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O Ministério das Obras Públicas

3. H ISTÓRIA DOS C AMINHOS DE FERRO EM P ORTUGAL

3.1. O período anterior à Regeneração

3.2.2. O Ministério das Obras Públicas

Para sustentar a política dos melhoramentos materiais, foi criado em 30 de Agosto de 1852 o Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, para onde eram enviadas as propostas de cons- trução de caminhos-de-ferro. Pela primeira vez na sua História, Portugal dispunha de um órgão espe- cializado que se dedicaria, entre outras coisas, à disponibilização de vias de comunicação modernas. Com a criação do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, passam a existir procedimen- tos formais para a apresentação de propostas para construção de caminhos-de-ferro27. No entanto, nem sempre essas regras eram respeitadas. No período em estudo, foi por iniciativa do novíssimo Ministé- rio que se discutiu, propôs e se iniciou a construção do tronco comum das linhas do Norte e Leste e das linhas de Sul e de Sintra.

Associado a este Ministério encontrava-se o Conselho de Obras Públicas, criado para investigar a forma como era aplicado o dinheiro das companhias, supervisionar os trabalhos e criar condições bási- cas de funcionamento do serviço. No entanto, nunca conseguiu fazer um estudo suficientemente deta- lhado para definir quais as melhores directrizes para as linhas. O Conselho limitava-se a emitir parece- res e leis (através do Ministério) para regular os caminhos-de-ferro, mas nunca conseguiu uma lei que cobrisse todo o sistema ferroviário, na ausência de um plano geral de comunicações. Dentro da Câmara dos Deputados funcionava também a Comissão de Obras Públicas, que emitia pareceres sobre propostas chegadas ou elaboradas pelo Governo, que depois eram apresentadas à discussão no hemici- clo.

A decisão de construção de uma linha tanto podia provir da iniciativa do Governo ou de um dos deputados, como de uma proposta de privados apresentada ao executivo (a forma mais frequente). Assim que aquela fosse recebida, o Governo apresentava-a ao Conselho de Obras Públicas, que emitia o seu parecer. De seguida, podia fazer a concessão provisória da obra, podendo também adjudicá-la directamente ou submeter a proposta a concurso (no qual o proponente tinha preferência em caso de igualdade de ofertas). Entretanto, seria também ouvido o Conselho e a Comissão de Obras Públicas. Esta última redigia um projecto de lei sobre a proposta do Governo, que era depois submetido ao escrutínio das câmaras. Com a aprovação parlamentar do projecto, a concessão tornava-se definitiva (exigindo normalmente a constituição de uma companhia para a construção e exploração da linha). Em determinadas ocasiões, podiam ser nomeadas pelo Governo comissões consultivas para fins específi- cos. Aquelas companhias eram responsáveis pela construção, mas não a empreendiam por si, subcon- tratando-a a empreiteiros, normalmente associados aos seus Conselhos de Administração.

Ao longo da década de 1850, Fontes Pereira de Melo e vários outros engenheiros militares acre- ditavam que a construção de caminhos-de-ferro devia ficar exclusivamente a cargo de companhias privadas, dado o estado das finanças nacionais e a ausência de técnicos qualificados. Acreditava-se que assim se poupariam os cofres nacionais. Além disso, a confiança na iniciativa privada era uma das características do pensamento económico liberal, o que pode explicar esta opção (assim como a opção de deixar ao juízo das companhias as directrizes dos caminhos-de-ferro). Acreditava-se que as empre-

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Mónica – Fontes Pereira de Melo, p. 40. 27

Caminhos-de-ferro nos Debates Parlamentares (1845-1860) Hugo José Silveira da Silva Pereira

sas ao procurar o lucro iriam indirectamente beneficiar o País. Contudo, nem sempre a procura de lucro por parte do sector privado e o interesse público terminavam na mesma estação: se ao Estado interessava que as companhias construíssem e explorassem as linhas, àquelas só interessava a constru- ção (pela qual recebiam de imediato uma subvenção ou podiam exigir mais tarde ao Estado a sua alie- nação), pois a exploração não prometia rendimentos atractivos no imediato. No entanto, também é verdade que os governantes nem sempre respeitavam todos os princípios do Liberalismo económico, além de que a concessão de subsídios ou a participação do Estado no capital de empresas privadas não deixavam de ser intervenções estatais na economia. A própria contracção de empréstimos pelo Estado (para financiamento da construção – vide infra) pode também ser encarada como uma intervenção do poder público na economia nacional. Mas, se não fosse o Estado a contrair empréstimos e a dar garan- tias para o ressarcimento desses empréstimos, dificilmente se concentraria o capital necessário para o investimento.

