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Sir Morton Peto e a Linha do Norte

3. H ISTÓRIA DOS C AMINHOS DE FERRO EM P ORTUGAL

3.3. Os caminhos-de-ferro

3.3.1. A Linha de Leste e a Linha do Norte

3.3.1.4. Sir Morton Peto e a Linha do Norte

Apesar da dupla desilusão com a prestação dos empresários privados na construção da Linha de Leste, o Conselho de Obras Públicas continuava a ser favorável à continuação da construção através de construtores estrangeiros.

Após a queda do Governo dos regeneradores e a desilusão com a Peninsular e dadas as condições pouco claras do contrato com o Crédit Mobilier, o Governo histórico recorre novamente aos empresá- rios ingleses. Em Abril de 1857, entra em cena Sir Morton Peto, empresário tido como inteligente, dinâmico e empreendedor e cujo currículo se ilustrava com trabalhos em Inglaterra, na Escandinávia, nos Estados Unidos da América e inclusivamente em palcos de guerra (construíra um via-férrea em plena Guerra da Crimeia). À chegada a Portugal, Peto afirmava nunca ter visto um país onde o cami- nho-de-ferro pudesse operar tantas transformações. No entanto, com ele manter-se-ia o mesmo padrão de actuação dos seus antecessores.

Por esta altura, a improvisada política ferroviária nacional tinha enveredado por um novo cami- nho. Agora, pretendia-se construir um caminho-de-ferro que ligasse a capital do País à capital do Norte. A indecisão do Governo espanhol quanto ao ponto de encontro das redes ferroviárias portu- guesa e espanhola e a suspeição de que Espanha pretendia isolar Portugal do resto da Europa, cons- truindo uma linha de Madrid a Vigo em vez de uma linha de Badajoz a Madrid (assim pensava D. Pedro V, que temia o declínio do porto de Lisboa se Espanha ligasse Vigo à Europa), fez com que o Governo preferisse a construção de uma linha até ao Porto, aproveitando a secção de caminho-de-ferro entretanto construída. Era verdade que Portugal estava dependente de Espanha nesta questão. Con- tudo, a opção de Madrid ficava mais a dever-se a condicionantes internas do que ao desejo de prejudi- car Portugal. MAGDA PINHEIRO54 refere que para esta decisão também contribuiu a acção de Ingla-

terra, que temia que a construção da Linha de Leste pusesse em causa o lucrativo tráfego marítimo que mantinha com Lisboa. ANTÓNIO LOPES VIEIRA55 refuta esta opinião: segundo este autor, com a Linha de Leste, chegariam a Lisboa ainda mais mercadorias, que continuariam a ser transportadas pelas companhias inglesas de vapores (que mais tarde investiriam nas ferrovias portuguesas56); por outro

52 Torres – Caminhos de ferro, pp. 32-33 53

Magda Pinheiro – Investimentos estrangeiros, política financeira e caminhos-de-ferro em Portugal na segunda metade do século XIX.

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Pinheiro – Investimentos estrangeiros, política…

55 Vieira – The role of Britain… Como já vimos, a decisão de construir a Linha do Norte remontava também a cinco anos antes.

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Charles Edward Mangles, John Chapman, Robert Russell Notman e George Bernard Townsend tinham interesses na Royal Mail Steam Packet Company, mas nem por isso deixaram de investir em caminhos-de-ferro no Sul de Portugal (vide

Caminhos-de-ferro nos Debates Parlamentares (1845-1860) Hugo José Silveira da Silva Pereira

lado, o interesse dos ingleses não se esgotava com a construção de caminhos-de-ferro, estendendo-se à manutenção e fornecimento de combustível e material; finalmente, com uma ligação ferroviária a França, Portugal e Inglaterra ficavam a umas meras 48 horas de distância, contra as 96 horas gastas pelo vapor.

