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3. FENÔMENO DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

7.3 PRINCÍPIOS INFORMADORES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

7.3.2 Processo Administrativo Tributário e sua Disciplina Infraconstitucional

7.3.2.2 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade já foi examinado sob o prisma constitucional, inserido no artigo 5º da Carta como direito e garantia fundamental do cidadão, no sentido de vincular a atividade, a atuação da Administração Pública à mais absoluta legalidade, sendo-lhe vedado agir contra legem ou simplesmente agir, se ausente lei disciplinadora da conduta pretendida. Na lição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO,o princípio da legalidade é a tradução jurídica do propósito político de submeter a Administração a controles contra preferências imotivadas, favoritismos, perseguições injustificadas e arbitrariedades. Ou seja, por meio de uma lei abstrata e neutra, ao menos em tese, visa-se a garantir uma atuação objetiva e imparcial.629 Daí a necessária subsunção da atuação administrativa à lei.630

A partir desse pressuposto, o princípio da legalidade, no âmbito do processo administrativo tributário, clama pela total vinculação da Administração Pública, por intermédio dos agentes fazendários, a um procedimento, de forma que os atos que o compõem estejam submetidos à lei.

627 BREWER-CARÍAS, A., op. cit., p. xxxiv.

628 Essa expressão é refutada por JUSTEN FILHO, M., Considerações sobre o processo...

629 BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de direito..., p. 71-72.

630 “A principal garantia da máxima que se desejaria fosse o fundamento do nosso ordenamento jurídico: ‘A lei é igual para todos’, é, indubitavelmente, a generalidade da norma, isto é, o fato de que a norma se dirija não àquele ou a este cidadão, mas à totalidade dos cidadãos, ou então a um tipo abstrato de operador na vida social.” (BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica, p. 182.)

A Lei nº 9.784/99 trouxe um elemento de relevo ao princípio da legalidade, ao prever, no inciso I do seu parágrafo único, que nos processos administrativos deverão ser observados, entre outros, os critérios de “atuação conforme a lei e o Direito”. Essa mesma previsão é repetida pelo inciso I do artigo 33 da Lei Complementar paranaense nº 107/05.

É dizer, o agente, no exercício de função administrativa, no âmbito do processo administrativo tributário, deve observar, além da lei (em sentido formal e estrito), ao Direito, isto é, ao ordenamento jurídico como um todo. “Ao distinguir os dois termos, o artigo disciplina que para o processo administrativo a lei não é a única fonte, nem tampouco pode ser interpretada de forma restritiva”.631 Trata-se da consagração – ou reconhecimento – da necessidade de interpretação sistêmica do Direito pelo agente administrativo, que nessa atividade está, também, nas linhas já examinadas, produzindo o Direito por meio da edição da norma individual e concreta.

Tal interpretação do inciso I do parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 9.784/99 é, outrossim, reforçada pelo exame do inciso XIII do mesmo dispositivo, quando vincula a atuação administrativa à observação do critério de “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.” Ou seja, a legalidade não mais se limita à atuação conforme a lei em termos estritos, mas impõe a observância ao fim público, a interesses, à coletividade.

O inciso II do parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 9.784/99, cuja redação foi adotada pelo inciso II do artigo 33 da Lei Complementar paranaense nº 107/05, vem, igualmente, contribuir para a formação e compreensão do conteúdo do princípio da legalidade, ao dispor que a atuação administrativa deverá atender ao critério de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes e competências, salvo autorização em lei”.

Como visto, o princípio da legalidade assegura aos cidadãos-administrados que toda privação ou limitação substancial dos seus direitos tenha de ser imposta por lei no sentido formal. Todavia, a segunda parte do dispositivo citado ressalta a força positiva do princípio da legalidade, melhor definindo seu conteúdo, ao vedar a renúncia de poderes e competências, no sentido de que, havendo determinação ou previsão legal, o agente administrativo está adstrito, vinculado àquela conduta determinada em lei. A renúncia, ainda que parcial, só pode ocorrer com autorização legal. Evita-se, com isso, que o agente

631 MOREIRA, E. B., op. cit., p. 69.

fazendário viole o princípio da legalidade por meio de omissão e que, ao menos em tese, a sua conduta não seja motivada por impulsos pessoais.

Na análise de BREWER-CARÍAS, pelo princípio da legalidade, contido em quase todas as legislações que disciplinam o processo administrativo na América Latina, pretende-se garantir o “sometimiento de la Administración a la totalidad de las fuentes del derecho”.

Desse modo, o princípio da legalidade, na sua acepção, desenrola-se nos seguintes princípios:

(i) princípio da vinculação da Administração ao Direito; (ii) princípio da hierarquia dos atos, que pela via interpretativa das leis permite consolidar a legalidade e os princípios da organização administrativa, que configuram um marco da legalidade; e (iii) princípio da limitação à discricionariedade, ou seja, a redução da arbitrariedade.632

Em síntese, quando se trata do princípio da legalidade, no plano do processo administrativo tributário, intuitivamente se fala em garantias dos cidadãos-administrados.

Desse modo, sob um enfoque, tal princípio exige que, no exame da legalidade do ato administrativo posto em análise no processo administrativo – lançamento tributário ou ato de imposição de penalidade –, sejam observadas as determinações previstas em lei. E, sob outro prisma, que os atos dos agentes, no que tange ao curso do processo administrativo, não desviem dos ritos previstos em lei própria, de regência em cada esfera. Trata-se, pois, de um regime legal do processo administrativo.

Daí decorre, o que BREWER-CARÍAS denomina de princípio da obrigatoriedade ou imperatividade do processo, isto é, havendo regulamentação do processo administrativo, o rito passa a ser obrigatório, decorrendo dessa imperatividade, fruto da própria legalidade, o princípio da responsabilidade, tanto da Administração como do agente, pela mora ou não cumprimento dos trâmites previstos.633 Pretende-se, assim, assegurar ao cidadão-administrado que o processo administrativo tributário, como direito e garantia fundamental, não seja desvirtuado do seu fim. “A legalidade – formal e substancial – é sua regra-matriz, quer no que diga respeito ao rito procedimental ou quanto às decisões ou ao exercício do poder lato sensu”.634

632 BREWER-CARÍAS, A., op. cit., p. 3.

633 Ibid., p. 21.

634 MOREIRA, E. B., op. cit., p. 68.