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3. H ISTÓRIA DOS C AMINHOS DE FERRO EM P ORTUGAL

3.3. Os caminhos-de-ferro

3.3.3. Linha de Sintra

A primeira proposta para construção de um caminho-de-ferro entre Lisboa e Sintra data de 184576. O seu autor… Hardy Hislop, o empresário inglês a quem mais tarde seria adjudicada a cons- trução da Linha de Leste e que participaria no cartel de ingleses que se propuseram a construir o pro- longamento da Linha do Sul até Évora e Beja. Como se viu atrás, nenhuma das propostas que chegou às mãos do Governo cabralista foi concretizada, pelo que esta também não fugiu à regra.

Assim, os primeiros e verdadeiros esboços do caminho-de-ferro entre Lisboa a Sintra são coevos do começo das linhas de Leste e do Norte. Em 30 de Setembro de 1854, é assinado um compromisso para a construção de uma via-férrea entre Lisboa e Sintra, passando por Belém e Algés, entre o Governo e Jean François Marie Armand, Conde de Claranges Lucotte77, intermediário da casa Chabrol, com quem Fontes Pereira de Melo negociava, desde 1853, a contracção de um empréstimo para a construção de estradas.

Em 16 de Julho de 1855, publicava-se a lei que aprovava aquele contrato. Ficava previsto, além da construção do caminho-de-ferro, a construção de docas e cais em Lisboa por ele servidos. A linha começava no forte marginal de S. Paulo (Lisboa) e seguia depois pelo vale de Algés até Sintra. Fica-

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Registem-se as principais cláusulas do contrato. O ponto de bifurcação seria em Santiago do Escoural, como apontado nos estudos de Sousa Brandão. A concessão da linha duraria 99 anos, podendo o Estado proceder à sua remissão num prazo entre os quinze e os 30 anos após a conclusão das obras, mediante um pagamento indemnizatório. O caminho-de-ferro dis- poria de isenção fiscal durante a construção e os primeiros dois anos de exploração. Os concessionários tinham três meses para começar as obras (as quais deveriam estar concluídas em três anos, sob pena de caducidade da concessão e rescisão do contrato) e sujeitavam-se às leis de Portugal sem contudo se entender que renunciem aos foros da sua nacionalidade

75 Companhia dos Caminhos de Ferro do Sudeste de Portugal. 76

Ver Anexo XII.

77 Era um conhecedor das políticas de melhoramentos materiais, na medida em que fora o primeiro empresário disposto a construir estradas em Portugal (precisamente de Lisboa a Sintra). Ganhara também alguns contratos para a construção e reparação de estradas no tempo de Costa Cabral, fora o responsável pela ponte pênsil sobre o Douro e contribuíra para a fundação da Companhia das Obras Públicas. Cf. Matos – Transportes e Comunicações…, pp. 188-190.

vam também prevista a construção de dois ramais que partindo de Sintra chegassem a Cascais78 e a Colares: “nos jornais de 1854 começam a aparecer as primeiras notícias sobre a construção duma linha férrea para Cascais. O país estava em plena campanha de construções ferroviárias. Sintra já tinha o seu comboio e por via dele ganhava em importância e crescia em população(?). A primitiva ideia da linha de Cascais girou em torno dum ramal saído da linha de Sintra num ponto qualquer do seu percurso, porque pouco mais se pretendia com ela do que fazer o comboio atingir Cascais, consi- derando-se de somenos importância os povoados e terrenos situados na costa da margem direita do Tejo e seu prolongamento até à famosa baía onde os reis de Portugal gostavam de organizar rega- tas”79. O francês ficava ainda com a propriedade perpétua das terras conquistadas ao rio e um prazo de 99 anos de exploração da via, contudo não lhe era concedido qualquer subsídio estatal.