Assim, em 8 de Abril de 1857, era assinado, sem concurso, um contrato provisório entre o Governo e Sir Morton Peto para a continuação da via-férrea de Santarém ao Porto (dependente da aprovação parlamentar, da rescisão com a Central Peninsular – pela qual o Estado ficava inteiramente responsável – e da cedência dos trabalhos entretanto realizados por esta companhia). Peto tinha de comprar ao Estado a linha já em operação (e a que faltava construir até Santarém) por 550 000 libras, o que perfazia um total de 11 000 libras por cada um dos 50 quilómetros já construídos57 (um mau negócio, tendo em conta que a compra da linha à Central Peninsular tinha custado ao Estado 13 000 libras por quilómetro). Em 25 de Abril, o Ministro das Obras Públicas, Carlos Bento da Silva, submete a proposta à consideração da Câmara dos Deputados. Em 4 de Junho de 1857, uma carta de lei auto- riza o Governo a contratar com uma companhia representada por Peto a construção da Linha do Norte, ao mesmo tempo que autoriza a indemnização aos accionistas e empreiteiros, a rescisão do contrato feito com a Companhia Central Peninsular e a emissão de títulos de dívida interna de 3% para paga- mento das acções e indemnizações58. O contrato definitivo com Peto seria assinado em 29 de Agosto de 185759, depois da rescisão do contrato com Hardy Hislop em 9 de Agosto. Entretanto, o engenheiro João Crisóstomo de Abreu e Sousa assumira em 9 de Julho, por nomeação do Governo, a direcção de todos os serviços, exploração e construção até Santarém (até Julho de 1859).

Pelo clausulado do contrato, Peto tinha de constituir, até Fevereiro de 1858, uma companhia para construir a linha, tendo os trabalhos de ser iniciados três meses depois, ou seja, até Maio de 1858, no máximo; os trabalhos tinham de estar concluídos em quatro anos e incluíam: a construção de uma ligação em via única (embora preparada para via dupla) de 1,44 m de bitola de Lisboa à margem esquerda do Douro (comprometendo-se depois a companhia a fornecer os meios de ligação ao Porto) e construção de uma estação no Cais dos Soldados em Lisboa. Em contrapartida, a companhia ficava isenta de direitos de importação, podia usufruir da exploração da linha por 99 anos (com direito de resgate por parte do Estado após 30 anos) e recebia uma subvenção quilométrica de 25 contos ou 5 500 libras (que correspondia a metade do orçamentado por Peto). A falência da Central Peninsular tinha colocado em questão a aplicação de uma garantia de juro num país arruinado financeiramente. Com Peto, não se cometeria o mesmo erro. A subvenção quilométrica era tida como menos onerosa e menos exigente em capital no imediato (altura em que as receitas não seriam tão altas), além de que comprometia a companhia na boa construção das linhas, libertando o Estado do trabalho de inspecção (com a garantia de juro, a empresa garantia sempre um rendimento, mesmo se tivesse prejuízo e não tinha assim incentivos para fazer um trabalho de qualidade).

Segundo o embaixador inglês em Portugal, a assinatura do contrato trouxe um sentimento geral de satisfação, porque os portugueses confiavam no nome de Peto para construir o caminho-de-ferro, depois de todos os percalços anteriores.

Como foi referido, o contrato definitivo foi assinado em Agosto de 1857. Contudo, um ano passa- ria até que Peto regressasse a Portugal60. A companhia estava por constituir (a crise comercial europeia de 1857-1858 dificultava a operação) e a construção não avançava para lá da Ponte de Asseca61. Isto,

infra). As empresas de navegação e de caminhos-de-ferro entenderam-se tão bem que se expandiram para o ramo bancário em 1862, ano em que aqueles homens fundaram o Anglo-Portuguese Bank para alargar a Portugal a vantagem de um sistema sólido de sociedade anónima bancária.

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Note-se que os trabalhos continuaram por conta do Governo até à assinatura do contrato definitivo com Peto (ver Anexo XXI). Em 31 de Julho de 1857, o caminho-de-ferro havia chegado já às Virtudes. Por esta altura, porém, continuava a não existir estação em Lisboa (funcionava num edifício do Estado, que não possibilitava o transporte de mercadorias), enquanto que para a estação das Virtudes não existiam estradas de acesso (e o mesmo se poderia dizer para quase todo o caminho-de-ferro). Abreu e Sousa, responsável pela obra, fez ver ao Governo este e outros aspectos, que limitavam o ren- dimento da linha.

