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2 HISTÓRICO ACERCA DA INSTALAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA

4.1 SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO DIREITO INTERNACIONAL

4.1.2 Meios de solução pacífica de controvérsias internacionais

4.1.2.1 Meios diplomáticos

Os meios diplomáticos são também denominados de meios não-jurisdicionais de solução de controvérsias. Os meios não-jurisdicionais que serão analisados são: negociação, inquérito, bons ofícios, mediação e conciliação.

Com a utilização de um desses meios diplomáticos pretende-se criar um ambiente favorável às partes litigantes para que se chegue a uma solução ao litígio. Diferencia-se, portanto, dos meios jurisdicionais justamente por não haver uma decisão propriamente dita passível de obrigatoriedade às partes.

a) Negociação

A negociação é o mais típico e tradicional meio de solução de controvérsias entre Estados. Ela também pode ser denominada de negociações diplomáticas, canais diplomáticos, consultas, trocas de opiniões, pedido de informações ou entendimento direto.364

As negociações podem ter formas bilaterais – quando realizada entre dois sujeitos do Direito Internacional – ou multilaterais – quando realizada, por exemplo, durante sessões de conferências internacionais.365

Interessante colacionar o comentário da CIJ acerca do entendimento direto quando do julgamento do Caso do Sudeste da África:

A diplomacia por conferência ou diplomacia parlamentar tem sido reconhecia nas quatro ou cinco décadas passadas, como um dos modos estabelecidos de negociações internacionais. Nos casos em que as

362

REZEK, José Francisco. op. cit., p. 336. 363

Ibidem.

364 SOARES, Guido Fernando Silva. op. cit., p. 166. 365 Ibidem.

questões controversas são do interesse comum a um grupo de Estado, de um lado, de outro, um corpo organizado, a diplomacia complementar ou por conferência tem sido considerada como a mais prática das formas de negociações. O número de partes num lado ou no outro lado da disputa, não tem qualquer importância; depende da natureza da questão examinada. Se for de interesse mútuo de vários Estados, quer dentro de um corpo organizado ou não, inexistiria qualquer razão que justificasse o formalismo e um pedido infundado para entrar em negociações diretas com o Estado ex

adverso comum, após terem participado de amplas e abrangentes

negociações coletivas com o mesmo Estado.366

A característica da negociação, quer na forma bilateral, quer na multilateral, é a informalidade. Isso porque tanto pode se desenvolver oralmente, como por intermédio de troca de notas entre chancelaria e embaixada.367

Busca-se, por intermédio da negociação, a solução da controvérsia entre os próprios contendores sem a intervenção de terceiros. Diferencia-se dos demais meios de solução justamente por não pressupor a intervenção de outro ator que venha a auxiliar na solução ou até mesmo proferir a decisão.

Quanto ao resultado das negociações, Accioly menciona que se pode obter as seguintes soluções: os atores poderão transigir; uma das partes poderá renunciar ao direito que requeria (desistência); ou uma das partes poderá consentir com o direito da outra parte (aquiescência).368

Acerca da negociação diplomática, pondera Rezek:

O entendimento direto responde, no dia-a-dia, pela solução de elevado número de conflitos internacionais. Talvez não se perceba essa realidade em razão de uma generalizada tendência a não qualificar como conflitos verdadeiros aqueles tantos que não produzem maior tensão nem ganham notoriedade: são estes, justamente, os que melhor se habilitam a resolver- se pela mais simples das vias possíveis, qual seja a negociação entre os contendores, sem qualquer apoio, instrumental ou substancial, de

outras pessoas jurídicas de direito das gentes. (g.n.)369

Deve-se, no entanto, ponderar que nem sempre a negociação soluciona a controvérsia. “Em muitos casos, pode simplesmente contribuir para diminuir os problemas existentes, equacionando parte das divergências ou mesmo servindo para melhor precisar os pontos em conflitos entre os Estados”.370

366 SOARES, Guido Fernando Silva. op. cit., p. 166. 367

REZEK, José Francisco. op. cit., p. 340. 368

ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G.E. do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. op. cit., p. 768. 369 REZEK, José Francisco. op. cit., p. 340.

b) Inquérito

A segunda espécie diplomática de solução de controvérsias relacionada na Carta da ONU é o inquérito. O inquérito, também denominado de investigação ou

fact findings, é forma típica do século XX utilizado, particularmente, no interior das

Organizações Internacionais.

