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No documento Revista Sinais Sociais / Sesc (páginas 100-105)

proporção entre as dependências administrativas. Entre 2000 e 2014, as matrículas na educação superior cresceram 190%, alcançando o total de 7,8 milhões. O setor privado teve maior expansão no período (224%) enquanto o setor público cresceu menos (120%). Naquele ano de 2014, o setor federal respondia por aproximadamente 15% das matrículas, as instituições estaduais por 9% e as municipais por 1%. No entanto, em 2014, embora as instituições privadas detivessem praticamente 75% das matrículas, o financiamento público teve grande peso. Argumenta Ristoff:

Se somarmos as 726.334 bolsas hoje ativas do Prouni e do Proies16 aos

2.334.346 de contratos ativos no Fies, teremos um total de 3.060.680 ma- trículas (39% do total das matrículas em instituições privadas) total- mente financiadas pelo poder público federal. Se somarmos a estas as 1.961.002 matrículas públicas, teremos um total de 5.021.682 matrículas (64% do total das matrículas da educação superior), que poderíamos chamar de públicas, porque financiadas com recursos públicos (RISTOFF, 2016, p. 16).

A forte expansão no Brasil ao longo do século XXI faz do país o quinto mercado mundial de educação superior e o maior da região. Apesar do expressivo aumento de matrículas, o país ainda apresenta, em 2014, a taxa líquida17 de 17,7%, inferior à meta projetada pelo primeiro Plano Na- cional de Educação (2001-2010). A taxa bruta de 34,2% em 2014, que inclui estudantes de faixas etárias mais elevadas, revela tanto o sinal positivo de uma retomada do percurso escolar por parte de estudantes mais ve- lhos, quanto traz a marca da indesejada tradição educacional brasileira de cultivar a reprovação como método pedagógico, retardando a conclu- são do ciclo básico. Desse modo, ao longo dos últimos anos a proporção de estudantes com idade de 24 anos ou mais no ensino superior tem-se mantido maior do que a dos jovens na faixa de 18 a 24 anos, indicando um dos grandes desafios para que o país alcance as metas projetadas pelo novo PNE.

Utilizando os dados dos três ciclos do Enade, o estudo de Ristoff mostra como varia a presença de estudantes, de acordo com a renda familiar, ao longo dos ciclos. Assim, pode-se observar que o curso de medicina, no 1º ciclo (2004-2006), contava com 66% dos estudantes originários de famílias de renda superior a dez salários mínimos, quando na socieda- de brasileira esse grupo representa apenas 7% da população. No ciclo seguinte (2007-2009) a proporção cresce para 68,9% e, no terceiro ciclo

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(2010-2012), cai para 34,4%, provavelmente sob o efeito das políticas de ação afirmativa como o Prouni ou aquelas adotadas pelas instituições antes da promulgação da Lei no 12.711. O mesmo comportamento pode ser observado nos demais cursos selecionados, com a redução da pro- porção de estudantes dos grupos de maior renda na sociedade, o que exemplifica um impacto significativo das políticas. Certamente o novo ciclo do Enade (2013-2015) deve trazer dados mais expressivos, uma vez que serão captados os efeitos da Lei de Cotas das instituições federais que, embora alcancem apenas 15% das matrículas, têm peso significativo nos cursos mais concorridos.

Quanto à origem escolar, 87% dos mais de 8,3 milhões de matrículas do ensino médio estão em instituições públicas, sendo a imensa maioria (7 milhões) em colégios estaduais. Os estudantes que respondem ao questionário do Enade informam sua origem escolar e é crescente a pre- sença, na educação superior, de alunos provenientes de escolas públicas: eram apenas 46% no primeiro ciclo e no terceiro ciclo já alcançavam 60% (RISTOFF, 2016, p. 37 e 39), embora sua distribuição pelos cursos man- tenha as hierarquizações identificadas quando se considera a variável renda: menor participação em cursos mais competitivos.

O estudo aponta que as matrículas nos cursos de elevada concorrência ainda são ocupadas majoritariamente por estudantes das escolas pri- vadas de ensino médio, como é o caso da medicina, que, nos três ciclos, tem 9% a 11% de estudantes vindos de escolas públicas, provavelmente escolas técnicas federais. Nos cursos de odontologia, de 17% de estudan- tes de escolas públicas no ciclo 2004-2006, chegamos a 25% no ciclo mais recente. História e pedagogia, que no ciclo inicial partiam de 63% e 71%, respectivamente, mantêm o patamar ao longo do período analisado, com história alcançando 66% e pedagogia 78% de matrículas com origem em escolas públicas no terceiro ciclo.

Do mesmo modo, a escolaridade dos pais impacta diretamente no tipo dos cursos frequentados, confirmando o que foi registrado anteriormen- te: a educação, em especial nos cursos de maior prestigio social, é uma herança. Embora, segundo o estudo de Ristoff, apenas 11% da população brasileira tenha ensino superior completo, nos cursos de medicina, no terceiro ciclo, quando já houve maior ampliação do acesso, a escolari- dade dos pais com educação superior alcança 32% das matrículas, na

odontologia são 22%, em psicologia 18,8%, em direito 35%, na pedagogia 4,7% e 16,6% nos cursos de história.

Do mesmo modo que decrescem as proporções de estudantes de renda superior nos cursos de graduação, cresce a do estudante trabalhador. No ciclo de 2004-2006, 45% dos estudantes informaram que não trabalha- vam durante o curso. No terceiro ciclo, 2010-2012, essa proporção redu- ziu-se para 33,1% (RISTOFF, 2016, p. 50).

