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Doutoranda em ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio

No documento Revista Sinais Sociais / Sesc (páginas 121-125)

de Janeiro (IESP/UERJ). Foi pesquisadora visitante na

Universidade de Harvard (2017). Mestre em direito do

Estado e bacharel em direito pela Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo (USP). Pesquisadora associada

do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa

(GEMAA).

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Resumo

Nos últimos anos assistimos a um aumento expressivo de ações afirmativas para ingresso em cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) nas instituições de ensino superior brasileiras. Tais políticas são, contudo, ainda pouco analisadas pela literatura acadêmica, especialmente no que se refere à sua estruturação enquanto políticas públicas. Este trabalho traça um desenho das políticas de ação afirmativa instituídas na pós-graduação de universidades públicas entre o ano de 2002 e o início de 2017. Primeiramente, será analisado o processo que transformou o acesso de grupos desfavorecidos à pós-graduação em tema relevante para a educação universitária, bem como as justificativas apresentadas para a sua instituição. Em seguida, se- rão abordadas as características gerais das políticas. O objetivo é examinar essa política pública dentro de uma perspectiva crítica e com foco na análise da existência de coerência entre o proble- ma social que elas visam mitigar e seus detalhes estruturais. Palavras-chave: Ação afirmativa. Brasil. Pós-Graduação. Ensino superior. Desigualdade.

Abstract

In recent years, we have witnessed a significant increase in affirmative action policies for admission in graduate courses (masters and doctorate) in Brazilian higher education institutions. However, these policies are poorly analyzed by the academic literature, especially with regard to its structuring as public policies. This paper outlines a design of the affirmative action policies instituted at the graduate level of public universities between the year 2002 and the beginning of 2017. Firstly, the process that transformed the disadvantaged groups access to graduate courses in a relevant subject for higher education will be analyzed, as well as the justifications presented for their institution. Then, the general characteristics of the policies will be addressed. The objective is to examine this public policy in a critical perspective and with focus on the analysis of the existence of coherence between the social problem that they aim to mitigate and its structural details.

Keywords: Affirmative action. Brazil. Graduate studies. Higher education. Inequality.

Desde 2003, instituições de ensino superior públicas e privadas de todo o país começaram a instituir políticas de ações afirmativas para negros, indígenas e, ainda, para alunos oriundos de escolas públicas. Tais políti- cas não ficaram restritas aos cursos de graduação, tendo sido adotadas também para ingresso em alguns cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado, doutorado e mestrado profissional) de universidades públi- cas. No entanto, a instituição de ações afirmativas para pós-graduação é pouco conhecida do público em geral e da literatura acadêmica, seja no que toca à justificação dessas medidas ou ao seu ciclo de formulação e implementação. Liliana Garces ressalta que a escassez de trabalhos sobre ações afirmativas na pós-graduação pode decorrer da natureza especializada desse nível educacional, no qual os critérios de admissão variam de acordo com a área de estudo e as fontes de dados sobre a admissão de estudantes são limitadas (GARCES, 2012, p. 9). No Brasil, poucos trabalhos se dedicam a estudar como as ações afirmativas para pós-graduação funcionam na prática e como elas foram estruturadas en- quanto políticas públicas (HOCHSCHILD, 1998, p. 347-350).

Depois de quase dez anos de debate intenso e de contínuo avanço das políticas de ação afirmativa nas universidades brasileiras, tivemos no ano de 2012 dois eventos marcantes: a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal declarando a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa de recorte racial, em resposta à ADPF 186 (Arguição de des- cumprimento de preceito fundamental) que pleiteava a impugnação da política de cotas étnico-raciais para seleção de estudantes da Univer- sidade de Brasília (UnB); e a aprovação da Lei nº 12.711 pelo Congresso Nacional, criando um programa unificado de ação afirmativa aplicável a todo o sistema federal de ensino superior e técnico, para alunos de escola pública, pretos, pardos e indígenas. Tais eventos consolidaram as políticas de ação afirmativa na universidade brasileira, pelo menos no nível da graduação.