A investigação consiste na constituição de um grupo de pessoas ou comissões, com o objetivo de esclarecer fatos e, eventualmente, sugerir soluções ou condutas para os litigantes.371

Observa-se que o inquérito assemelha-se, em um ponto, à conciliação, isso porque as comissões constantes em um ou outro meio são integradas por representantes dos atores conflitantes, bem como por investigadores neutros. A diferença reside no fato de que na conciliação há, por intermédio de um relatório, o efetivo deslinde para o conflito.

Atualmente, essa espécie de solução está prevista em diversos acordos internacionais e tem sido muito utilizada em questões relativas a direitos humanos, meio ambiente e segurança internacional.

Nessa linha, exemplifica-se:

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo, aceita denúncias de violações de direitos humanos de qualquer pessoa, grupo de pessoas ou instituição contra Estados. Neste caso, inicia um procedimento investigatório que pode culminar com a abertura de um processo perante a Corte Interamericana de Direito Humanos (...). As duas decisões contra o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos foram de iniciativa da Comissão, que recebera denúncias de violações de direitos humanos e, após apuradas as irregularidades, abriu o processo internacional.372

Percebe-se, assim, no caso exemplificado, que ao aceitar denúncia de violação de direitos humanos, a Comissão Interamericana procede a utilização do meio investigativo que poderá culminar na abertura de processo perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Outra exemplificação da utilização do inquérito é trazida por Hee Moon Jo ao citar o caso Dogger Bank, de 1904.

(Caso Dogger Bank, 1904) Durante a guerra entre a Rússia e o Japão, os navios militares russos atiraram em um navio de pesca britânico. A Rússia

371 SOARES, Guido Fernando Silva. op. cit., p. 167. 372 VARELLA, Marcelo D. op. cit., p. 404.

alegou que o confundiu com um navio militar japonês. Com os bons ofícios do governo francês, os dois países concordaram em constituir uma comissão internacional de inquérito”.373

Interessante observar que nesse exemplo, utilizou-se dois meios de solução pacífica de controvérsia: os bons ofícios – objeto de estudo a seguir – prestado pelo governo francês e a constituição de uma comissão de inquérito acatada por Rússia e Japão.

c) Mediação e Bons Ofícios

Tanto a mediação quanto os bons ofícios são formas de solução de controvérsias obtidas mediante a intervenção de um terceiro que não faz parte do litígio.

Conforme já mencionado, a mediação consta na Carta da ONU, enquanto que os bons ofícios são utilizados por se tratar de um costume internacional reconhecido pelos sujeitos internacionais.374

Nos bons ofícios – good offices – tem-se um terceiro que apenas aproxima as partes, sendo que elas mesmas chegam a um acordo acerca do litígio. “Cria-se um ambiente possível ou mesmo favorável à solução do litígio sem, no entanto, coordenar a negociação”.375

Já na mediação – mediation – o terceiro atua como um mediador. Desse modo, é ele quem proporá a base jurídica que fundamentará o processo de negociação.

Maurice Arbour menciona que: “os bons ofícios visam essencialmente a propor uma base de negociações, enquanto a mediação visa antes a propor uma base de um acordo, uma fórmula de entendimento”.376

373

JO, Hee Moon. op. cit., p. 505.

374 A Carta da OEA, no artigo 25, menciona os bons ofícios como forma de solução pacífica de controvérsias. “Art. 25. São processos pacíficos: a negociação direta, os bons ofícios, a mediação, a investigação e conciliação, o processo judicial, a arbitragem e os que sejam especialmente combinados, em qualquer momento, pelas partes” (grifos).

375 VARELLA, Marcelo D. op. cit., p. 402.

Imperioso ressaltar que em ambos os métodos utilizados é fundamental que o terceiro seja de confiança de ambas as partes sob pena de não obter o fim colimado, qual seja a solução pacífica de controvérsias.

