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O americano de Alenquer à Ponte do Carregado

4. C AMINHOS DE FERRO NOS DEBATES PARLAMENTARES

4.1. Primeira metade do século

4.2.3. O regresso dos regeneradores

4.2.3.2. O americano de Alenquer à Ponte do Carregado

Em 23 de Maio de 1859 é apresentada à Câmara um contrato celebrado em 3 de Fevereiro ante- rior entre o Governo (com Carlos Bento ainda nas Obras Públicas) e Bartolomeu Aquiles Déjante para a construção de um caminho-de-ferro americano de 1,44 m de bitola (a cavalo ou a vapor) entre Alen- quer e o cais na vala do Carregado (junto ao Tejo), com possibilidade de o prolongar até Aldeia Galega de Merceana e/ou Alcoentre, dadas as vantagens que aquele acordo comportava. O Estado não concedia nenhum subsídio, apenas ajudando a expropriar as terras necessárias. O resgate tornava-se possível passados quinze anos, mediante um pagamento. O seu horário dependia do do caminho-de- -ferro até ao Carregado.

Sendo um negócio que não comportava encargo algum ao Estado, o debate deveria ser sereno. No entanto, surgiram algumas intervenções que se revelaram de algum interesse, sobretudo por se enqua-

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De todos os lados da Câmara: Francisco Gavicho, Serpa Pimentel, Lobo de Ávila, Carlos Bento, Belchior Garcez, José Estêvão, Ávila, Gomes de Castro.

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Se o lucro retirado da exploração do caminho-de-ferro não fosse suficiente para compensar o investimento, não valia a pena construir ferrovias. Nesta altura, à semelhança do que se passava noutras nações, as vias-férreas eram vistas como investimentos necessariamente lucrativos a curto prazo e não como infra-estruturas de serviço público

313 Instado por Santana e Vasconcelos, Serpa Pimentel esclarecia: o contrato seria rescindido dentro das formas legais e no tempo necessário, depois de consultados os conselheiros e juristas da coroa.

drarem no debate mais geral sobre os caminhos-de-ferro. Assim, Gomes de Castro via neste projecto um abandono por parte do Governo das grandes linhas-férreas (apesar de a paternidade do contrato ser histórica). Sá Nogueira aproveitava a menção ao Caminho-de-ferro de Leste (pela combinação com o horário) para questionar o Governo sobre a continuação do caminho-de-ferro até Santarém, nomeada- mente sobre a construção do troço entre Asseca e Ónias. No entanto, não se ficava por aqui, preten- dendo também saber quais as intenções do Governo quanto às linhas de Sintra (juntamente com Pinto de Almeida) e do Sul. Para completar a sua curiosidade, interrogaria Serpa Pimentel sobre os planos do Governo em relação a Peto e à Linha do Norte. Santana e Vasconcelos completaria o leque de caminhos-de-ferro projectados, inquirindo o Governo sobre o caminho-de-ferro até Badajoz, já que Espanha pretendia dotar aquela cidade de uma ferrovia. O propósito destas interpelações torna-se claro com uma frase final de Santana e Vasconcelos: “Sr. presidente, dizia-se que o ministerio passado dormia, e eu digo que o actual não só dorme, mas sonha”314.

Serpa Pimentel responderia na mesma moeda: “O que admira é que aquelles que durante dois annos não tiveram pressa em cousa alguma, queiram agora tudo feito em dois mezes”315. Segundo o Ministro das Obras públicas, um prazo menor seria dado a Peto, levantando os protestos dos escorra- çados do poder, que entendiam que para conceder uma prorrogação do prazo não valia a pena ter mudado o Governo: o inglês tinha até 31 de Maio para constituir a sua companhia, independentemente de as condições na Europa não serem as melhores para este tipo de actividade316. O Ministro revelava que Peto tinha estranhado um prazo tão curto, mas o Governo não mais seria compassivo com este assunto317: Peto tinha tido dois anos para constituir a companhia e Portugal não era culpado pelo ambiente financeiro na Europa não ser o melhor. Para substituir Peto, o Governo tinha já propostas em mãos (para exploração do caminho-de-ferro já existente e seu prolongamento desde Vila Nova da Bar- quinha318 até Tomar), contudo fazia algo bem mais importante e que o Governo anterior não empreen- dera: estudos (do troço até Ónias e da Linha da Beira), para o Governo saber o que negociava e depois colocar em praça. Quanto ao Caminho-de-ferro do Sul, achara-o parado (por alegados incumprimento por parte do Governo anterior), dando-lhe andamento até Setúbal, onde esperava chegar em breve (só dois anos depois é que lá chegaria, porém)319. Demonstrando que a mudança de Governo não fora em vão, apresentava também dados sobre outros assuntos ferroviários que não tinham sido aludidos pelos deputados anteriores. Anunciava assim o fim da construção do caminho-de-ferro do pinhal de Leiria até ao final do ano e mencionava como a sua gestão tinha melhorado a exploração do Caminho-de- ferro de Leste e organizado o serviço do Ministério320. A discussão encontrava-se completamente fora de ordem. Raramente se falava no assunto verdadeiramente em discussão: o americano de Alenquer. No entanto, os Presidentes (Velez Caldeira em 23 de Maio e Rebelo de Carvalho nos dias seguintes) nada diziam e permitiam esta irregularidade.

314 Diario da Camara dos Deputados, 23 de Maio de 1859, Acta n.º 24, p. 339. 315

Diario da Camara dos Deputados, 24 de Maio de 1859, Acta n.º 25, p. 354.

316 Que serviriam, contudo, como razão para este Governo não poder fazer mais, o que mereceria o repúdio de parte da Câmara.

317 Já Carlos Bento entendia que uma vez que não estava determinado no contrato nenhum prazo para Peto cumprir o contrato, o Governo poder-lhe-ia ter concedido um prazo mais razoável. Aparentemente a confiança do antigo ministro das Obras Públicas no empresário mantinha-se.

318 Serpa Pimentel revelava que pretendia fazer o entroncamento das linhas do Norte e de Leste nesta localidade. O preço adiantado – 2 000 contos – serviria de mote para Sá Nogueira e Santana e Vasconcelos desafiarem o Governo a construí-lo quanto antes (já que tinha propostas) em vez de perder tempo com estudos (que, aliás, nem sequer englobavam a Beira Alta). Entretanto, aproximava-se a data de encerramento da sessão parlamentar, as bases de qualquer concurso não seriam apro- vadas e Portugal arriscava-se a ficar mais uns meses parado sem caminhos-de-ferro. Para piorar o cenário, o acordo com Espanha tardava.

319 Agora, Carlos Bento referia que o seu Governo não tinha feito o ramal até Setúbal por causa das exigências exa- geradas da companhia (sobre o fornecimento de madeiras).

320 A este propósito responderia que a construção de estradas e a instalação de telégrafos (de que tanto se arrogavam os apoiantes e membros do gabinete anterior) eram meros assuntos de expediente para um Ministério das Obras Públicas bem organizado, tal como a nomeação de juízes pelo Ministério da Justiça. A oposição (ex-ministeriais) não deixaria de res- ponder. Para Gomes de Castro, este regozijo do Governo só significava que Fontes Pereira de Melo, nos anos que passara no Governo nada fizera quanto a este assunto. Estranhamente (ou talvez não), omitia a passagem de Sá da Bandeira, Loulé e Carlos Bento pelo Ministério das Obras Públicas.

Caminhos-de-ferro nos Debates Parlamentares (1845-1860) Hugo José Silveira da Silva Pereira

4.2.3.3. Alterações dos Pares ao prolongamento do Caminho-de-ferro do