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3. FENÔMENO DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

5.7 INSERÇÃO DA NORMA INDIVIDUAL E CONCRETA NO SISTEMA

5.7.1 Inserção da Norma Individual e Concreta Produzida pelo Particular

Como examinado, no “lançamento por homologação”, por meio de determinação legal, é atribuído ao particular – sujeito passivo da relação – o dever de reconhecer a ocorrência do evento (“fato gerador”), descrito na norma geral e abstrata, determinar a matéria tributável, apurar o montante devido e reconhecer a sua própria situação na relação jurídico-tributária (no pólo passivo). Isto é, ao particular é atribuído o dever legal de produzir a norma individual e concreta tributária e, ainda, a obrigação de efetuar o recolhimento do quantum apurado.

Sucede que, dentro dos pressupostos aqui adotados, a produção da norma individual e concreta, seja pelo particular, seja pela Administração Tributária, somente

366 SANTI, E. M. D. de, op. cit., p. 223.

367 MELO, J. E. S. op. cit., p. 353.

368 COELHO, S. C. N. Lançamento tributário..., p. 406.

369 “Da inércia da fazenda Pública decorre para ela a extinção de seu direito de lançar. De sua inércia não pode decorrer para ela a constituição do crédito. Se o sujeito passivo da obrigação tributária realizou a apuração do valor do tributo mas a Administração Tributária ficou inerte, não homologou essa apuração, o decurso de tempo não pode criar para o titular da relação tributária, inerte, o direito de crédito que decorreria da homologação expressa. Por isto, repita-se, não se pode falar em homologação tácita, da qual resulta a constituição do crédito tributário, sem que tenha havido o pagamento que o extingue”. (MACHADO, H. de B.

Lançamento Tributário..., p. 232.)

370 “Não há lugar para um verdadeiro lançamento no âmbito do chamado ‘lançamento por homologação’, na medida em que inexiste um ato administrativo propriamente dito, não se podendo, do mesmo modo, se falar em “lançamento tácito”, o que há é a inércia com efeitos preclusivos de direito. (XAVIER, A. Do lançamento no direito..., p. 91.)

ingressa no sistema jurídico se convertida em linguagem própria, validamente prevista pelo ordenamento. Nos dizeres de PAULO DE BARROS CARVALHO, integralmente aqui adotados, “a regra jurídica individual e concreta, quando ficar a cargo do contribuinte, há de constar de um documento especificamente determinado em cada legislação”.371

Atos jurídicos, no conceito de OSWALDO ARANHA BANDEIRA DE MELLO, “são manifestações de vontade humana com objetivo de produzir efeitos de direito”.372 Na definição de CARLOS ARI SUNDFELD, “ato jurídico é uma prescrição, uma norma. Em outras palavras: uma regra destinada a regular comportamentos. (...) o ato jurídico pode não resultar de uma manifestação de vontade humana, mas significará sempre uma declaração, destinada a reger o comportamento de alguém”. O ato jurídico é o significado de uma manifestação de vontade, de uma declaração perante o Direito.373

Quando o particular presta as declarações, nos documentos próprios, pertinentes à ocorrência do fato jurídico tributário (já convertido em linguagem própria), está a produzir um ato jurídico, cuja obrigatoriedade e efeitos decorrem, específica e exclusivamente, de previsão legal. Por sua vez, o recolhimento do tributo apurado é, também, um ato jurídico derivado de uma determinação e previsão ex lege.374

O sujeito passivo ao declarar que praticou um comportamento (evento) tipificado em lei (na norma geral e abstrata) está, por esse ato jurídico, emitindo uma declaração, um verdadeiro reconhecimento quanto à prática de determinadas condutas-signo presuntivas de riqueza (promover a circulação de mercadorias, auferir renda, prestar serviços, etc.). Mas, insista-se, dita declaração não é apenas uma faculdade do sujeito passivo, é um autêntico dever tributário, uma vez que sem tais informações a Administração ficaria impedida de proceder à “gestão” tributária. Todavia, essa atividade do cidadão-administrado não se caracteriza propriamente em lançamento tributário, ato administrativo privativo da autoridade competente.375

371 CARVALHO, P. de B. Curso de direito..., p. 433.

372 BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios gerais de direito Administrativo. Rio de Janeiro:

Forense, 1969. v. 1. p. 374.

373 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 86-87.