Observa-se que tanto os bons ofícios, quanto a mediação podem ser prestados por alto funcionário de uma Organização Internacional, como o Secretário- Geral, por exemplo. Nesse sentido: “entre as funções do Secretário da ONU, por exemplo, está a de exercer bons ofícios entre as partes em temas relacionados à segurança e a à paz mundial. O Diretor Geral da OMC tem a mesma atribuição em diferenças comerciais”.377

A fim de elucidar a diferenciação entre bons ofícios e mediação, mister a transcrição de exemplos.

A França, em 1968, ofereceu a cidade de Paris como um campo neutro para a solução da guerra entre Estados Unidos e Vietnã. Esses países aceitaram os bons ofícios e, em 1973, chegaram ao fim da guerra.378 Nesse caso, tem-se os bons

ofícios, haja vista a França apenas ter oferecido uma base para as negociações e, em momento algum, participou como mediadora para a solução do conflito.

O Brasil, a Argentina e o Chile ofereceram-se para mediar o conflito existente entre os Estados Unidos e o México, em 1914. Os Estados litigantes aceitaram a mediação e concordaram com a celebração de um tratado bilateral proposta pelos Estados mediadores.379 Outro exemplo foi a atuação dos Estados Unidos como

mediador no conflito entre Israel e os Estados árabes, na segunda metade da década de setenta. Dessa mediação resultou os acordos de Camp David, de 1978, e o Tratado de Paz, de 1979.380 Nesses casos, fica evidente que a função do Estado mediador foi além da aproximação das partes litigantes. Ele, na verdade, propôs a base jurídica que foi acatada pelas partes.

d) Conciliação

A conciliação – international conciliation – é um procedimento conduzido por uma comissão de conciliadores que irão averiguar os fatos apurados na investigação

377

VARELLA, Marcelo D. op. cit., p. 403. 378

REZEK, José Francisco. op. cit., p. 341. 379 Ibidem, p. 343.

e, ao final, indicar o direito aplicável. Difere da mediação, pois enquanto nesta há apenas um mediador, na conciliação há um grupo de conciliadores, denominada de comissão de conciliadores.

Percebe-se, assim, que a conciliação reúne características de todas as outras modalidades de solução pacífica de controvérsias examinadas anteriormente.

Hee Moon Jo relata que a conciliação é uma combinação de dois meios de solução: o inquérito e a mediação. Assim, a comissão de conciliação investiga os fatos da questão – como no inquérito – e depois sugere às partes uma solução – como ocorre na mediação.381

No mesmo sentido são os ensimanentos de Amaral Júnior:

A conciliação revela sensível avanço em relação às formas anteriores de solução de litígios. Praticada no período entre guerras, a sua difusão foi mais intensa na segunda metade do século XX. Visa, essencialmente, esclarecer fatos e fazer recomendações, compreendendo, ao mesmo tempo, as características do inquérito e da mediação, revestidas de maior formalismo.382

É importante frisar que o número de pessoas para a constituição de uma conciliação deve, obrigatoriamente, ser ímpar a fim de evitar empates na tomada de decisão.

O objetivo desse grupo de conciliadores é emitir um parecer propondo a solução para o fim do conflito. No entanto, esse parecer – relatório – não tem força vinculante. Essa é, inclusive, a diferença que possui para a arbitragem internacional.

Amara Júnior relata o procedimento praticado pelos conciliadores em especial acerca do parecer, denominado pelo doutrinador de relatório final:

O procedimento começa com a instituição da comissão de conciliadores, composta geralmente por três ou cinco pessoas. Cabe-lhe a missão de elaborar as regras que regem os trabalhos da comissão e que regulam a apresentação das provas e a fixação dos prazos para o cumprimento das suas atividades. O relatório final avalia os fatos investigados e contém as recomendações que se pretende ver acolhidas.383

Por fim, acerca da conciliação, é importante mencionar que algumas Convenções Internacionais preveem-na como meio de solução das controvérsias,

381

JO, Hee Moon. op. cit., p. 505. 382

AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Introdução ao Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2008, p. 244.

como, por exemplo, a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (Anexo Único)384 e a Convenção de Viena sobre Direito do Mar (Anexo V)385.386