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Fase de implementação das recomendações do painel ou do Órgão Permanente

2 HISTÓRICO ACERCA DA INSTALAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA

4.2 SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL

4.2.2 Funcionamento do sistema de solução de controvérsias da OMC

4.2.2.4 Fase de implementação das recomendações do painel ou do Órgão Permanente

Busca-se nessa fase o cumprimento da decisão tomada pela OMC. Esse cumprimento, na verdade, é crucial para se assegurar a efetiva solução das controvérsias em benefício de todos os Membros.477 Nessa fase, o Membro

interessado “deve ajustar sua legislação interna e/ou suas políticas comerciais às decisões do relatório”.478

Nesse sentido pondera Barral:

É importante esta observação: a decisão do OSC não tem caráter reparatório, nem de penalização do Membro que eventualmente tenha transgredido as normas da OMC por meio de uma medida nacional. O objetivo fundamental da fase de implementação, e da eventual suspensão de vantagens, é forçar o Membro a cumprir a decisão, tornando sua legislação interna compatível com as obrigações que assumiu no âmbito da OMC.479

475 ESC, Artigo 17:14.

476

KLOR, Adriana Dreyzin de et al. op. cit., p. 41. 477

ESC, Artigo 21:1.

478 VARELLA, Marcelo D. op. cit., p. 426.

Salienta-se que o modo de implementação dessa decisão caberá ao próprio Membro interessado que deverá informar ao OSC suas intenções quanto ao cumprimento das recomendações e decisões.

Após a informação prestada pelo Membro interessado acerca do cumprimento das recomendações e decisões, abre-se um período, denominado de “período razoável”, para que esse Membro efetue a implementação das ações propostas.

Esse período pode ser:

a) indicado pelo próprio Membro interessado – necessita-se, nesse caso, da aprovação pelo OSC;

b) acordado mutuamente pelas partes na controvérsia dentro de quarenta e cinco dias a partir da data da adoção das recomendações – caso não haja a aprovação pelo OSC descrita no item anterior;

c) determinado mediante arbitragem compulsória (fase da arbitragem a ser comentada no item 4.2.2.5) dentro de noventa dias após a data de adoção das recomendações e decisões – caso não haja o acordo mútuo previsto no item anterior. Ressalta-se que, neste caso, se prevê, no ESC, um basilador do prazo a ser proposto pelo árbitro, qual seja: quinze meses da data de adoção do relatório do painel ou do Órgão de Apelação. No entanto, “tal prazo poderá ser maior ou menor, dependendo das circunstâncias particulares”.480

Acerca desse período razoável, Barral conclui: “na prática, este período vem variando entre 3 a 15 meses”.481

Questiona-se então: e se a medida proposta não for cumprida, no prazo razoável, pelo Membro interessado? O que poderá ser feito pelo Membro reclamante?

Nesse caso, deve-se iniciar consultas entre Membro reclamante e interessado na tentativa de se estabelecer compensações aceitáveis.482 Caso isso não ocorra,

num prazo de vinte dias seguintes à data da expiração do prazo razoável, o reclamante poderá buscar junto ao OSC autorização para “suspender a aplicação de concessões ou de outras obrigações decorrentes dos acordos abrangidos ao Membro interessado”.483 Trata-se do que se denomina de compensações em caso

de não-implementação. Isso significa dizer que poderá haver suspensão de

480

ESC, Artigo 21:2 “c”. 481

KLOR, Adriana Dreyzin de et al. op. cit., p. 43. 482 Ibidem, p. 43.

vantagens negociadas no âmbito da OMC ao Membro interessado, “sobretudo vantagens tarifárias, aplicáveis aos produtos oriundos do território” deste Membro.484

É importante que essa suspensão seja temporária e vigore até que a medida considerada incompatível atribuível ao Membro interessado seja suprimida; até que ele implemente as recomendações e decisões propostas; ou até que seja encontrada uma solução mutuamente satisfatória. Desse modo, “a retaliação autorizada pela OSC não revoga eternamente as obrigações do Membro reclamante em relação ao Membro reclamado”.485

No ESC se recomenda ainda que uma vez permitida essa suspensão temporária, os Membros a acatem e cumpram, buscando-se, assim, o fortalecimento do sistema multilateral.486

Acerca dessa fase, conclui Barral que o louvável avanço na fase jurisdicional não pode também ser atribuído à fase da implementação – denominada pelo doutrinador de fase pós-jurisdicional. Isso porque, na prática, segundo Barral, se verificam alguns problemas os quais, às vezes, tornam as medidas de implementação sem efetividade.

São esses os problemas enumerados por Barral:487

a) ter um curto espaço de tempo para implementação da decisão que, às vezes, esbarra em impeditivos constitucionais e legislativos dos Membros;

b) possuir alternativa entre compensação ou revogação da medida questionada, haja vista que “a compensação pode ser oferecida como forma de protelar a revogação ou modificação da medida questionada”;488

c) saber qual o meio mais adequado de se tornar a medida questionada compatível com as normas do comércio internacional.

Assim, vários Membros reclamados adotam seguidamente mudanças superficiais na legislação relativa à medida, o que leva os Membros reclamantes a retornar ao árbitro, para reavaliar-se a nova roupagem (muita vezes, apenas maquiagem) jurídica é compatível com os acordos da OMC. Isso tem levado à situação denominada de “sequênciamento” (sequencing), em que uma mesma controvérsia retorna diversas vezes ao árbitro, em razão das modificações adotadas pelo Membro reclamado não satisfazerem o Membro reclamante. Como decorrência, uma controvérsia pode acabar se prolongando muito além dos prazos inicialmente previstos pelo ESC.489

484 KLOR, Adriana Dreyzin de et al. op. cit., p. 43. 485 Ibidem, p. 43.

486

ESC, Artigo 23. 487

KLOR, Adriana Dreyzin de et al. op. cit., p. 44. 488 Ibidem.

d) precisar o montante devido para a compensação, “que evidentemente quase nunca é oferecido no nível que o Membro reclamante considera satisfatório”;490

e) oferecer compensação ou autorizar a retaliação nem sempre resulta em vantagens. Isso porque, na prática, a compensação ou retaliação nem sempre beneficiam ou atingem os mesmos setores econômicos beneficiados pela medida objeto na controvérsia, em que pese a previsibilidade no artigo 22.3 (a) do ESC. Nesse dispositivo prevê-se que a parte reclamante deve procurar, primeiramente, “suspender concessões ou outras obrigações relativas ao(s) mesmo(s) setor(es) em que o grupo especial ou Órgão de Apelação haja constatado uma infração ou outra anulação ou prejuízo”.

f) autorizar a suspensão de concessão nem sempre surtirá efeito sobre o Membro reclamado caso o Membro reclamante não tenha “poder de mercado suficiente para afetar as exportações oriundas do território do Membro reclamado”.491

Varella discorda desses problemas apresentados por Barral, relatando que “as decisões da OMC são implementadas indiretamente por questões políticas, que fazem a máquina jurídica movimentar-se”.492 Alega que essa implementação decorre

de dois motivos: primeiro, o interesse dos Estados na manutenção da legitimidade do sistema que demorou tanto para se efetivar; e também porque há um jogo de pressões. Os Estados acabam por aceitar perdas pontuais tendo em vista que poderão ter ganhos em eventuais demandas no futuro.

Nesse sentido:

De fato, os Estados têm interesse em manter o sistema comercial multilateral funcionando. Eles aceitam perdas pontuais, em nome de ganhos globais. Esta talvez seja a principal razão pela qual os Estados ricos aceitam cumprir as decisões favoráveis aos mais pobres, o que raramente seria feito em virtude da incapacidade de pressões econômicas dos mais pobres sobre os mais ricos; em outras palavras, em função da assimetria de poder.493

Além disso, salienta esse doutrinador que o fato de se escolher qual o setor será penalizado, em se tratando de retaliação, representa uma vantagem, haja vista

490

KLOR, Adriana Dreyzin de et al. op. cit., p. 45. 491

Ibidem, p. 45-46.

492 VARELLA, Marcelo D. op. cit., p. 426. 493 Ibidem.

que isso “certamente irá pressionar o governo do Estado para adequar-se ao direito internacional econômico”.494 E conclui:

Assim, ainda que a norma julgada ilegal seja a Constituição do Estado, se houver pressões internas fortes, a decisão do painel será implementada, mudando a Constituição. Os interesses político-econômicos movimentam a engrenagem jurídica a partir de um novo sistema previsto pelo próprio direito. O direito internacional público, que antes era orientado apenas pela política, de baixa efetividade, passa a ser orientado pelo direito, processo conhecido por adensamento de juridicidade das soluções internacionais de controvérsias.495

Nesse mesmo sentido, é o entendimento de Cretella Neto para quem o atual sistema apresenta notável evolução em relação ao sistema de solução de controvérsias previsto no GATT 1947, por se tratar de um sistema processual quase- judicial, além do que:

a) aplica-se a vasto leque de seguimentos de mercado, tais como agricultura, serviços, salvaguardas, dumping, regras de origem, têxteis, direitos de propriedade intelectual, etc.; b) integram a OMC quase 150 Membros responsáveis por mais de 90% do comércio mundial; c) as decisões dos órgãos judicantes – Relatórios dos Grupos Especiais, quando não há Apelação, e Relatórios do Órgão Permanente de Apelação, caso seja interposta, e também laudos dos árbitros, caso as partes em controvérsia recorram à Arbitragem – adotadas pelo Órgão de Solução de Controvérsias são cogentes (binding), no sentido próprio do termo em direito internacional; d) os Relatórios são adotados quase “automaticamente”, vale dizer, somente não serão adotados pelo Órgão de Solução de Controvérsias se todos os Membros da OMC se opuserem à adoção, o que seria inusitado – até hoje, não houve um único caso – pois pelo menos o Membro em controvérsia cujas alegações foram acolhidas será favorável à adoção do Relatório. É exatamente o oposto do que ocorria no sistema do GATT de 1947, em que a oposição de um único membro à adoção do Relatório tinha o condão de impedir sua adoção, e não raro, a Parte-Contratante perdedora bloqueava a adoção do Relatório, e a decisão não produzia qualquer efeito prático. Daí falar-se em transição de um sistema de consenso positivo para um outro, de consenso negativo.496 É evidente que o atual sistema é bem mais evoluído do que o sistema previsto no GATT 1947 e que o fato de se escolher o setor a ser penalizado pode pressionar o Governo a se adequar às recomendações do OSC. No entanto, um dos argumentos alegados pelo Brasil para implementação da decisão no caso dos pneus – objeto de estudo do capítulo a seguir – foi justamente o curto espaço de tempo para a implementação da decisão.

494

VARELLA, Marcelo D. op. cit., p. 426. 495

Ibidem. 496

CRETELLA NETO, José. Direito processual na Organização Mundial do Comércio, OMC:

O Brasil que, na época – conforme se verá –, dependia de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, teve de fazer uso da arbitragem para a implementação da decisão.

Assim, avanços houve, mas não se pode olvidar os problemas do sistema enumerados por Barral a fim de que o sistema seja aperfeiçoado e os problemas resolvidos ou, ao menos, amenizados.