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Flacso e do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj, com apoio da Fundação Ford.

No documento Revista Sinais Sociais / Sesc (páginas 87-90)

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Resumo

O Brasil ostenta desigualdades entre distintos grupos populacionais, inclusive entre a população branca e não branca. As políticas de ação afirmativa para o ingresso em instituições de educação superior são um instrumento de promoção de igualdade de oportunidades. Essas iniciativas modificaram o quadro de restrição ao acesso à educação e incluíram no nível superior estudantes de escolas públicas, negros e negras e pessoas de baixa renda, embora a questão indígena ainda demande atenção específica. O que ainda precisa ser feito? Neste artigo, vamos tentar responder a essa pergunta com base nas expe- riências coletadas nos Fóruns de Ação Afirmativa nos estados da federação. Foi proposto ao Ministério da Educação (MEC) a criação do Observatório da Lei de Cotas, com o objetivo de lidar com os desafios objetivos e subjetivos para a implementação da Lei. A situação política do Brasil após a mudança de governo em maio de 2016 trouxe preocupações sobre a continuidade das iniciativas de democratização do acesso à educação superior no país.

Palavras-chave: Ações afirmativas na educação superior. Educação e desigualdades. Lei de cotas.

Abstract

Brazil shows inequalities between different population groups, including between the white and non-white population. The affirmative action policies for admission to higher education institutions are an important instrument to promote equal opportunities. These initiatives have modified the framework of access restriction to higher education and have included students from public schools, African descendants, and low-income people, although the indigenous issue still requires specific attention. What still needs to be done? In this article, we will try to answer this question based on the experiences gathered in the Affirmative Action Forums in the states of the federation. It was proposed to the Ministry of Education (MEC) the creation of the Law on Quotas Observatory, a proposal to deal with the objective and subjective challenges of implementing the law. The country’s political situation after the government change in May 2016 raised concerns about the continuity of initiatives to democratize access to higher education in the country.

Keywords: Affirmative action in higher education. Education and inequalities. Quota law.

A desigualdade é um traço marcante na organização da sociedade bra- sileira. O mais correto é falar em desigualdades, visto que as distâncias entre grupos são notáveis em diversos aspectos da vida cotidiana, des- de os rendimentos do trabalho, os locais e condições de habitação até o acesso a direitos, bens e serviços universais, como a educação e a saúde, incluindo a participação e representação política.

A transformação dessa condição estrutural, se desejada, não é tarefa fácil nem rápida. Análises de largo prazo anotam as mudanças, em velo- cidades desiguais, que transformam o cenário brasileiro, lento quando se trata da distribuição de renda, mais rápido na urbanização e no acesso à energia elétrica, por exemplo. Os estudos alertam para os diferentes fatores que estruturam nossas desigualdades assim como para as dife- renças entre os diversos grupos sociais que vivem as condições subalter- nas na distribuição de bens, serviços e no exercício de direitos.

Um balanço recente dos dados censitários das décadas de 1960 a 2010 (ARRETCHE, 2015) aponta importantes avanços em diversos aspectos da vida em nosso país: na participação política, no acesso aos serviços de saúde, nas conquistas dos direitos das mulheres e também, ainda que tímida, na redução das desigualdades de renda que, apesar desses avanços, ainda organizam a sociedade brasileira. Corretamente o balanço refere-se a “desigualdades”, lembrando que não é automática a equação que pretende estabelecer relações de causalidade entre avanços eco- nômicos e redução de desigualdades. Em sua introdução ao estudo das trajetórias das desigualdades, a organizadora da coletânea, Marta Arretche, observa:

No mundo social, existem múltiplas desigualdades: entre pobres e ricos, entre mulheres e homens, entre categorias das raças, as quais, por sua vez, se manifestam na renda, no acesso a serviços, na participação polí- tica. Na verdade, a centralidade da renda nos estudos comparados sobre desigualdade está mais associada à disponibilidade dos dados do que ao fato de que esta seja a única dimensão relevante. O fenômeno da desi- gualdade é muito mais complexo do que apenas sua dimensão monetá- ria (ARRETCHE, 2015, p. 6).

O período da ditadura civil-militar (1964-1985) produziu elevadas taxas de crescimento econômico e não foi capaz de reduzir dimensões das

Sinais Sociais | Rio de Janeiro | v. 12 n. 34 | p. 85-117 | set./dez. 2018 André Lázaro

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desigualdades brasileiras. Pelo contrário, no período aumentam as de renda e as relativas ao acesso a bens e serviços entre grupos sociais e regiões do país. É com a democracia dos anos 1990 que se estanca o aprofundamento das desigualdades herdadas e agravadas no período do regime autoritário. No entanto, comenta Arretche:

A trajetória de longo prazo das desigualdades no Brasil revela que não há determinismo – econômico ou político – nesse processo. Políticas importam! Mais que isso: deslocamentos nos padrões de desigualdade requerem políticas implementadas por um longo período de tempo (ARRETCHE, 2015, p. 7).

Nesta longa trajetória, é possível identificar que os avanços educacio- nais se irradiaram para diversas dimensões da vida social. Se conside- rada isoladamente, há evidências de que a educação é o fator que mais impacta a inserção no mercado de trabalho e na participação política das pessoas. É possível acompanhar o crescente acesso de crianças e jovens – considerando as variáveis de renda, gênero, localização, raça/ cor – a mais elevados níveis educacionais. Em 1960, apenas 10% dos que ingressaram no ensino fundamental completaram oito anos de estudos; já em 2010 esse valor alcançava 70%, um avanço expressivo, insuficiente, no entanto, para superar constrangimentos que ainda excluem partes expressivas de nossa população do pleno direito à educação.

Se na metade do século XX o acesso à educação estava restrito aos níveis iniciais, na primeira década do século XXI fatores socioeconômicos – origem rural, renda familiar, cor, sexo e escolaridade dos pais – impõem limites à progressão aos níveis mais elevados de escolaridade. E per- manece sendo verdade que a origem social tem forte influência no acesso à educação e no desempenho escolar, do mesmo modo que grupos mais escolarizados alcançam melhores resultados de renda e satisfação na vida.

A análise de longo prazo, portanto, recomenda que a educação seja uma política prioritária para que o país reduza as desigualdades em diversas dimensões e, mais ainda, que as políticas que têm a educação como foco sejam monitoradas, avaliadas e aprimoradas ao longo do tempo para en-

No documento Revista Sinais Sociais / Sesc (páginas 87-90)