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Segundo o acordo feito por Fontes Pereira de Melo. Em inscrições de 3%, 2.412:450$000. Em bonds de 3%, 1 143 000 libras. No total, 1 679 100 libras. Uma vez que os títulos estavam cotados a 50%, os cofres públicos só receberam metade, ou seja, 839 550 libras: 800 mil que correspondiam ao capital da empresa, 39 550 para pagamento aos empreiteiros. No entanto, estes, inexplicavelmente, receberam 43 000 libras.

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No dia anterior, o Rei autorizava por decreto a formação de uma companhia para construir vias-férreas americanas em Angola, acontecimento omisso na historiografia nacional.

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Tendo o Governo concedido uma prorrogação do prazo até 31 de Maio.

61 Aqui tinha chegado em 29 de Junho de 1858. Antes (28 de Abril) tinha sido aberto o troço até à Ponte de Santana, mal- grado a morosidade dos trabalhos. Ver Anexo XXI.

porém, não impediu a emissão de inscrições para o futuro pagamento da subvenção a Peto (lei de 5 de Março). Quando Peto finalmente chega a Portugal, traz consigo a desilusão de não trazer dinheiro algum para iniciar a construção. Em Julho, assume perante o Governo construir as secções do cami- nho-de-ferro de Ponte de Asseca a Tomar e de Pombal até Coimbra e Porto por sua conta (a secção entre Tomar e Pombal, a mais difícil de construir ficaria por edificar até que estivesse constituída a companhia), sem, todavia, indicar como faria a ponte entre Vila Nova de Gaia e Porto (embora esti- masse que a sua construção demoraria dez anos). Previa ainda uma indemnização a pagar pelo Estado, por cada quilómetro construído, caso não conseguisse acabar a obra. Esta proposta nem sequer chega- ria a ser apresentada à discussão pelo Governo. Em Outubro de 1858, Peto (através de Robert Knowles) apresenta nova proposta, bem mais prejudicial que a anterior: alterava o subsídio para um sistema misto que combinava garantia de juro com subvenção quilométrica, revia a cláusula de remis- são e fazia terminar a linha não no Porto, mas sim em Vila Nova de Gaia.

O Governo, na ânsia de dotar o País de caminhos-de-ferro, aceitou estas últimas modificações ao primeiro contrato e apresentou-as às comissões de Fazenda e Obras Públicas em Fevereiro de 1859. No entanto, aquelas comissões e o Conselho de Obras Públicas aconselhavam a recusa das propostas de Peto. Para piorar a situação do Governo, surgem notícias sobre propostas para a construção e explo- ração de caminhos-de-ferro em Portugal. Parte da oposição exigia esclarecimentos; outra parte exigia a rescisão do contrato e a colocação da concessão em hasta pública. Se a situação de Peto já era, no mínimo, desconfortável, a demissão do Governo histórico em Março de 185962 apenas a piorou.

O novo Governo regenerador lança um ultimato ao inglês em 22 de Março de 1859: continuar a construção da linha para lá da Ponte de Asseca e constituir uma companhia até 31 de Maio de 1859. Como Peto não cumprisse, o Governo acabaria por denunciar o acordo em Junho de 1859. Mesmo assim, o Estado português foi forçado a indemnizar Peto63. Segundo L

OPES VIEIRA64, a pressão inglesa

sobre o Governo português foi tal que o empresário seguinte (o espanhol José de Salamanca) não pôde assinar o contrato antes de Morton Peto ver as suas pretensões satisfeitas.

Assim, no final de 1858, a única linha ferroviária nacional era operada pelo Estado e tinha apenas 68 quilómetros de extensão. Mal construída e mal operada, estava órfã de rodovias que lhe levassem passageiros e mercadorias e acabava no meio de nenhures.

3.3.1.5. José de Salamanca e a Real Companhia dos caminhos-de-ferro