não quisesse exercer o seu direito de opção e desde que o Estado pudesse excluir os candidatos que não oferecessem garantias, ouvidos o Conselho de Obras Públicas e o Conselho de Estado. No concurso a companhia de Tomás da Costa Ramos teria direito de preferência em igualdade de ofertas (seria um aditamento aprovado na votação final).

258 Faria Maia, comissário (histórico) esclareceria a posição da Comissão de Obras Públicas: o Estado deveria construir parte da obra (obras de arte, expropriações e movimentos de terra) e depois entregá-la a uma companhia que por menos dinheiro a acabasse e explorasse.

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Assinaram a substituição além de Infante Pessanha, Francisco Martins Polido, Francisco de Paula Castro e Lemos, Gomes da Palma, Francisco Bívar, Fortunato Frederico de Melo, Joaquim Pedro Júdice Samora e João Álvares de Oliveira. Todos eleitos pelo Baixo Alentejo ou Algarve (ver Anexo X).

Caminhos-de-ferro nos Debates Parlamentares (1845-1860) Hugo José Silveira da Silva Pereira

porque não podiam concorrer com os produtos eborenses. Aliás, Beja tinha uma potencialidade supe- rior à de Évora, que sem comunicações de qualidade não se concretizava: a agricultura de Évora não era nem podia ser tão desenvolvida como a de Beja; os cereais de Beja eram melhores que os de Évora; Beja era mais populosa, pelo que quer a exportação quer a importação seriam maiores, o que beneficiava o próprio caminho-de-ferro. O próprio Alto Alentejo não carecia tanto deste melhora- mento como o Baixo Alentejo (Portalegre enviava os seus produtos pelo Tejo), enquanto que se o caminho-de-ferro fosse até Beja, o Algarve (outra província órfã de comunicações) também beneficia- ria. Por outro lado, o caminho-de-ferro até Beja não deixaria de passar pelo distrito de Évora, se bem que não pela cidade, e a directriz mais directa tornaria a sua construção menos onerosa para o Tesouro. Ao argumento de que era uma questão de tempo o caminho-de-ferro chegar a Beja, respondia que tempo era algo de que a cidade não dispunha. Por fim concluía com a máxima de Chevalier: economia não era gastar pouco, era gastar produtivamente.

Para satisfazer os deputados de Beja (e lançar uma farpa ao Governo), José Estêvão proporia que se fizessem os dois ramais férreos para as duas cidades. Dias depois, a proposta seria alterada260 no sentido de o projecto incluir a construção das duas linhas. Os deputados anteriores concordava até porque não queriam ser acusados de pretender prejudicar os eborenses. Nesta ocasião apresentavam mais argumentos: o caminho-de-ferro levava ao Alentejo os braços e capitais de que necessitava para desenvolver a agricultura e indústria (através dos jazigos minerais de que dispunha e que podia ajudar à própria construção) e catalisariam a desvinculação da propriedade.

Ainda quanto à directriz, Sebastião José de Carvalho propunha que o caminho-de-ferro fosse até Estremoz com ramal para Évora e Beja, porque o caminho-de-ferro só valia a pena se ligasse grandes distâncias e os grandes centros de população e comércio. Estremoz era a parte mais populosa do Alentejo onde a agricultura estava mais desenvolvida, mas ficava esquecida pela proposta das comis- sões, que preferiam privilegiar o Baixo Alentejo (submetendo-se aos interesses de campanário), des- povoado e com pouca actividade, enquanto que as Beiras, o Minho e outras províncias mais populosas e desenvolvidas ficavam sem nada. A sua proposta tinha ainda a vantagem de se prolongar o caminho- de-ferro até à fronteira em Elvas261 e de ser ponto de ligação com a Linha de Leste. Neste caso, faria todo o sentido construir um ramal a partir de Arraiolos ou Vimieiro, em direcção a Évora, Beja e Algarve, ficando a própria Espanha com incentivos para levar os seus caminhos-de-ferro à raia portu- guesa.

Pouco depois de opinar que se deveria rasgar todo o Alentejo com caminhos-de-ferro, Estêvão retirava o seu apoio ao projecto por não acreditar na constituição da companhia (se nem Peto o conse- guia para a Linha do Norte, quem o conseguiria para uma linha secundária?), abrindo caminho para lançar mais uma das suas cáusticas censuras ao executivo – propondo ao Governo que indagasse o senhor Peto sobre a sua capacidade técnica e financeira para construir a Linha do Sul, rematava: “E como elle [Peto] está costumado a construir caminhos de ferro sobre o campo de batalha, podiamos fazer algum simulacro de guerra, para que pudesse satisfazer esse capricho”262. Numa tirada bri- lhante, Estêvão atacava todo o trabalho do Governo na questão ferroviária, mas não se ficava por aqui, exigindo a fixação de uma fiança para os candidatos ao concurso (para se evitar a chegada de outros Petos) e a abertura de concurso – dos dois caminhos-de-ferro de que Portugal dispunha (Leste/Norte e Sul), ambos tinham sido construídos mediante a sua prévia colocação em praça, enquanto que o que fora adjudicado directamente estava no estado que se conhecia. Quanto à subvenção defendia agora a introdução de um sistema misto (garantia de juro e subvenção quilométrica), tal como se fazia na Holanda, uma vez que a geografia de Portugal não era conhecida e deste modo construir caminhos-de- ferro era um risco. Para minorar esse risco e atrair capitalistas só oferecendo uma garantia de juro ou o tal sistema mixto.

