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2 HISTÓRICO ACERCA DA INSTALAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA

2.4 DO GATT À ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO – OMC

2.4.2 Segunda fase: 1967 a 1986

No final da década de 60, a economia norte-americana passou a ter elevado déficit público em decorrência da guerra do Vietnã. A crise interna enfrentada pelos Estados Unidos acabou se dissipando mundialmente. O resultado dessa crise foi “a elevação dos preços das mercadorias vendidas em mercados integrados e a elevação da circulação internacional de capitais, causando um profundo desequilíbrio da taxa de câmbio”.97

Os países, então, perdem a confiança no dólar e passam a exigir a conversão de enorme quantidade de dólar em ouro. Tendo em vista essa pressão externa, o Presidente Nixon suspende, em 15 de agosto de 1971, a conversibilidade do dólar em ouro e sobretaxa em 10% as importações dos Estados Unidos com vistas “a forçar europeus e japoneses a reapreciar o valor das respectivas moedas em relação ao dólar”.98 Além disso, adotou medidas de controle de preços e salários a

fim de evitar que a inflação se acelerasse, bem como adotou, em dezembro de 1971, uma política de desvalorização do dólar.99

As políticas implementadas por Nixon, principalmente a que desvinculou o dólar do ouro, acabaram por levar, em 1973, a ruptura do Sistema Bretton Woods baseada no câmbio fixo. Passou-se, portanto, a permitir a livre flutuação da taxa de câmbio.100

A par disso, os Estados Unidos propõem uma nova rodada de negociações comerciais multilaterais. Os membros da CEE não se mostram, num primeiro momento, tão entusiasmados, haja vista terem o interesse centrado na ampliação do Mercado Comum. No entanto, dada a ruptura do Sistema Bretton Woods e a desvalorização do dólar, os países integrantes da CEE se viram obrigados a participar dessa nova rodada de negociações.101

Inicia-se, assim, no final de 1973 a Rodada de Tóquio que duraria até 1979 e da qual participariam noventa e nove países. A escolha da cidade de Tóquio para se realizar a conferência foi estratégica, haja vista, à época, o Japão ser o principal

97

AMARAL Jr., Alberto. A Solução de Controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008, p. 19. 98 Ibidem.

99

Ibidem. 100

Acerca desse assunto, ressalta Amaral: “do ponto de vista jurídico, porém, o sistema desapareceu apenas em 1976, na reunião do FMI que aconteceu em Kingston, na Jamaica”. Ibidem, p. 19.

exportador do mundo e as demais economias asiáticas estarem obtendo participação cada vez maior no comércio mundial.102

Na Declaração de Tóquio, de 12 de setembro de 1973, os países participantes da rodada se comprometeram com: “a eliminação progressiva das barreiras comerciais e o melhoramento do quadro internacional no qual se desenvolv[ia] o comércio mundial”.103 Reconheceu-se ainda, por essa Declaração, a

necessidade de adoção de medidas especiais relativas ao comércio a fim de ajudar os países em desenvolvimento.

No entanto, as diretrizes constantes na Declaração de Tóquio acabam, num primeiro momento, não saindo do papel. Isso porque o cenário econômico internacional que já não era tão estável acaba se agravando mais ainda com o conflito árabe-israelense que eclode em outubro de 1973.

Devido ao conflito, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP quadruplicou o preço do petróleo. Essa decisão resultou em paralisação do crescimento industrial e aumento do desemprego em diversos países.104 Além disso,

os países passam a adotar, novamente, práticas protecionistas e a defender que uma maior liberação comercial, naquele momento, resultaria num desafio insuperável.105

Acerca desse período relata Amaral Júnior: “a perda da disciplina financeira internacional, oriunda da erosão do sistema de paridade fixa, deixou as portas abertas para a expansão do endividamento público e privado do início dos anos 70”.106

Com esses acontecimentos, tudo indicava que as negociações, que acabavam de se iniciar, estavam fadadas ao insucesso. Conquanto isso, por intermédio das negociações na Rodada de Tóquio obteve-se alguns avanços, como, por exemplo, as negociações sobre os produtos tropicais que beneficiavam, em especial, os países em desenvolvimento. Acerca desses produtos, interessante ressaltar que os países desenvolvidos não chegaram pedir reciprocidade aos países em desenvolvimento.107

102 Organización Mundial del Comercio. op. cit., p. 202-203. 103 Ibidem, p. 203.

104 AMARAL Jr., Alberto. A Solução de Controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008, p. 19. 105

Organización Mundial del Comercio. op. cit., p. 203. 106

AMARAL Jr., Alberto. A Solução de Controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008, p. 19. 107 Organización Mundial del Comercio. op. cit., p. 203.

