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3. FENÔMENO DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

3.4 FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO

GERALDO ATALIBA demonstrou grande preocupação em substituir a expressão

“fato gerador”168 que, para ele, causava confusão por designar duas realidades distintas a um só tempo: qualificar a descrição legal do evento descrito na hipótese e, também, a sua ocorrência fática. Empregou, assim, o termo “hipótese de incidência” para designar a descrição geral e abstrata de um evento contida na norma geral e abstrata tributária, e a

167 Capítulo 1.

168 Paulo de Barros Carvalho esclarece que a adoção da expressão “fato-gerador” pela nossa doutrina decorreu da influência de Gaston Jèze, ao mesmo tempo em que critica a sua dúbia significação, recusando a proposta de Geraldo Ataliba, por entender que o fato, depois de realizado, não é mais imponível. (CARVALHO, P. de B.

Curso de direito..., p. 238-239.)

expressão “fato imponível” para definir o fato ocorrido no mundo real, que se subsume à descrição contida na hipótese.169

PAULO DE BARROS CARVALHO, sempre no rigor científico de sua análise, sugeriu que a descrição do fato fosse designada de “hipótese tributária”. Ao fato concreto, ainda como acontecimento do mundo fenomênico, preferiu designar de “evento”, reservando a expressão “fato jurídico tributário” para o relato lingüístico, nos moldes traçados pelo direito posto. Rechaça, assim, o termo “fato imponível”, tendo em vista que um “fato tributário”, nos moldes acima, já não é mais imponível, mas um elemento lingüístico, pertencente ao mundo concreto e positivado.170

O chamado “fato tributário” é, pois, antes de tudo, um fato jurídico. Assim, para o sistema de referências proposto por PAULO DE BARROS CARVALHO, “o fato jurídico tributário será tomado como um enunciado protocolar, denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e concreta, emitido, portanto, com função prescritiva, num determinado ponto do processo de positivação do direito”.171

O fato se constitui quando ingressa no sistema do direito positivo, como norma válida (norma individual e concreta), ao atender aos critérios de pertencialidade à classe prevista na norma geral e abstrata.

O fato jurídico tributário, como norma individual e concreta, não possui

“critérios” de identificação como a regra matriz tributária (norma geral e abstrata), mas

“elementos”, uma vez que se cuida de um enunciado denotativo, isto é, “informações” do campo da linguagem que relatam um acontecimento do mundo concreto, agora “juridicizado”.

Vale, assim, relembrar, na lição de PAULO DE BARROS CARVALHO, que no antecedente das normas gerais e abstratas não há um enunciado denotativo, mas uma função denotativa, uma estrutura aberta a ser preenchida por variáveis. O antecedente das normas representará, assim, usualmente uma previsão hipotética, com as características que um acontecimento social deve ter para ser considerado fato jurídico; ou a realização efetiva e concreta de um acontecimento que possa configurar o fato, desde que relatado em linguagem própria.172

169 “A doutrina tradicional, no Brasil, costuma designar por fato gerador tanto aquela figura conceptual e hipotética – consistente no enunciado descritivo do fato, contido na lei – como o próprio fato concreto que, na sua conformidade, se realiza, hic et nunc, no mundo fenomênico. Ora , não se pode aceitar essa confusão terminológica, consistente em designar duas realidades tão distintas pelo mesmo nome”. (ATALIBA, G.

Hipótese de incidência..., p. 49.)

170 CARVALHO, P. de B. Curso de direito..., p. 241.

171 Id., Direito tributário..., p. 105.

172 Id., Curso de direito..., p. 249.

Na norma geral e abstrata o enunciado será conotativo e na norma individual e concreta denotativo.

Tratando-se do fato jurídico tributário (“fato gerador”), o enunciado que o constitui há de exibir três determinações específicas, relativamente ao enunciado constante do antecedente daquela que nominamos de “regra-matriz de incidência tributária”: o elemento material (correspondente ao critério material da hipótese), o elemento espacial (correspondente ao critério espacial) e o elemento temporal (correspondente ao critério temporal). Anote-se que utilizo “elementos” para referir-me aos componentes de linguagem do “fato jurídico tributário” e “critérios” para os da hipótese de incidência da norma geral e abstrata (regra-matriz do tributo).173

É preciso, portanto, além da existência da norma geral e abstrata e do acontecimento do evento (“fato gerador”, a expressão coloquial) nela previsto, que haja vinculação entre ambos e essa possa ser relatada por meio da subsunção, produzindo-se a norma individual e concreta.

