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Indicadores da desigualdade: cenários de exclusão e discriminação no mercado de trabalho

No documento Revista Sinais Sociais / Sesc (páginas 58-62)

p. 15). Toda sorte, em que pese os diferentes métodos empregados na análise de base de dados nacionais desagregados por “cor/raça”, têm sido evidente a constatação dos perfis de desigualdade e discriminação na comparação da realidade socioeconômica de brancos e afrodescenden- tes na sociedade brasileira. Destacamos alguns desses estudos e análises para aspectos que envolvem características e relações típicas do merca- do de trabalho – ocupação, desemprego, salários, posição na ocupação, cobertura previdenciária e sindicalização, entre outros.

A mensuração da discriminação e da diferença de características produ- tivas no mercado de trabalho tem contado com inúmeras contribuições relevantes, especialmente de economistas como Crespo e Reis (2004), Matos e Machado (2006), Miro e Suliano (2009), Chadarevian (2011), Fiuza- -Moura (2015), Castro e Stamm (2016). Esses estudos têm incorporado de forma muito adequada análises sobre diferenciais de gênero e raça, re- gistrando particularidades dos diferenciais de participação de mulheres negras e brancas no mercado de trabalho. Nessa sessão, selecionamos estudos cuja base de dados tem por referência as três últimas décadas. Em outras palavras, essas análises iluminam distintos períodos históri- cos e identificam a permanência da desigualdade e da discriminação, en- tremeadas por alterações não substantivas na condição de participação de afrodescendentes e brancos na estrutura ocupacional, reforçando o argumento de que ainda há muito a ser feito para transformar as rela- ções e os ambientes de trabalho no Brasil.

Os estudos demonstram, por exemplo, que a desigualdade de rendimen- to, traduzida em diferenças salariais, não é um mero reflexo da hetero- geneidade educacional entre brancos e afrodescendentes ou mesmo da segregação ocupacional que marca a inserção subordinada da população negra no mercado de trabalho. Por exemplo, Guimarães (2006) utilizou vários modelos econométricos para explicar as diferenças salariais en- tre brancos e afrodescendentes, controlando distintas variáveis a fim de verificar se a cor seria fator determinante na formação de salários – ca- racterísticas pessoais, características do mercado de trabalho e caracte- rísticas regionais.11 Entre os inúmeros achados na manipulação acurada dessas variáveis, a autora concluiu que 30% das desigualdades salariais entre brancos e negros no Brasil, no ano de 2002, se referem à discrimi- nação do mercado de trabalho – remuneração distinta de trabalhadores

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Augusto, Ferro e Roselino (2015) também estão entre aqueles que utili- zaram métodos de mensuração mais sofisticados para suas análises.12 A partir da base de dados da PNAD de 2002 e 2012, os autores utilizaram o método Oaxaca-Blinder para mensurar o diferencial de salário médio au- ferido por trabalhadores do sexo masculino brancos e afrodescendentes. O resultado surpreende por sua magnitude. Em 2002, 39% da diferença entre os salários de brancos e o salário de pretos e pardos era explicada pelas características dos trabalhadores – ou seja, deixaria de existir se pretos e pardos tivessem as características dos brancos – e aproximada- mente 44% da diferença salarial era residual ou não explicada, e portanto pode ser atribuída ao efeito de discriminação entre os grupos. Já em 2012, a parte explicada correspondia a 30% da diferença salarial e a parte não explicada a cerca de 53% (AUGUSTO, FERRO, ROSELINO, 2015, p. 19). É interessante observar que no período analisado, de 2002 a 2012, o país atingiu marcas surpreendentes no mercado de trabalho – reduziu as ta- xas de desemprego, ampliou a formalização de atividades produtivas, re- cuperou o valor do salário mínimo e os trabalhadores afrodescendentes avançaram em características determinantes de salários, aproximando- -se daquelas observadas em seus congêneres brancos em termos de es- colaridade e ocupação. No entanto, isso não foi suficiente para reduzir as desigualdades salariais entre esses dois segmentos de trabalhadores, muito ao contrário. Os autores são claros em suas conclusões sobre “a existência de expressiva discriminação por cor no mercado de trabalho” porque “embora o diferencial de salários tenha se reduzido no período estudado, a parte que corresponde à discriminação aumentou proporcio- nalmente, passando de 39% para 53% do diferencial de salários observa- do” (AUGUSTO, FERRO, ROSELINO, 2015, p. 20). Indo mais além, os autores concluem também pela complexidade da questão racial brasileira e, em especial, suas implicações no universo produtivo, porque:

[...] ainda que a população negra tenha tido acesso ampliado aos fa- tores que são associados às melhores oportunidades de inserção no mercado de trabalho, [verifica-se] a persistência de um componente da desigualdade que não pode ser explicado pelas variáveis selecionadas,

sugerindo que os mecanismos perpetuadores da desigualdade racial permanecem presentes em nossa sociedade (AUGUSTO, FERRO, ROSE- LINO, 2015, p. 20).