A concessão da construção e exploração de caminhos-de-ferro era acompanhada da atribuição de subsídios às companhias concessionárias, por se entender, inicialmente, que o Estado não dispunha de capital suficiente para empreender por si a construção de caminhos-de-ferro. Esta prática de atribuição de subsídios, segundo ANTÓNIO LOPES VIEIRA, saiu ainda mais cara aos governos (cerca de 30%) do que se estes tivessem construído com os meios do Estado os mesmos caminhos-de-ferro28. No entanto eram contas que não se podiam fazer antes de os caminhos-de-ferro estarem construídos. Por outro lado, a opção pela iniciativa privada mais não era do que a colocação em prática dos princípios liberais de não-intervenção estatal na economia. Nesta altura, o Estado concedeu dois tipos de subvenções: à construção e à exploração29. A primeira consistia na atribuição à companhia de um valor por cada quilómetro de via construído. Deste modo, o Estado via-se obrigado a investir somas avultadas em pouco tempo, pois o subsídio era entregue à medida que a construção avançava; via-se também obri- gado a fiscalizar a qualidade da construção e do equipamento utilizado. Outra desvantagem para este tipo de apoio era a desproporção entre o custo real de construção e a subvenção paga pelo Estado: os concessionários normalmente pediam ao Estado um valor muito superior ao custo real, além de que podiam cair na tentação de desviar os subsídios do Governo do seu legítimo destino. Este modelo de subvenção foi o preferido durante todo o período em estudo (a única excepção foi o contrato com a Central Peninsular para a construção da Linha de Leste – vide infra). O subsídio à exploração consistia na garantia de pagamento de um determinado juro ao capital investido. Garantia-se, assim, à explora- ção um rendimento líquido mínimo. Era uma modalidade de subvenção que podia ser mais vantajosa para a Fazenda Pública, na medida em que remetia para o início da exploração o começo de uma ajuda financeira que até podia ser diminuta caso a companhia retirasse altos rendimentos da exploração (o Estado até podia lucrar, pois caso o produto líquido excedesse o valor do juro era repartido entre a companhia e o Estado). Contudo, também podia ser bastante onerosa (até porque a Fazenda pratica- mente não tinha meios de controlar as contas da exploração) se os rendimentos da exploração fossem baixos. Além destas, o Estado apoiava as companhias ao doar terrenos públicos atravessados pelos carris, ao isentar as companhias de impostos (contribuições prediais e municipais, direitos alfandegá- rios sobre material fixo e circulante) e ao lhes conceder a exploração por prazos alargados (normal- mente 99 anos), embora o Governo pudesse resgatar as linhas ao fim de determinado tempo e mediante o pagamento de determinado valor. Em contrapartida, as companhias tinham de cumprir prazos de construção, obedecer a uma lista de características técnicas e de regras de segurança nos transportes, manter o serviço ininterruptamente e com uma certa frequência de comboios, consultar o Governo na fixação das tarifas e transportar gratuitamente ou a custo reduzido fiscais do Governo, militares, equipamento militar e condutores de malas de correio.

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Vieira – The role of Britain…

29 Cf. Alegria – A organização dos transportes, pp. 305-326 ou Alegria – Política ferroviária do Fontismo. Aspectos da construção e do financiamento da rede, pp. 50-61. O modo de intervenção do Estado na construção de caminhos-de-ferro variou de país para país. Em Inglaterra e nos Estados Unidos da América, a escolha das directrizes e a construção eram dei- xadas à iniciativa privada. O extremo oposto verificava-se na Bélgica onde o Estado ficou responsável pela planificação e construção das linhas. Os estados espanhol e francês não intervieram na construção, mas eram responsáveis pela planificação da rede.