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2 HISTÓRICO ACERCA DA INSTALAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA

4.2 SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO ÂMBITO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL

4.2.1 Histórico

4.2.1.2 GATT-1947

De modo diverso do previsto na Carta de Havana na qual se previa um sistema de solução de controvérsias, no GATT-1947, tal como lembra Barral, não se continha, inicialmente, regras sobre um sistema para a solução de controvérsias entre os Estados contratantes.419

Tratava-se, na verdade, de um foro de negociações na qual se buscava a solução das controvérsias mediante a diplomacia, conforme previsto no Artigo XXII:

ARTIGO XXII – CONSULTAS

Cada Parte Contratante examinará, com espírito de compreensão, as representações que qualquer outra Parte Contratante possa fazer e facilitará, na medida do possível, as consultas relativas a essas representações, quando estas se referirem à aplicação dos regulamentos e formalidades de alfândega, às taxas antidumping e aos direitos de compensação, às regulamentações quantitativas e de câmbio, às subvenções, às operações do comércio do Estado, às prescrições sanitárias e aos regulamentos relativos à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais e à preservação dos vegetais e, de maneira geral, sobre todas as questões relativas à aplicação das disposições do presente Acordo. Já no Artigo XXIII previa-se a possibilidade de investigações, recomendações ou determinações que poderiam levar, em casos de maior gravidade, os Estados contratantes a suspenderem as obrigações assumidas.

418

AMARAL Jr., Alberto. A Solução de Controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008, p. 93-94. 419 KLOR, Adriana Dreyzin de et al. Solução de Controvérsias: OMC, União Europeia e Mercosul. Rio de Janeiro: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2004, p. 13.

ARTIGO XXIII – PROTEÇÃO DE CONCESSÕES E VANTAGENS

1. No caso de uma Parte Contratante considerar que uma vantagem qualquer resultante para ela, direta ou indiretamente, do presente Acordo, está sendo anulada ou reduzida, ou que um dos objetivos do Acordo está sendo dificultado, em consequência: a) do não cumprimento por outra das Partes Contratantes dos compromissos pela mesma assumidos em virtude do presente Acordo; b) da aplicação por outra das Partes Contratantes de uma medida, contrária ou não às disposições do presente Acordo; ou c) da existência de qualquer outra situação, dita Parte Contratante, a fim de obter solução satisfatória para a questão, poderá dirigir representações ou propostas por escrito à outra ou outras Partes Contratantes que lhe parecerem interessadas. Qualquer Parte Contratante, por essa forma interpelada, examinará, com boa vontade, as representações ou propostas que lhe tenham sido dirigidas.

2. Se as Partes Contratantes interessadas não chegarem a um Acordo satisfatório dentro de um prazo razoável, ou se a dificuldade for uma das previstas no § 1 (c) deste artigo, a questão poderá ser submetida às Partes Contratantes. As Partes Contratantes iniciarão, sem demora, uma investigação sobre qualquer assunto que lhes seja submetido e, se julgarem conveniente, dirigirão recomendações especiais e apropriadas às partes Contratantes que julguem interessadas, ou baixarão normas sobre a questão. As Partes Contratantes, quando acharem necessário, poderão efetuar consultas com as outras Partes Contratantes, com o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas e com qualquer outra organização intergovernamental competente. Se as Partes Contratantes acharem que as circunstâncias são suficientemente graves para justificar tal medida, poderão autorizar a uma ou a várias Partes Contratantes a suspensão, relativamente a tal ou a tais Partes Contratantes, da aplicação de qualquer obrigação ou concessão resultante do presente Acordo. Se, a observância de uma obrigação ou o benefício de uma concessão em favor de uma Parte Contratante for suspenso efetivamente, essa Parte Contratante poderá dentro de um prazo de sessenta dias a contar da data da aplicação da medida, notificar o Secretário Geral das Nações Unidas por escrito, de sua intenção de denunciar este Acordo e tal denúncia terá efeito, expirado o prazo de sessenta dias a contar da data em que o Secretário Geral das Nações Unidas receba notificação escrita da denúncia.

Interessante observar que os Estados contratantes, nos moldes do artigo XXIII, poderiam consultar o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas ou qualquer outra organização intergovernamental que pudesse auxiliar os Estados a solucionarem a controvérsia. Outra observação constatada é que, diferentemente da Carta de Havana, no GATT-1947 não se previu formulação de pedido de parecer consultivo à Corte Internacional de Justiça.

Acerca desses dois dispositivos do GATT-1947, expõe Amaral Júnior indicando, ao final da citação, um caso ocorrido entre Estados Unidos e Cuba:

Os artigos XXII e XXIII regularam o procedimento de solução de disputas, cujo início se verifica com a reclamação de que se infringiu algum dispositivo do Acordo. A fase de consultas reúne o reclamante e o reclamado, que participam de negociações diplomáticas, a fim de encontrar uma solução para o caso. Fracassadas as consultas, começavam as investigações que culminariam na recomendação da mudança da política comercial do reclamado e na condenação deste pelas partes contratantes, quando a infração às regras estivesse plenamente caracterizada. O art.