374 Em sentido contrário são as conclusões de Alberto Xavier, para quem no “lançamento por homologação”

apesar de os atos praticados pelos particulares se equipararem, em termos lógicos, dos atos da Administração no lançamento tributário, tais atos não se tem relevância jurídica: “Certo, não pode duvidar-se que em determinados casos o contribuinte, para cumprir o imperativo decorrente da norma tributária, procede a uma operação que, do estrito ponto de vista lógico, é idêntica à efetuada pela Administração fiscal: (...). Esta operação não é, contudo, dotada de relevância jurídica. Trata-se apenas de simples operações mentais, que constituem quando muito um pressuposto de fato da conduta do devedor, mas que não constituem um ato jurídico autônomo, a que sejam imputáveis efeitos jurídicos próprios – e isto seja qual for a posição de que se adote quanto à natureza do pagamento”. (XAVIER, A. Do lançamento no direito..., p. 81.)

375 Nesse sentido: CAVALCANTE, D. L., op. cit., p. 104-105.

O dever de prestar a declaração é, ainda (também), um dever formal, uma

“obrigação acessória”, na expressão do Código Tributário Nacional, pois, na sistemática presente do ordenamento posto, irá repercutir na viabilidade de fiscalização do próprio cidadão-contribuinte que apresenta as informações, bem como com relação a outros contribuintes.

Veja-se que, além das declarações serem elaboradas pelos particulares, por óbvio, devem ser disponibilizadas à Administração, pelos meios e formas previstos em lei, tendo em vista que, sem essa apresentação, o processo comunicacional não restaria concluído.376

O particular, portanto, quando presta informações validamente à Administração Tributária, fica a elas vinculado, sendo que a possibilidade de retificação das declarações dependerá da legislação de regência de cada tributo. Via de regra, antes de iniciado o procedimento de fiscalização, é possível a retificação, mediante a apresentação de uma

“declaração retificadora” que representa, na verdade, uma nova norma individual e concreta produzida pelo administrado, substituta da originária. Nessa linha, por conseqüência, caso seja apurada quantia a maior a ser recolhida, a retificação deverá ser acompanhada do pagamento da diferença a recolher, com os acréscimos legais.

Reflita-se, porém, que a Administração Tributária, até por não intervir nas declarações e procedimentos dos particulares, não está a eles plenamente (apenas parcialmente) vinculada, podendo, na sua atividade investigatória, desconsiderá-los. É o que expressamente prevê o §2º do artigo 150 do Código Tributário Nacional, quando aduz, ainda que de forma imprecisa, que: “não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito”. Quer parecer que a “obrigação tributária”, a que tal dispositivo se refere, é a nova “obrigação” (crédito tributário) que poder vir a se instalar com a produção de uma nova norma individual e concreta – substituta da norma produzida pelo particular – realizada em lançamento oficioso. Note-se, no entanto, que o §3º do mesmo artigo 150 ressalva a vinculação parcial da atividade fiscalizatória e a efetiva produção de efeitos jurídicos dos atos do sujeito passivo, ao pontuar que tais atos “serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação”.

376 SANTI, E. M. D. de, op. cit., p. 233.

Na síntese de DENISE LUCENA, produzida a norma individual e concreta pelo cidadão-contribuinte, ela se torna “um ato jurídico, passível, entretanto, de revisão ou modificação administrativa ou judicial, como todo e qualquer ato jurídico, conforme determina a legislação”.377

Logo, mesmo que norma de aplicação da regra-matriz esteja a cargo do próprio sujeito passivo, que deve atender aos procedimentos atinentes à apuração, declaração e recolhimento do débito, na forma e prazo previstos na legislação, cabe à entidade tributante fiscalizar os atos e procedimentos do contribuinte. Caso esteja de acordo e concorde com os recolhimentos, a Administração homologa os atos jurídicos praticados pelo particular, declarando a obrigação extinta, é a “homologação expressa de lançamento”. Porém, se discordar dos procedimentos do sujeito passivo ou do responsável tributário, poderá a Administração substituí-los, produzindo uma nova norma individual e concreta, um ato de lançamento tributário oficioso e, caso seja verificada a prática de ilícito tributário, poderá aplicar medidas sancionatórias, lavrando o competente “auto de infração”.

Na ponderação de PAULO DE BARROS CARVALHO:

O ato de homologação, por atividade comissiva ou omissiva do ente que tributa, não dá o caráter de ‘lançamento’ aos expedientes praticados pelo sujeito passivo. Entendo que antes disso, ao relatar em linguagem competente (na forma de lei) o acontecimento do evento, e ao passar igualmente em linguagem adequada os termos compositivos da relação jurídico-tributária, determinando o objeto da conduta prestacional e todas as condições que tornam possível o recolhimento do correspondente valor, terá o administrado emitido uma norma individual e concreta que equivale, enquanto fonte normativa, ao ato jurídico-administrativo de lançamento. A homologação, assim expressa que tácita, é um ato de fiscalização do Poder Administrativo, e ele o exerce sobre as atividades do contribuinte, como em relação às suas próprias, mediante os procedimentos de controle de legalidade a que submete os atos praticados por seus agentes, dos quais se originam, muitas vezes, provimentos de retificação, conhecidos por