Outro avanço foram as reduções tarifárias sobre os produtos industriais, principalmente, por parte dos Estados Unidos (de 6,3 a 4,3%) e da Comunidade Econômica Europeia (de 6,5 a 4,6%). A maioria dos países reduziriam suas tarifas em oito etapas anuais iguais, com exceção dos Estados Unidos que aceitaram reduzir de uma só vez a partir de 1º de janeiro de 1980. Salienta-se que as reduções eram calculadas com base na “fórmula suíça” – fórmula matemática desenvolvida pela Suíça que primava por uma maior harmonização tarifária.108

Acerca da Rodada de Tóquio, ainda outra conquista deve ser assinalada, qual seja, a introdução de vários acordos sobre medidas não tarifárias denominadas de “Códigos”. De acordo com o Relatório da OMC de 2007, foram esses os seguintes Acordos denominados de Códigos:

1) Acordo de Valoração Aduaneira no qual se estabeleceu maior uniformidade nos métodos empregados para calcular o valor dos produtos que eram baseados nos direitos ad valorem. Consequentemente limitou-se a valorização arbitrária de bens importados que, em muitos casos, acabava por restringir o comércio. 2) O Acordo sobre Procedimento para o Trâmite de Licenças de Importação foi feito com vista a simplificar a administração de licenças de importação e evitar que estes trâmites se tornassem um obstáculo às importações. 3) O Acordo sobre Contratação Pública teve por objetivo a promoção de maior concorrência no mercado de contratações públicas mediante a abertura de participação às empresas estrangeiras. 4) Pelo Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórios procurou-se controlar o uso de subsidios e garantir que estes não se tornariam uma discriminação injustificada ao comércio. Os direitos compensatórios, por sua vez, não deveriam prejudicar o comércio injustificadamente. 5) O Acordo sobre Barreias Técnicas ao Comércio (normas sobre produtos) foi destinado a impedir que os governos estabelecessem regram que envolviam obstáculos desnecessários ao comércio internacional. Por ele também se exortou aos países que utilizassem as normas internacionais vigentes e que mantivessem a transparencia na elaboração e implementação de normas nacionais. 6) Por fim, pelo Acordo Antidumping regulamentou-se o uso de direitos antidumping e procedimentos conexos quando os governos decidissem aplicar esses direitos em situações nos quais as exportações fossem vendidas a um valor inferior ao valor normal.109

Acerca desses acordos, destacam-se o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio e o Acordo Antidumping, que já haviam sido negociados pela primeira vez em 1967. Comentando os avanços comerciais obtidos nas negociações da Rodada de Tóquio, pondera Amaral Júnior:

Durante a Rodada Tóquio concluíram-se acordos que versavam sobre outros temas, como subsídios, medidas antidumping, barreiras técnicas e comercialização de aeronaves civis. Os Estados escolhiam os acordos a

108 Organización Mundial del Comercio. op. cit., p. 203. 109 Ibidem, p. 204-205. Tradução livre.

que queriam vincular-se, não havendo a obrigação geral de se comprometerem com tudo quanto havia sido negociado.110

Fracassos também permearam essa rodada de negociações. Principalmente no que tange a falta de um acordo sobre salvaguardas, eliminação das restrições quantitativas e limitações voluntárias das exportações que consistiam em grande estímulo às ideias protecionistas.111

Outro ponto de insucesso foi a ausência de medidas não tarifárias para os países em desenvolvimento. Essa ausência resultou em frustação às expectativas dos países em desenvolvimento que desejavam integrar, mais efetivamente, o comércio mundial. Assim foram as palavras do porta-voz dos países em desenvolvimento, no trigésimo quinto período de negociações, ao afirmar que: “resultava difícil aos países em desenvolvimento determinar quais benefícios adicionais se haviam obtido nas negociações, haja vista que os resultados não correspondiam com as aspirações expressadas na Declaração de Tóquio”.112

As negociações resultantes da Rodada de Tóquio aos poucos vão sendo colocadas à margem em virtude de novamente os países passarem a aplicar medidas protecionistas. Em 1981, o eleito Presidente dos Estados Unidos, Ronald Regan, com fundamento para estimular a economia interna que se encontrava retraída, adota medidas protecionistas cada vez maiores. Uma dessas medidas incluía a limitação da importação do aço a 18,5% do mercado norte-americano. Além disso, o governo norte-americano passou a incentivar outros países a praticarem essas medidas protecionistas como foi o caso, por exemplo, do Japão que implementou restrições às exportações de carros em 1981. A par disso, União Europeia, seguida por Canadá e Austrália, alegando comércio desleal, passam a tomar medidas antidumping.113