XXIII consente que as partes contratantes autorizem a suspensão de concessões em circunstâncias de indiscutível gravidade que justifiquem esta providência. Na segunda seção das partes contratantes do GATT, em 1948, foi constituído um grupo de trabalho para analisar a disputa entre os Estados Unidos e Cuba, referente à regulação do setor têxtil levada a efeito pelo governo cubano. O entendimento entre os dois países, obtido em curto espaço de tempo, comprova que o grupo de trabalho visava, essencialmente, a facilitar as negociações e não pretendia julgar a controvérsia de modo imparcial pela apreciação do mérito do litígio.420 Percebe-se, por esse exemplo, que o modo de solução de litígio previsto no GATT-1947 era essencialmente diplomático e que eventual constituição de grupo de trabalho não tinha o condão de solucionar o litígio de modo imparcial, mas apenas de aproximar as partes a fim de que elas mesmas chegassem a uma solução (bons ofícios).

O avanço desse sistema se deu por volta de 1955 com a introdução do sistema de painéis. Esses painéis eram compostos por três ou cinco especialistas que agiam em nome pessoal. As partes envolvidas no litígio passam, então, a serem proibidas de participarem na solução da demanda.421

Assim, aos poucos, devido ao intento de se implementar um sistema de solução de controvérsias no GATT, os métodos unicamente diplomáticos passam a ceder lugar a formas jurisdicionais com o litígio sendo dirimido por um terceiro imparcial.422

Já na década de 60, países como Estados Unidos da América e Reino Unido que, até então, eram considerados membros automáticos dos painéis, deixam de ter essa benesse. Paralelo a isso, o Secretariado passa a cooperar com os painéis na elaboração de normas que os regulassem.423

Lembra Amaral Júnior que apesar do avanço, esse sistema que começara a se formar não foi suficiente para conter a difusão de barreiras não tarifárias durante a Rodada Kennedy. Já na Rodada Tóquio, os esforços – empreendidos principalmente pelos Estados Unidos em virtude do persistente protecionismo comercial –, para o aprimoramento das normas vigentes sobre solução de controvérsias, não obtiveram êxito em virtude da forte objeção europeia.424

420

AMARAL Jr., Alberto. A Solução de Controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008, p. 95. 421 Ibidem. 422 Ibidem. 423 Ibidem. 424 Ibidem.

No final da década de 70, os Estados contratantes do GATT adotam um documento denominado Entendimento sobre Notificação, Consulta, Solução de Controvérsias e Fiscalização que passou a ser utilizado até o término da Rodada Uruguai. Nesse Entendimento previu-se a possibilidade que pessoas não vinculadas a governos integrassem os painéis. No entanto, expressou-se a preferência pela participação de funcionários governamentais ou até mesmo do diretor-geral no papel de conciliador – apesar de, nesse último caso, não ter sido utilizado.425

Importante ressaltar a prática que passou a ser desenvolvida, qual seja: o relatório do painel só se tornava vinculante caso fosse aprovado por consenso pelo Conselho, medida essa dificilmente alcançada dada a diversidade dos interesses.426

Percebe-se, assim, que o GATT evoluiu – com a instituição dos painéis e consequentes aperfeiçoamentos – para um sistema mais jurisdicionalizado. Esse avanço resultou num debate entre os países defensores dessa maior juridicidade (Estados Unidos da América) e daqueles que criticavam-na em virtude de enxergarem nas negociações diplomáticas as melhores formas para a solução dos litígios (países europeus).

Sobre esse debate, pondera Amaral:

O debate em torno da solução de controvérsias opôs, na história do GATT, os países que apregoavam a maior “juridicidade” do sistema aos que advogavam os benefícios resultantes da flexibilidade inerente às negociações diplomáticas. A pretensão de maior formalismo procedimental ressaltava a necessidade de limites temporais precisos, da justificação das decisões e da adoção dos relatórios preparados pelos painéis sem que para isso fosse necessário o consenso de todas as partes contratantes. Por outro lado, os defensores da flexibilidade diplomática enfatizavam a natureza eminentemente política dos acordos, o que tornava imprescindível efetuar eventuais ajustes para preservar a legitimidade dos compromissos firmados.427

Apesar dos avanços obtidos no sistema de solução de controvérsias do GATT, críticas eram feitas em especial no que se refere:

a) à demora e incerteza nos procedimentos, haja vista “que inexistia um direito à constituição do painel, pois as partes contratantes deliberavam sobre a sua criação de forma discricionária”.428 Além disso, não havia

tempo pré-definido para cada fase em que a solução se desdobrasse. b) à ausência de rigor e clareza nas decisões proferida pelos painéis;

425 AMARAL Jr., Alberto. A Solução de Controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008, p. 95. 426

Ibidem. 427 Ibidem, p. 98. 428 Ibidem.

c) à incerteza na adoção do relatório do painel, em virtude da “predominância da regra do consenso”;429

d) à demora em se adotar as recomendações previstas nos relatórios; 430

e) à resistência, por parte de alguns países em cumprir, total ou parcial, a decisão proferida.431

Esses problemas apontados, no entanto, conforme relata Amaral Júnior, não impediram que o sistema, durante o período em que esteve em funcionamento, deixasse de assegurar o equilíbrio entre os direitos e obrigações dos Estados contratantes. Apenas entre os anos de 1980 e 1990 é que a eficácia do sistema tornou-se limitada em virtude de os Estados Unidos resistirem ao cumprimento das recomendações dadas pelos painéis.432

4.2.1.3 Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de