“retificação de ofício”.378 (grifos do autor)

O SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA reconhece as declarações prestadas pelo sujeito passivo ou responsável tributário, por exemplo, na chamada “Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF” (instituída pela IN-SRF 129/86, atualmente regulada pela IN8 SRF 395/2004, editada com base no art. 5º do DL 2.124/84 e art. 16 da Lei 9.779/99) ou na “Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA/ICMS”, como norma individual e

377 CAVALCANTE, D. L., op. cit., p. 104-105.

378 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito..., p. 209.

concreta que “constitui o crédito tributário” (na sua expressão), isto é, que faz nascer a relação jurídica tributária no ordenamento jurídico.

TRIBUTÁRIO. TRIBUTOS DECLARADOS PELO CONTRIBUINTE E RECOLHIDOS FORA DE PRAZO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA (CTN, ART. 138). NÃO-CARACTERIZAÇÃO. 1. (...) 2. Segundo jurisprudência pacífica do STJ, a apresentação, pelo contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF (instituída pela IN-SRF 129/86, atualmente regulada pela IN8 SRF 395/2004, editada com base no art. 5º do DL 2.124/84 e art. 16 da Lei 9.779/99) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de constituição do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do Fisco. 3. A falta de recolhimento, no devido prazo, do valor correspondente ao crédito tributário assim regularmente constituído acarreta, entre outras conseqüências, as de (a) autorizar a sua inscrição em dívida ativa, (b) fixar o termo a quo do prazo de prescrição para a sua cobrança, (c) inibir a expedição de certidão negativa do débito e (d) afastar a possibilidade de denúncia espontânea.

(...).379 (grifo nosso)

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL.

DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE. (DCTF). NÃO-PAGAMENTO.

CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. 1. Os créditos oriundos de declaração pelo contribuinte e não pagos na data do vencimento da obrigação conferem ao fisco a prerrogativa de exigir o pagamento. A partir do nascimento da obrigação inicia-se o prazo prescricional de cinco anos para a cobrança do débito, via ação judicial. 2. Não há que se falar em prazo decadencial, pois este só ocorre antes da constituição do crédito tributário.

A entrega das declarações sem a quitação prescinde de homologação, notificação e abertura de procedimento administrativo tendente a apurar o crédito. A entrega da DCTF corresponde à constituição definitiva do crédito tributário. 3. Recurso especial conhecido e improvido.380 (grifo nosso)

Na mesma linha, como já comentado, é o entendimento de DENISE LUCENA381, para quem o cidadão-contribuinte quando produz a norma individual e concreta está a constituir o crédito tributário. Há, contudo, que se ponderar que dita afirmação pode ser feita ao se pensar que, com a produção da norma individual e concreta pelo cidadão-contribuinte, instaura-se uma relação jurídica tributária de cunho obrigacional, que tem como um vértice o crédito tributário (do ponto de vista do sujeito ativo) e de outro o débito tributário (pólo passivo). Sendo assim, não se poderia falar propriamente em “constituição definitiva do crédito”, até porque “constituído o crédito tributário pelo cidadão-contribuinte, torna-se este

379 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 770.161/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 26.09.2005. Outros precedentes da 1ª Seção: AgRg nos EREsp nº 638.069/SC, DJU de 13.06.2005; AgRg no EREsp nº 509.950/PR, DJU de 13.06.2005; EREsp nº 576.661/RS.

380 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 433.693/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJU de 02.05.2005.

381 CAVALCANTE, D. L., op. cit., p. 104-105.

um ato jurídico, passível, entretanto, de revisão ou modificação, administrativa ou judicial, como todo e qualquer ato jurídico, conforme determina a legislação”.382

E, aqui, por fim, cumpre reiterar as ponderações de HUGO DE BRITO MACHADO

quanto à evolução da legislação tributária brasileira, ao recordar que, quando da edição Código Tributário Nacional, a legislação tributária impunha ao particular tão-somente o dever de apurar e recolher o tributo.383 Hoje, entretanto, evoluíram as atribuições dos administrados que passaram a ter maiores deveres na gestão tributária, cabendo-lhes, além de procederem à apuração do tributo a recolher, por meio de operação metal, prestar diversas informações ao Fisco. Essas informações oferecidas à Administração Tributária, decorrentes de imposição legal, são propriamente declarações prestadas pelos particulares, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro, são atos jurídicos, e, como tal, produzem efeitos próprios.

Tais efeitos correspondem à verdadeira produção e inserção da norma individual e concreta no ordenamento jurídico e o nascimento da relação jurídico-tributária.384

5.7.2 Inserção da Norma Individual e Concreta Produzida pela Administração – A Notificação