Na norma individual e concreta tributária – fato jurídico tributário – encontramos elementos, já que é possível identificar uma ação concreta no mundo real, da qual se identifica, no seu antecedente, o elemento material (refere-se ao critério material, à conduta humana), contextualizado em termos de tempo (elemento temporal, pertinente ao critério pessoal) e de espaço (elemento espacial, correspondente ao critério espacial), e, no seu conseqüente, os elementos pessoal (critério pessoal) e quantitativo.174

O sujeito ativo é aquele que detém o direito de exigir a prestação pecuniária. O sujeito passivo é a pessoa – física ou jurídica – que têm o dever de cumprimento da prestação pecuniária, dentro do nexo obrigacional.

Para PAULO DE BARROS CARVALHO não há que se falar em sujeitos “diretos ou indiretos”, o que caberia em termos meramente factuais. Logo, não há, também, que se falar em substituição, quando outra pessoa é escolhida para ocupar o lugar do sujeito passivo direto (numa conceituação de RUBENS GOMES DE SOUSA), na medida em que há, pelo legislador, propriamente a instituição daquela pessoa como sujeito passivo. Na substituição tributária, o substituto absorve, desde logo, ainda no campo legislativo, a plenitude dos deveres e obrigações do sujeito passivo (principais e de caráter instrumental). Do mesmo modo, os direitos que teria o sujeito passivo são também usufruídos pelo substituto. A par disso, o substituído não pode ser olvidado, já que é fonte de referência para o esclarecimento de

173 Id., Direito tributário..., p. 109.

174 Ibid., loc. cit.

questões atinentes ao nascimento da relação jurídica tributária. Daí se dizer que o regime jurídico da substituição é o do substituído e não o do substituto.175

Como exemplo dessa passagem, da norma geral e abstrata para a norma individual e concreta, foi apresentado o caso do auferimento de renda. Afirmou-se que o auferimento de renda, dentro da linha teórica aqui adotada, é mero evento, estando à margem do sistema jurídico, enquanto não relatado em linguagem própria com a produção da norma individual e concreta, o que ocorre com a apresentação da Declaração de Rendimentos. Vale ponderar, aqui, que essa é uma conclusão que se coaduna com os pressupostos teóricos de

PAULO DE BARROS CARVALHO, notadamente, que entende que o sujeito passivo produz a norma individual e concreta, sendo que para JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES176, seguindo os ensinamentos de KELSEN, somente a autoridade jurídica (autoridade administrativa ou judicial) que a produz.

Vale trazer à colação outro exemplo: a circulação de mercadorias. Uma operação de circulação de mercadorias, de compra e vendas de mercadorias, enquanto for ocultada ao Fisco, constitui-se em mero evento, que está à margem e, portanto, fora do sistema jurídico, ainda que o ato de celebração dessa operação constitua “fato gerador” (na expressão lato sensu) ou corresponda ao critério material da regra matriz de incidência tributária do ICMS. Isto é, apenas quando essa operação for revestida da linguagem positiva que lhe é própria, com a emissão da documentação fiscal pertinente – nota fiscal e seu registro nos livros fiscais próprios e a apresentação da declaração prevista em lei (GIA – Guia de Informação) – que ocorre a produção da norma individual e concreta e sua inserção no plano jurídico. Veja-se, porém, que a norma individual e concreta pode ser produzida, também nesse caso, pela autoridade administrativa com competência investigatória ao verificar, por diversos meios de prova em Direito admitidas, a ocorrência de uma operação de circulação de mercadoria ocultada ao Fisco pelo sujeito passivo. Essa norma individual e concreta produzida pelo agente administrativo é, precisamente, o lançamento tributário, objeto principal deste trabalho.

175 Ibid., p. 157.

176 BORGES, J. S. M. Lançamento tributário, p. 102-105.

A passagem da norma geral e abstrata, pois, para a norma individual e concreta é uma redução à unidade; é a concreção do evento em linguagem jurídica própria. É, portanto, dentro dos pressupostos teóricos aqui adotados, com a produção da norma individual e concreta, revestida da linguagem própria, que se dá o nascimento da relação jurídica tributária. 177

177 CARVALHO, P. de B. Direito tributário..., p. 121; CAVALCANTE, D. L., op. cit., p. 83.

4 RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA