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Estaremos realmente no umbral de uma nova era? Não, responde Giddens, o que acontece é que estamos alcan-

No documento Em busca da boa sociedade (páginas 121-126)

çando um período em que as conseqüências da Modernidade estão-se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes. Segundo o autor, após a euforia do progresso, começamos a perder a sua crença, pois o lado sombrio, potencialmente destrutivo das forças de produção e do despotismo – que eram características atribuídas à sociedade pré-moderna – hoje reaparece.

Sim, diz o socialista Kurz (1992), estamos entrando em uma era de trevas, caos e decadência, em direção a uma sociedade pós- -catastrófica. O mundo do suposto triunfo capitalista é para ele uma visão de terror, de extermínio de massas, de darwinismo social, de guerra civil mundial, de fundamentalismo, de lixo ecológico, de colap- so dos mercados financeiros internacionais, de criminalidade e máfia crescentes. As coisas hoje teriam piorado de tal maneira que o que agora faz sofrer as massas do Terceiro Mundo não é mais a exploração capitalista, mas, ao contrário, a ausência dessa exploração.

Segundo o historiador inglês marxista Hobsbawm, estaríamos assistindo ao eclodir de uma nova barbárie, configurada pelo aumento da distância entre ricos e pobres (com a expansão da chamada “under-

class, ou os párias desclassificados, desqualificados), pelos racismos

e guerras étnicas e pela crise ecológica. O “curto século XX” (para ele nos limites de 1914–1990),16 que assitiu a duas guerras mundiais, à instauração e à derrocada do poder comunista, à dissolução de vas- tos impérios coloniais, trouxe também a hegemonia do pensamento neoliberal, desmantelador do Estado de bem-estar, novas rivalidades, instabilidades agudas e um vácuo moral de indiferença em relação aos seres humanos que não se encaixam no capitalismo, além da ameaça real da destruição da biosfera.

Notas

1 O Absolutismo significou o enfraquecimento dos nobres (pelo crescimento

da economia urbana, pelas Cruzadas (1086–1244), pela Peste Negra, pela Guerra dos 100 anos (de 1337–1453, da França contra a Inglaterra). Foram defensores do Absolutismo Maquiavel (1469–1527), Hobbes (1588–1769) e Grotius (1583–1645). Le Bret, Bodin, Bossuet (a política segundo a sagrada escritura) também defenderam na época o aspecto sagrado da autoridade do monarca. Na Inglaterra, o poder absoluto de Henrique VIII (1509–1547), de Elisabeth I (1558–1603), da dinastia Tudor cedeu espaço para a dinas- tia Stuart de Jaime I (1603–1625) e de Carlos I (1625–1649), que terminou por reconhecer a burguesia como “gentry” (pequena nobreza). De 1642 a 1649 – época do Protetorado de Cromwell – houve a revolta puritana dos round-heads do Parlamento contra o rei. Mais tarde, com a Revolta Glorio- sa de 1688–1689, a gentry, a burguesia, triunfou, significando a vitória do liberalismo contra o Rei.

2 A época definida como Renascimento – de 1300 a 1630 – pode ser vista, na

verdade, como a culminação de uma série de renascimentos, cujo início pode ser localizado no século XI, buscando reviver a cultura pagã: otimismo, interesses terrenos, hedonismo, naturalismo, individualismo e humanis- mo, em oposição ao divino e extraterreno, valores até então dominantes. O Renascimento foi influenciado pelo comércio, pela cultura sarracena e bizantina, pelo surgimento da imprensa em 1454, com a invenção dos tipos móveis. Revolução Comercial (1400-1700): viagens ultramarinas e expansão do crédito, surgimento dos bancos.

3 A Reforma Protestante (1517) foi uma rejeição ao cristianismo do século

XIII, contra os abusos da igreja católica e avenalidade religiosa. Ela se po- tencializou com o nacionalismo germânico, com a oposição dos príncipes ao supranacionalismo papal e com as ambições da nova classe média – a burguesia; no seu contexto surgiu uma revolta camponesa dos anabatistas de T. Münzer, pregadores do igualitarismo e que buscavam a Nova Jeru- salém, movimento ao qual Lutero se opôs. Através da Dieta de Worms, em 1521, Lutero confirmou suas teses, defendeu a secularização dos bens da Igreja e apoiou a repressão aos camponenses revoltosos. Em 1530, a Dieta de Augsburgo apresentou o credo luterano, que abolia o celibato, negava a autoridade papal e colocava a Igreja sob a autoridade do governo. A Re- forma Protestante se espalhou com Calvino, em 1536 (Calvino 1509 –1564), na Suíça (Genebra se torna a Roma do Protestantismo), com a instituição da igreja anglicana por Henrique VIII na Inglaterra (revoltado contra o papa Clemente VII), com o presbiterianismo de João Knox na Escócia, em 1557, e com os huguenotes na França. A reação da igreja católica foi o Concílio de Trento, em 1545, e o belicismo jesuítico dos soldados da fé, companhia criada em 1534.

4 O marco cronológico aqui não pode ser exato; Giddens provavelmente

destacou como marco a Revolução Gloriosa inglesa de 1688, que promoveu a queda do Absolutismo e o início do Parlamentarismo, mas poderíamos recuar mais: até o século XVI, com a Revolução Científica de Copérnico, Kepler e Galileu; ou ao século XV, para incluir no pórtico da Modernidade as Grandes Navegações e a revolução cultural da Renascença; ou mesmo retroceder até o século XIV, com o início do Mercantilismo etc. É reconhe- cidamente aceito, entretanto, que a Modernidade é fruto de um processo longo de revoluções (comercial, científica, cultural, política, industrial etc.) que açambarca também a Revolução Francesa do século XVIII com seus

ideais de igualdade, liberdade e fraternidade e as revoluções socialistas do século XIX e XX.

5 O mundo moderno se explica a partir do Racionalismo e do Empirismo

do século XVII: a razão e não a revelação, como a única fonte da verdade. Conforme mote de Diderot, os problemas estariam resolvidos quando o último rei fôsse estrangulado com as tripas do último padre.

6 Sobre a diferença entre Modernidade e modernização, destaque-se a fala

do jurista Raymundo Faoro, na qual este aponta para as trapaças nas quais caímos quando confundimos as duas coisas. Segundo ele, a Modernidade é o encontro das nações consigo próprias, levadas pelo que chama de uma “lei natural de desenvolvimento” inspirada em Marx. Já a modernização é a perseguição à realização de um paradigma, é decretada de forma vo- luntarista pelas classes dirigentes, e exclui segmentos cada vez maiores da sociedade dos avanços que organiza e promove. Sem participar das mudanças, o povo as sofre. Para Faoro, a modernização implica perda da soberania popular. (Ver artigo de Antônio Carlos Prado, em Isto é nº 1175, de 8/4/92, sobre palestra do jurista Raymundo Faoro no Instituto de Estudos Avançados, da USP em 31/3/92).

7 Ver HOBSBAWM (1992, 1995) e BLACKBURN (1992). 8 Ver SANTOS, M. (2001).

9 Cf. ADORNO; HORKHEIMER, 1985.

10 CF. MARTINS (1994). Segundo este autor, as grandes mudanças sociais e eco-

nômicas do Brasil contemporâneo não estão relacionadas com o surgimento de novos protagonistas sociais e políticos, portadores de um novo projeto. As mesmas elites responsáveis pelo patamar de atraso protagonizaram as transformações sociais. Entre nós, o discurso sobre cidadania é mais forte que a pseudocidadania que temos; os clamores da sociedade civil são mais visíveis que a sociedade civil. Todas as grandes pressões sociais de fortes possibilidades transformadoras, a partir da Segunda Guerra Mundial, diluíram-se em projetos e soluções exatamente opostos aos objetivos das lutas sociais, daí sua “sociologia da história lenta”, propondo-se a distinguir no contemporâneo a presença viva e ativa de estruturas fundamentais do passado.

11 Em texto emblemático de 1784, intitulado “O que é esclarecimento?”

(“ Aufklärung”, que pode ser traduzido por Iluminismo, Esclarecimento, Maioridade), Emanuel Kant (1724–1804), retomando o lema renascentista

“sapere aude” (ouse saber) define o Iluminismo como a saída do ser humano, pelo conhecimento, da sua minoridade, isto é, da sua não-emancipação, da sua incapacidade em fazer uso da sua razão, que implica em falta de decisão e falta de coragem para pensar e agir. A minoridade, a dependên- cia em relação aos outros, é confortável e, portanto, as pessoas assim se mantêm. No plano coletivo, buscar a maioridade, o esclarecimento implica não ser guiado, tutelado, o que pressupõe liberdade política como variável necessária.

12 Sociólogo francês (1930 – 2002).

13 Entrevista a Rita Tavares, Jornal do Brasil, 21 de abril de 1996. 14 Jürgen Habermas, filósofo alemão, nascido em 1929.

15 O Fórum Social Mundial, tendo já realizado cinco encontros em Porto Ale-

gre e em Bombaim, contraponto ao Fórum Econômico dos ricos em Davos, seria um exemplo da invenção de novas e minirracionalidades (ver capítulo sobre Cidadania e Participação).

cidadania, ParticiPação E EmanciPação

O homem que está isolado, o que é incapaz de participar dos benefícios da associação política, ou que não necessita participar por ser auto- -suficiente, não pertence à pólis e é, portanto, um animal ou um deus.

Aristóteles

Os direitos de cidadania são históricos, caracte- rizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e são graduais, não vindo todos de uma vez nem de uma vez por todas.

Norberto Bobbio

As grandes mudanças da sociedade acontecem quando uma ou duas pessoas conscientes agem.

Michael Moore

Cidadania, liberdade, democracia, Estado de direito, tais são os elementos políticos constitutivos da Modernidade. Mas, o que é

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