O engenheiro francês Watier, nos seus relatórios (vide supra), referia que, a dado momento, houve a convicção de fazer entroncar a ligação Lisboa – Porto na Linha de Sintra, hipótese que ele rejeitava (monstruosidade, obra desgraçada e insensata foram alguns dos termos por ele usados80). Aliás, reprovava veementemente todo o projecto de construção de um caminho-de-ferro até Sintra, quer por conta do Estado, quer por iniciativa privada. O francês nunca fora muito optimista em relação à construção de caminhos-de-ferro em Portugal. Dizia que um projecto desta envergadura seria muito custoso para o País e pouco lucrativo. Portugal teria de pedir dinheiro emprestado e a construção demoraria 20 anos se fosse deixada nas mãos de portugueses.

Os trabalhos para o caminho-de-ferro e para as docas deveriam começar em Outubro de 1855 e Fevereiro de 1859, respectivamente. Chegou mesmo a ser criada uma companhia em França – Societé du Chemin de Fer de Lisbonne à Sintra, Quai de Belém, Docks et Terrains sur le Tage – com um capital de 40 000 000 de francos (1 600 000 de libras), dividido em 80 000 acções de 500 francos cada.

Em Outubro de 1855 os trabalhos foram inaugurados com pompa e circunstância, mas rapida- mente correram rumores de que a concessão iria ser transferida para uma companhia inglesa. Lucotte encontrava dificuldades para reunir os fundos necessários (apenas garantiu 2 000 das 10 000 libras que deveria entregar como depósito) e honrar o compromisso estabelecido. Por outro lado, a incerteza quanto à directriz da Linha do Norte (início na Linha de Sintra ou tronco comum da Linha de Leste até Santarém) desincentivaram o começo dos trabalhos, pois muita da rendibilidade do projecto de Lucotte dependia do entroncamento com o caminho-de-ferro Lisboa – Porto81.

Nos anos seguintes, dois contratadores (o francês Adolphe Prost e o espanhol Duque de Riansares) tomaram conta dos trabalhos, mas ambos falhariam. Os trabalhos progrediam muito lenta- mente, quando não progrediam de todo.

Em 1859, Claranges Lucotte conseguiu vender a concessão a uma companhia franco-belga que manteve o mesmo nome e o mesmo capital, ficando Lucotte como membro da direcção, apesar dos protestos dos seus anteriores sócios. Os trabalhos foram confiados ao construtor belga Van der Elst Fréres et Compagnie. Esta companhia fez uma estimativa de lucros mais realista, no entanto nada se concretizaria, uma vez que o Governo tinha já decidido que a Linha do Norte passaria por Santarém antes de rumar ao Porto. Perdida a possibilidade da Linha do Norte entroncar na Linha de Sintra, a companhia de Lucotte dificilmente obteria lucro a curto prazo, pois o investimento nas docas e cais só retornaria a longo prazo. A isto aliavam-se as dificuldades e custos de conquistar terras ao rio, como ficara previsto no contrato. Perante a situação o Governo tomou uma decisão: não aprova a formação da nova companhia e rescinde a concessão garantida a Claranges Lucotte (17 de Março de 186182).

78 Cascais só ficaria ligado a Lisboa na década de 1890.

79 Branca de Gonta Colaço; Maria Archer – Memórias da Linha de Cascais. Apud. Cem anos de caminho de ferro…, pp. 355-356.

80 Apud. Abragão – Caminhos de ferro portugueses…, p. 315. 81

Mesmo assim, em Abril de 1856, Lucotte pediria ao Governo a concessão de 18 200 metros quadrados na Praia de Pedrouços (nas imediações da projectada linha) para lá construir um estabelecimento de banhos, escola de natação e de gymnastica.

82 27 de Março, segundo C

ARLOS MANITTO TORRES (Caminhos de ferro). O Estado já podia ter rescindido o contrato desde Janeiro de 1856.

Caminhos-de-ferro nos Debates Parlamentares (1845-1860) Hugo José Silveira da Silva Pereira