O fato de a pós-graduação ter entrado na mira das demandas por igual- dade de oportunidades dos movimentos sociais é uma consequência quase natural do processo de democratização de nossa sociedade, mas também pode estar em parte relacionado à queda histórica da impor-

Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v. 11 n. 34 | p. 119-153 | set./dez. 2018 Anna Carolina Venturini

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tância relativa do diploma de graduação na mobilidade social em nosso país (RIBEIRO, 2016). Tal fenômeno é, na verdade, mundial. Ao passo que a educação vai se democratizando, tornando-se mais inclusiva, o diploma tem seu valor depreciado na competição por postos de trabalho, sim- plesmente porque a própria inclusão causa um aumento do número de diplomados competindo pelo mesmo posto. É um tanto irônico constatar que as chances de mobilidade ascendente diminuem ao passo que mais oportunidades são dadas aos que eram antes excluídos, mas isso certa- mente causa um movimento em busca de outras instâncias produtoras de vantagens relativas na competição por postos de trabalho: a pós-gra- duação é a consequência lógica desse movimento.

Em 11 de maio de 2016, o Ministério da Educação emitiu a Portaria Nor- mativa nº 13, a qual determinou o prazo de noventa dias para que as instituições federais de ensino superior apresentassem propostas para a inclusão de negros (pretos e pardos), indígenas e pessoas com deficiência em seus programas de pós-graduação – mestrado, doutorado e mestrado profissional. Tal fato torna ainda mais necessária a tarefa de analisar e compreender as políticas adotadas pelas universidades e programas de pós-graduação. Trata-se de uma tarefa difícil, visto que, na maioria das instituições brasileiras de ensino superior, os programas de pós-gradua- ção detêm autonomia para definir seus critérios e processos de seleção, o que na prática produz uma grande diversidade de desenho dos progra- mas, com a possibilidade, inclusive, de existirem ações afirmativas com características distintas em uma mesma universidade.

Diante da ausência de um retrato abrangente das ações afirmativas para pós-graduação, o artigo analisa as políticas instituídas pelos programas de universidades públicas por meio do estudo de leis estaduais, porta- rias, resoluções de conselhos universitários, editais de seleção e atas de reunião de conselhos e congregações. Entre outras coisas, o trabalho bus- ca estabelecer quais modalidades de ação afirmativa têm sido adotadas, qual sua forma de instituição, seus principais beneficiários, bem como um perfil das universidades e/ou programas de pós-graduação.

A formulação de políticas públicas envolve uma primeira etapa de reconhecimento da relevância de um problema por parte não somente do governo, mas da opinião pública em geral, ou seja, há um processo de construção de uma consciência coletiva a respeito da necessidade de

enfrentar determinado problema e de quais os propósitos das ações en- cetadas para tal (SOUZA, 2006, p. 29-30; PARSONS, 1995, p. 87). Por isso, este artigo abordará argumentos apresentados pelas universidades e programas estudados, concernentes à criação de políticas de acesso de grupos desfavorecidos à pós-graduação.

O referido processo envolve também a etapa de decisão sobre o que será feito para solucionar o problema, bem como a elaboração da política para realização dos objetivos identificados (THEODOULOU, 1995, p. 88). A fase de implementação mostra-se relevante na análise de políticas públicas, já que, muitas vezes, os resultados reais de determinada política não cor- respondem aos impactos pretendidos na fase de formulação (FREY, 2000, p. 228). É comum que problemas não previstos na fase de formulação sur- jam durante a implementação da política e exijam que os implementa- dores façam adaptações ao desenho original (ARRETCHE, 2001, p. 50-53). Dessa forma, serão abordadas as características gerais das políticas, com uma perspectiva comparativa, de modo a compreender como determina- das escolhas e cursos de ação foram escolhidos por diferentes programas de pós-graduação e universidades (PARSONS, 1995, p. 40).

Portanto, trata-se de uma análise das ações afirmativas para a pós-gra- duação, criadas até o momento de uma perspectiva crítica, com o intuito de verificar a coerência entre o problema social que elas visam mitigar e seus detalhes estruturais, bem como propor contribuições para ampliar seu potencial inclusivo e sua efetividade.

Por muito tempo prevaleceu em nosso país a ideia de que a raça não era um fator gerador de desigualdades sociais e que não havia barreiras para que as pessoas pretas e pardas alcançassem melhores posições so- ciais. Tendo em vista que, no Brasil, a segregação racial e a discriminação não eram sancionadas pelo sistema jurídico tal como na África do Sul e nos EUA, prevaleceu o mito de que a sociedade brasileira seria livre deste grave problema social (GUIMARÃES, 2012, p. 142-148), ou ainda que ela constituiria um ideal de convívio harmonioso entre as raças (MAIO, 1999), por mais paradoxal que essa formulação hoje possa parecer. Ao final da década de 1970, os trabalhos pioneiros de Carlos Hasenbalg e

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