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Panorama das ações afirmativas na pós-graduação

No documento Revista Sinais Sociais / Sesc (páginas 128-131)

levando em consideração critérios de gênero, raça/etnia e exclusão social (SANTOS, 2010; UNBEHAUM, LEÃO, CARVALHO, 2014).

Contudo, é somente a partir de 2012 que começa a surgir um número maior de ações afirmativas para ingresso em cursos de pós-graduação. Em 2012, o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacio- nal (PPGAS-MN) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) aprovou uma “política de acesso afirmativo”, que se tornou referência no debate sobre ações afirmativas para pós-graduação. A política foi instituída em resposta a demandas de um coletivo de alunos em razão da baixa pre- sença de estudantes negros e indígenas no corpo estudantil do programa. A primeira proposta de “política de acesso afirmativo” do PPGAS-MN foi apresentada em 2007 pelo coletivo de alunos à coordenação do pro- grama. Ela sofreu modificações ao longo dos anos, e foi apresentada novamente em 2012 e aprovada com modificações pelo colegiado do programa no mesmo ano (UFRJ, 2012). Trata-se de uma política interna que contou com a participação de discentes, docentes e especialistas e que resultou na alteração dos critérios e dos procedimentos para sele- ção dos estudantes de mestrado e doutorado do PPGAS-MN, de modo a possibilitar o acesso de grupos historicamente excluídos: negros (pretos e pardos) e indígenas.

Vale destacar, ainda, que até o momento há apenas uma legislação es- tadual que determina a criação de ações afirmativas em cursos de pós- -graduação. Trata-se das leis estaduais nº 6.914/2014 e 6.959/2015, decor- rentes do Projeto de Lei nº 694/2011, de autoria do deputado estadual Zaqueu Teixeira (ex-PT,4 atual PDT5), e que se aplica às universidades mantidas pelo Estado do Rio de Janeiro.6 A Lei Estadual nº 6.914/2014 de- termina que todas as instituições públicas estaduais de ensino supe rior deverão instituir o sistema de cotas para ingresso nos cursos de pós- -graduação, incluindo mestrado, doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento, entre outros. É uma política pública que impacta dire- tamente os processos de seleção dos programas de pós-graduação ao re- servar vagas para determinados grupos, mas não altera a estrutura nem elimina fases dos processos de admissão (RIO DE JANEIRO, 2014).

Até o momento, nossa pesquisa encontrou 41 iniciativas voltadas para a pós-graduação,7 sendo que 33 decorreram de decisões dos programas de pós-graduação e oito de leis estaduais ou resoluções do Conselho

Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v. 11 n. 34 | p. 119-153 | set./dez. 2018 Anna Carolina Venturini

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Universitário válidas para todos os cursos de pós-graduação de uma determinada universidade. Percebe-se, portanto, que mais da metade das políticas de ação afirmativa atualmente existentes decorrem de ini- ciativas dos próprios programas de pós-graduação.

Fonte: Elaboração da autora.

Além das políticas criadas pelos próprios programas, há também casos em que o colegiado de um instituto composto por vários programas de pós-graduação aprovou a criação de ações afirmativas, mas cada pro- grama teve autonomia para escolher a modalidade a ser adotada, os beneficiários e os ajustes feitos em seus editais de seleção. O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade de Campinas (Unicamp), por exemplo, aprovou o princípio das ações afirmativas em reunião do colegiado realizada em 11 de março de 2015, mas a especifi- cação da política e sua execução ficaram dentro da esfera de autonomia de cada programa de pós-graduação vinculado ao IFCH.

[...] 1 - A Congregação acatou o princípio e a regra de cotas nos Progra- mas de Pós-Graduação (aprovado, com três abstenções); 2 - O documento apresentado pela Frente Pró-Cotas é base para discussões e decisões de- partamentais quanto à aplicação da ação afirmativa em cada Programa de Pós (aprovado por unanimidade) e; 3 - Os Programas devem se orga- nizar de modo que o princípio de cotas esteja plenamente em vigor no próximo exame de seleção (aprovado, com cinco abstenções) (UNICAMP, 2015). 0.00% 60.00% 50.00% 40.00% 30.00% 20.00% 10.00% Decisão do programa 56.10% 19.51% Decisão do colegiado do instituto 7.32% Lei estadual 7.32% Incentivo Fundação Ford/FCC Resolução da universidade 9.76%

GRÁFICO 1: Proporção de iniciativas voltadas para o ingresso na pós-graduação conforme a forma de instituição

Outro aspecto relevante é que algumas das políticas encontradas foram criadas em 2016 e mencionam expressamente a Portaria Normativa no 13 do Ministério da Educação (MEC) (BRASIL, 2016b). Portanto, apesar do encerramento8 do grupo de trabalho criado pela Portaria MEC nº 929/2015 e pela Portaria Capes nº 149/2015 (BRASIL, 2015b, 2015a) para analisar e propor mecanismos de inclusão de estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas e estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, em programas de mestrado, é pos- sível sustentar que a mencionada Portaria Normativa n° 13 contribuiu para a criação de políticas afirmativas para pós-graduação.

A partir da análise dos documentos e informações disponibilizados pe- las universidades e programas de pós-graduação que adotaram ações afirmativas, foi possível identificar diversos argumentos usados para justificar a adoção de tais medidas. Uma análise prévia mostra que se encaixam perfeitamente nas categorias de justificação principais iden- tificadas pela literatura (FERES JÚNIOR, 2006; SILVA, 2006), conforme ve- remos adiante.

O argumento da reparação é recorrente na justificação de políticas com- pensatórias, especialmente as que beneficiam negros e indígenas, e seus defensores sustentam ser necessário recriar o padrão distributivo que tais indivíduos teriam obtido caso a discriminação contra eles não tives- se ocorrido (SABBAGH, 2007, p. 22). A reparação por discriminação histó- rica foi um dos argumentos que dominou a justificação das ações afirma- tivas nos EUA na primeira metade da década de 1960 e que tinha como fulcro normativo a ideia, presente no discurso do presidente Lyndon B. Johnson aos formandos da turma de 1965 da Howard University, de que não bastava a garantia de igualdade formal entre os indivíduos após a abolição da escravatura, sendo necessária a criação de medidas que pro- porcionassem uma igualdade substantiva e real (FERES JÚNIOR, 2006, p. 48-49). Tal discurso possui elementos de justiça social que permitem reconhecer que a igualdade formal pode, em alguns casos, servir como empecilho para a realização da igualdade de fato, bem como permitem que as diferenças entre os indivíduos sejam encaradas como produto das

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