Lobo de Ávila traria à discussão a questão de ser a Linha do Sul a primeira e única ligação com Espanha, pelo facto de o Governo nada fazer ou dizer em relação à Linha de Leste. O deputado era contra aquela ideia (embora admitisse que num futuro próximo ligar Portugal a Espanha e Sevilha pelo Sul fosse pertinente), porque não era a ligação mais directa com a Europa (pelo Sul, Portugal ligava-se ao Mediterrâneo e à Andaluzia) e porque não tinha as condições técnicas exigíveis a uma linha inter- nacional263. Criticava também e novamente a ausência de concurso264 (tal como Martens Ferrão, para

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Novos signatários: Garcia Peres, Estêvão José Palha, Manuel Joaquim da Costa e Silva e Azevedo e Cunha.

261 A ligação internacional era fulcral. Sem ela, Portugal era como um edifício com salas e andares muito bonitos, mas sem escadas de acesso.

262 Diario da Camara dos Deputados, 11 de Agosto de 1858, Acta n.º 12, p. 153. 263

quem a praça era a única forma de voltar a credibilizar as vias-férreas no País), sobretudo depois da má experiência na Linha do Norte265. Por outro lado se no contrato original a Companhia tinha o direito de construir os prolongamentos, mas pela mesma subvenção (7.900$000 reis), por que funda- mento não a tinha o Governo convidado a cumprir o contrato? Contradizia-se, contudo, ao acusar a mesma Companhia de não ter cumprido o prazo para o fim das obras nem ter construído o Ramal de Setúbal como se comprometera. Este era muito importante, como o mostrava a grande parte dos uten- tes do caminho-de-ferro que vinha de Setúbal até ao Pinhal Novo (onde não havia nada onde eles pudessem esperar o comboio comodamente) apanhar o comboio. Ao mesmo tempo, pergunta ao Governo quem o autorizara a conceder uma prorrogação do prazo. Se o Governo achava que devia eximir as companhias das penalidades devia pelo menos perguntar à Câmara. A desconsideração do Governo chegava ao ponto de não incluir no texto da lei a obrigação de dar às Cortes o uso que fazia dos 1 500 contos da dotação (os quais não chegariam para chegar a Évora, caso o Governo empreen- desse a construção, quanto mais a Beja266). Além disso, o Governo distraíra-se ao conceder na sua proposta as mesmas condições de construção (incluindo as madeiras), mas felizmente a Comissão tinha corrigido essa falha.

Albino de Figueiredo, o engenheiro dos históricos, faria aqui um discurso interessante e elucida- tivo do seu pensamento, algo confuso. Segundo este deputado, os caminhos-de-ferro serviam dois fins: animar a riqueza já existente e fazer nascer a riqueza, mas deviam ser construídos primeiramente nas zonas mais ricas de um país. Depois provocavam uma influência no desenvolvimento e circulação das zonas pobres, de tal modo que em pouco tempo estes exigiram as mesmas vias de comunicação. Assim, seria necessário começar a construir caminhos-de-ferro nas províncias do Norte. Todavia, com isto não queria dizer que não se devessem atender as necessidades das zonas mais pobres como o Alentejo, já que as ferrovias faziam nascer riqueza, ou até começar por elas. Deste modo, colocava-se o Alentejo ao nível das outras zonas, através dos caminhos-de-ferro. Quanto à ligação com Espanha, todas as linhas que chegassem à fronteira deveriam ser continuadas do lado de lá. A linha em discus- são apresentava a vantagem de ligar Portugal à Andaluzia. No entanto, Portugal não se devia satisfazer uma ligação pelo Alto Alentejo, devendo existir uma outra que ligasse o Reino mais directamente com França – a ligação pela Beira267. Quanto ao concurso, lamentava ainda que a proposta por ele apresen- tada e que regulamentava todo o sector não tivesse sido sequer discutida. Por isso, a negociação dependia das conveniências e ao momento o mais conveniente era contratar directamente com quem tivesse capacidade para a obra (embora, genericamente, o preferível fosse o concurso)268. Quanto às outras propostas, aceitava as propostas dos deputados do Alentejo e Algarve (salvo o ponto de bifurca- ção, que dependia do Governo) e o aumento do montante de inscrições a criar (cujo uso deveria o Governo ser obrigado a dar conta às Cortes). Levar a via até Estremoz não era recomendável, por ser muito difícil e caro, por causa da cordilheira que separa o Tejo do Guadiana.

No final, aprovava-se o prolongamento da linha não só até Évora, mas também até Beja, a não- -admissão ao concurso daqueles que não comprovavam a sua capacidade para empreender a obra, a preferência pela concessionária da linha entre o Barreiro e as Vendas Novas e a emissão de bonds além de inscrições para financiar o projecto.