É fato que a história brasileira recente experimentou a adoção de políticas sociais e econômicas particularmente importantes para a população afro- -brasileira – redução da pobreza, ampliação da escolaridade, acesso ao crédito, entre outras. Vários estudos apontam que a adoção de políticas universalistas combinadas com políticas afirmativas pode contribuir de forma exitosa para a redução das desigualdades socioeconômicas entre brancos e afrodescendentes no país. No que diz respeito à inserção e par- ticipação no mercado de trabalho, esse caminho parece ser particular- mente importante. Afinal, como observa Guimarães, “o mercado de traba- lho é considerado o principal canal de transformação das características individuais – natas ou adquiridas – em renda” (GUIMARÃES, 2006, p. 23). A importância do trabalho na redução das desigualdades sociais tam- bém aparece bastante evidente em estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o qual mostra que o Brasil atingiu, em 2011, “seu menor nível de desigualdade de renda desde os registros nacionais iniciados em 1960” (IPEA, 2012, p. 8) e que essa redução se deve, em uma análise decomposta, a diversas fontes de renda registradas na Pesquisa por Amostra de Domicílios (PNAD): “Trabalho (58%), Previdência (19%), Bolsa Família (13%), Benefício de Prestação Continuada (BPC) (4%) e Outras Rendas (6%) como aluguéis e juros. Ou seja, a maior parte da queda da desigualdade se deveu ao efeito da expansão trabalhista obser- vada, o que confere sustentabilidade ao processo redistributivo assumi- do. Sem as políticas redistributivas patrocinadas pelo Estado brasileiro, a desigualdade teria caído 36% menos na década” (IPEA, 2012, p. 8). Tais conclusões fortalecem a preocupação sobre a dinâmica do mercado de trabalho em si e o seu potencial, ou não, de absorver os/as afrodescen- dentes em suas fileiras. Essa perspectiva fica mais evidente em Soares (2008) que chamará atenção sobre esse assunto a partir desses efeitos sobre os afro-brasileiros. Segundo o autor, a redução da desigualdade de renda entre afrodescendentes e brancos, entre 2001 e 2007, se deve, prin- cipalmente, aos efeitos das políticas de proteção social e dos mecanis- mos de transferência de renda.

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lação negra é o avanço da ação do Estado em termos das políticas distri- butivas. A mobilidade social do negro, ou seja, sua ascensão relativa ao conjunto da sociedade, mantém-se em patamares residuais. Não houve alteração do quadro de oportunidades no mercado de trabalho, principal fonte de renda e de mobilidade social ascendente (SOARES, 2008, p. 128).

Assim, e não por acaso, alterar a dinâmica de empregabilidade, garan- tir a inclusão dos/as afro-brasileiros/as em segmentos mais dinâmicos e de maior renda no mercado de trabalho e demover as barreiras que impedem a equalização dos ganhos salariais são medidas imperiosas à elevação dos padrões e da qualidade de vida desse segmento da popula- ção brasileira. As imperfeições e situações de discriminações apontadas nos estudos acima citados revelam que agentes públicos e privados de- vem operar medidas e procedimentos que assegurem mudanças efetivas nesse cenário. E isso porque, em última instância, são eles os principais responsáveis por organizar e dinamizar setores da economia, incluindo as suas relações de trabalho. As organizações do movimento têm denun- ciado, reiteradamente, esse padrão de desigualdade e discriminação. O Estatuto da Igualdade Racial também explicitou essa preocupação ao destacar a responsabilidade do poder público na adoção de medidas que promovessem a igualdade de oportunidades na esfera pública por meio, inclusive, do estabelecimento de legislação específica (BRASIL, 2010, Art. 38, § 2º). Nesse sentido, como veremos, a Lei nº 12.990/2014, que estabe- lece reserva de vagas aos afrodescendentes nas situações de ingresso no serviço público federal, é uma resposta a essa orientação.

Desde o início dos anos 2000, é possível registrar iniciativas sistemáticas de implantação de políticas de ação afirmativa destinadas aos afro-brasi- leiros/as, inclusive no mercado e relações de trabalho. Entre essas ações, temos o II Plano Nacional de Direitos Humanos (II PNDH), lançado em 2002, por exemplo, que dedica 27 parágrafos a medidas especialmente destinadas a esse segmento da população brasileira. Programaticamente, o II PNDH foi elaborado como política pública governamental destinada a orientar a atuação de agentes públicos nas esferas federal, estadual

Políticas de ação afirmativa e tentativas

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