A crise interna norte-americana só aumentava. A fim de combater a inflação que entrara na casa dos dois dígitos, Paul Volcker, Presidente do Sistema de Reserva Federal dos Estados Unidos, lança uma política monetária que causa severas repercussões no sistema econômico mundial. Uma dessas repercussões foi a incapacidade de os países em desenvolvimento financiarem suas obrigações resultantes de empréstimos, haja vista o aumento na taxa de juros norte-americana.

110 AMARAL Jr., Alberto. A Solução de Controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008, p. 18. 111

Organización Mundial del Comercio. op. cit., p. 205. 112 Ibidem, p. 206.

Com isso, além da “guerra” protecionista que se levantara, surge uma crescente divisão Norte-Sul em virtude das crises enfrentadas pelos países em desenvolvimento.114

Necessitava-se, assim, que as negociações fossem retomadas a fim de esses fatores negativos não resultarem em algo pior. Foi quando, em 1982, as partes contratantes do GATT resolvem celebrar uma Reunião Ministerial. Tratava-se da primeira reunião desde o final da Rodada de Tóquio que findara em 1973. No entanto, não se obteve sucesso por essa reunião. O tema mais conflitante foi a agricultura.115

O que se obteve de concreto dessa reunião foi uma declaração na qual os oitenta e oito países participantes aduziram que se necessitava de um consenso renovado em apoio ao sistema GATT.116 Vislumbrava-se, assim, uma nova rodada de negociações.

Apesar de não se ter logrado avanços com essa Reunião Ministerial dos membros do GATT, foi por ela que se traçaram importantes diretrizes para as futuras negociações, como, por exemplo, diretrizes relacionadas à agricultura, serviços, comércio de mercadoria falsificadas, entre outras.117

Nessa mesma época, os Estados Unidos abandonam o compromisso com o multilateralismo comercial e começam a dar ênfase nas relações regionais. Em fevereiro de 1982, o Governo de Ronald Reagan, fecha o primeiro acordo comercial regional e um ano mais tarde inicia uma negociação de uma zona de livre comércio com Israel. O motivo alegado pelos Estados Unidos para o abandono do multilateralismo comercial é que enquanto sua economia permanecia aberta, outros países, em especial o Japão, impunham cada vez mais obstáculos ao comércio.118

Nas reuniões realizadas após a Reunião Ministerial do GATT, em 1982, os países desenvolvidos passam a apoiar uma nova rodada de negociações. Desse modo, em julho de 1985, celebra-se uma reunião do Conselho do GATT com a finalidade de definir data para a reunião preparatória que daria início a nova rodada de negociações comerciais multilaterais. Dessa reunião resultou que um Comitê

114 Organización Mundial del Comercio. op. cit., p. 206. 115 Ibidem. 116 Ibidem. 117 Ibidem. 118 Ibidem, p. 207.

Preparatório estaria incumbido de organizar a reunião ministerial que se realizaria em setembro de 1986 a fim de tratar os mais variados temas comerciais.119

Entre janeiro e julho de 1986, esse Comitê reuniu-se noves vezes para tratar desses temas, mas devido à oposição de alguns países em desenvolvimento – principalmente no que tange aos temas de serviço, aspectos comerciais dos direitos de propriedade industrial, dentre outros – os trabalhos do Comitê não lograram êxitos. Aproximando-se o prazo para que o Comitê apresentasse suas recomendações sem, no entanto, resultar em avanços, um grupo de países desenvolvidos – AELC, Austrália, Canadá e Nova Zelândia – decidem criar um grupo de trabalho informal. Esses países convidam também vinte países em desenvolvimento que desejavam o início das novas rodadas de negociações. Ao final dos trabalhos, esse grupo apresentou um projeto de declaração para a Reunião Ministerial do GATT que foi convertido nas bases para a nova rodada de negociação.120

Embasando-se nessa declaração, a Reunião Ministerial reúne-se, em 14 de setembro de 1986, em Punta del Este, no Uruguai, para dar a início a nova rodada de negociações comerciais multilaterais. Inicia-se, assim, a terceira fase que resultaria na instalação, por completo, do sistema comercial multilateral.