Outra variável considerada pelo estudo de Ristoff é a presença dos estu- dantes de graduação segundo a raça/cor e etnia. Nas palavras do autor:

Na graduação brasileira, os estudantes de cor branca têm, no terceiro ci- clo [2010-2012], em média, representação 10 pontos percentuais superior à sua representação na sociedade brasileira. Os estudantes pretos, com 6% de representação no campus, têm 2% a menos do que representam na sociedade brasileira e os pardos, que representam 43% da população brasileira, têm representação média de apenas 24% na graduação, o que significa dizer que é o grupo menos bem representado. Os estudantes de cor amarela representam 2% no campus – o equivalente ao dobro do que representam na população brasileira. O mesmo se observa com relação aos indígenas, que têm representação em torno de meio por cento na população brasileira e de cerca de 1% na graduação brasileira (RISTOFF, 2016, p. 44).

Dois aspectos podem ser desdobrados desses dados: a questão indígena representa um desafio singular pois supõe uma conexão entre a institui- ção de educação superior e as culturas indígenas, uma relação de con- fiança que se constrói no tempo e no respeito às diferenças. Já existem iniciativas sólidas, com processos seletivos específicos, uso das línguas originais e valorização dos saberes de cada cultura (AGUILERA URQUIZA; NASCIMENTO, 2013). A participação de acadêmicos indígenas depende também dos níveis de reconhecimento e compromisso entre os estu- dantes e suas comunidades de origem, de perspectivas de retorno e do trabalho comunitário. E, confirmando a percepção do estudo do Ristoff, em edições recentes do Enem os candidatos que se identificam como indígenas correspondem, proporcionalmente, ao dobro de sua presença na população.

Quanto à distribuição dos estudantes segundo os critérios de raça/cor pelos cursos, o estudo revela desigualdades expressivas. Há um grupo de

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cursos – como arquitetura, design, engenharias, medicina e odontologia, entre outros – cujos estudantes combinam consistentemente os crité- rios: maioria de brancos, renda superior à média da população, origem em escolas privadas de ensino médio, filhos de pais com curso superior. Em outras palavras, mais uma vez as evidências da transmissão inter- geracional de vantagens competitivas: a herança. Se formos analisar a distribuição dos cursos entre instituições públicas e privadas e os indica- dores de qualidade de cursos atualmente disponíveis, as desigualdades de acesso se evidenciam mais ainda.

Outro estudo, conduzido por Maurício Kleinke, chega a conclusões seme- lhantes ao analisar os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) dos estudantes que alcançaram o decil superior nas provas de ciências da natureza e matemática, “na hipótese de que os 10% com me- lhor desempenho no exame disputarão as vagas dos cursos de alto status social, como medicina, engenharias e direito” (KLEINKE, 2017, p. 41). Após considerar as variáveis de origem escolar, escolaridade dos pais e carac- terísticas como gênero e faixa etária, o autor conclui:

Associando-se os efeitos de renda à dimensão escolar, verificamos que um candidato de renda média, que cursou a educação básica na escola pública, quando comparado a um candidato de renda alta, que cursou a educação básica na escola privada, apresenta uma chance oito vezes menor de estar no decil superior (KLEINKE, 2017, p. 48).

O resultado do estudo de Kleinke não considera a variável raça/cor que, como vimos, tem grande peso na estruturação das desigualdades sociais e educacionais. Os dados, no entanto, devem chamar a atenção para a elevada qualidade dos estudantes de escolas públicas que ultrapassam esses obstáculos para alcançar a educação superior em instituições de alta concorrência.

São muitos, portanto, os desafios e obstáculos para o acesso à educa- ção superior por estudantes de escolas públicas, pessoas de baixa ren- da, negros e negras, estudantes do campo e das florestas, de perife- rias urbanas, vilas e favelas. O acompanhamento dessas políticas deve contar com informações que atendam a uma cesta de indicadores tec- nicamente validados, assim como com a participação ativa dos diver- sos atores que respondem pelo sucesso das iniciativas. É preciso criar mecanismos de monitoramento que levem em conta as muitas variá-

veis envolvidas nessas políticas, inclusive para impedir que eventuais fracassos ou dificuldades venham a ser atribuídos justamente àqueles que mais têm se esforçado para desmentir os prognósticos negativos lançados sobre as iniciativas, os estudantes e as estudantes, visto que a questão de gênero também marca desigualdades na educação superior, onde as mulheres são maioria e a diferença em relação aos homens tende a se acentuar.

A Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso) em parceria com o Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LPP-Uerj), com o apoio da Fundação Ford, criou o Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior (GEA-ES) com o objetivo de acompanhar a implantação das políticas de ação afirmativa para o in- gresso na educação superior. O projeto permitiu desenvolver um Centro de Documentação que reúne estudos sobre o tema, no Brasil e na Améri- ca Latina, um clipping diário sobre educação superior e um conjunto de publicações, os Cadernos do GEA e a coleção Estudos Afirmativos.18 Uma das atividades mais relevante do GEA foi a realização de Fóruns de Ação Afirmativa, que ocorreram em dez estados da federação.19 Os Fóruns contaram com a participação de gestores de instituições públicas de educação superior, redes públicas de ensino médio, pesquisadores, estudantes de graduação e de pós-graduação, organizações estudantis, coletivos da juventude e representantes de movimentos sociais, em es- pecial do movimento negro e, em algumas localidades, do movimento indígena, de mulheres e de pessoas com deficiência. Os Fóruns tinham a duração de dois dias e, após uma breve apresentação dos dados relativos à educação superior naquele estado, abria-se o diálogo entre os presen- tes, de modo a captar expectativas, interesses, obstáculos e inovações na implementação das políticas.

Os diálogos realizados nos Fóruns de Ação Afirmativa permitiram identi- ficar um conjunto de desafios que, embora possam variar de acordo com cada estado, registram traços comuns:

O projeto Grupo Estratégico de Análise

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