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3. FENÔMENO DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

3.2 REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA – NORMA GERAL E

Não obstante possa parecer à primeira vista que o estudo da regra matriz de incidência tributária, mais precisamente do fenômeno de sua incidência, fosse matéria a ser inserida no Capítulo 2 (Norma Jurídica Tributária), sua análise é desenvolvida neste Capítulo, que cuida da incidência tributária, a fim de que se compreenda – e fique mais bem tratada cientificamente – a afirmativa de que incidência tributária não ocorre automática e infalivelmente como entende boa parte da doutrina.132

Passa-se, assim, ao exame da norma tributária geral e abstrata, fazendo-se, na seqüência, o estudo da norma tributária individual e concreta, de modo a possibilitar a análise de ambas por cotejamento.

Já foi consignado que a regra matriz de incidência tributária se caracteriza como uma norma geral e abstrata, pois descreve, no plano geral e abstrato, classes de eventos que podem implicar o surgimento de uma obrigação tributária de cunho patrimonial (obrigação de dar).

Ao examinar a diferenciação entre norma geral e abstrata e norma individual e concreta, foi consignado que no antecedente ou na hipótese da norma geral e abstrata, tem-se a descrição de um rol, uma classe de eventos, isto é, de “critérios” que tem por finalidade permitir o reconhecimento da ocorrência de um evento133 e de sua eventual subsunção à norma.134

GERALDO ATALIBA, ao examinar a hipótese de incidência tributária135,isto é, ao estudar a norma geral e abstrata, esclarece que se trata de um mero conceito, necessariamente abstrato. É uma “previsão legal” e, com isto, se entende uma definição, geral, abstrata,

131 Ibid., p 11.

132 Já citados, no âmbito do Direito Tributário, destacam-se os principais nomes da doutrina nacional: BECKER, A. A., op. cit., p. 267-271; ATALIBA, G. Hipótese de incidência..., p. 62-63. Na Espanha: PEREZ DE AYALA, J. L., op. cit., p. 71.

133 Empregou-se a expressa “evento” para preservar a diferenciação que será feita a seguir entre fato e evento.

134 Capítulo 2; 2.2 “Estrutura da Norma Jurídica”.

135 Corresponde, na expressão de Paulo de Barros Carvalho,à regra matriz de incidência.

impessoal. Mas se cuida, antes de tudo, de uma definição, de um arquétipo, de um protótipo legal, formulado pelo legislador. O legislador escolhe ou recolhe os dados da realidade que deseja disciplinar e o descreve em linguagem descritiva do Direito positivo (descritor), atrelando ao seu acontecimento uma conseqüência.136

O legislador elege os eventos que o interessam, descrevendo, na hipótese ou antecedente da norma, as propriedades que esse evento deve ter para sofrer as conseqüências previstas no seu conseqüente ou suposto.

É nessa medida que PAULO DE BARROS CARVALHO, na linha de GERALDO ATALIBA e do já citado ALBERTO XAVIER, insiste na indivisibilidade da norma jurídica, admitindo apenas um seccionando provisório para fins de seu estudo. É, pois, a partir da impossibilidade de divisão da norma, que PAULO DE BARROS CARVALHO, seguido por JOSÉ ROBERTO VIEIRA137 E EURICO DINIZ SANTI138 , emprega a expressão “critérios” da norma jurídica tributária, “no sentido de coordenadas da norma que permitem reconhecer o fato descrito e a relação instaurada”.139

PAULO DE BARROS CARVALHO identifica três critérios existentes no antecedente ou na hipótese da regra-matriz tributária: o critério material, espacial e temporal. Por sua vez, no conseqüente da norma podem ser identificados os critérios pessoal e quantitativo. Pondere-se, nesse sentido, que autores como SACHA CALMON NAVARRO COELHO140 e MARÇAL JUSTEN FILHO141, visualizam também no antecedente ou na hipótese da norma tributária sinais do critério pessoal.142

Não é escopo final deste trabalho um exame exaustivo da regra matriz de incidência tributária.143 Todas as considerações feitas, até o momento, têm por finalidade dar sustentação teórica ao estudo do lançamento tributário, notadamente de sua natureza jurídica e efeitos. Desse modo, passa-se à apreciação, de forma sintética, dos critérios da regra matriz, visando a um exame coerente da matéria.

136 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência..., p. 53.

137 VIEIRA, J. R. IPI – a regra-matriz..., p. 60.

138 SANTI, E. M. D. de, op. cit., p. 127-130.

139 VIEIRA, J. R. IPI – a regra-matriz..., p. 60.

140 COELHO, Navarro Sacha Calmon. Curso de direito tributário brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 383-385.

141 JUSTEN FILHO, Marçal. O imposto sobre serviços na constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985.

p.78-175.

142 Para tais autores, a conduta descrita no critério ou aspecto, na expressão adotada por Sacha Calmon, indica uma ligação a pessoas e até a descrição dos atributos dessas pessoas, que permitem a limitação da hipótese de incidência.

143 Para um exame pormenorizado da regra matriz de incidência tributária: JARACH, Dino. O fato imponível:

teoria geral do direito tributário substantivo. Tradução de: Dejalma de Campos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989; ATALIBA, G. Hipótese de incidência...; CARVALHO, P. de B. Curso de direito...

Pois bem. No critério material da hipótese há referência a comportamentos de pessoas, físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço e tempo.144 Trata-se de comportamentos de pessoas – os quais não poder ser dissociados da ação humana – representados lingüisticamente por um verbo e seu complemento e que estão limitados por noções de tempo (critério temporal) e de espaço (critério espacial). É em função disso que

JOSÉ ROBERTO VIEIRA considera o “primeiro” dos critérios da hipótese de incidência tributária o critério material, já que os critérios de tempo e espaço têm apenas o condão de condicioná-lo a determinadas circunstâncias.145

O critério espacial possibilita reconhecer a condição, no espaço, do acontecimento de um evento, restringido-o a um determinado território. O critério temporal identifica a coordenada, no tempo, do evento. É pelo critério temporal que poderá reconhecer-se o exato momento da ocorrência daquele evento no mundo fenomênico. Como reconhecer-será examinado, para aqueles que vêem a incidência tributária como fenômeno infalível, a qual surge com o acontecimento do evento e sua subsunção à regra matriz de incidência tributária, é pelo critério temporal que poderá ser reconhecido o exato momento do surgimento ou do nascimento do vínculo jurídico, do laço obrigacional. Mas, mesmo para os que consideram necessária a expedição da norma individual e concreta e seu revestimento em linguagem própria, o critério temporal – que irá corresponder ao elemento temporal da norma individual e concreta – tem relevância ao informar o regime jurídico que rege tal fato jurídico tributário (ex vi do artigo 144 do Código Tributário Nacional).146

Feita a análise, ainda que breve, dos critérios da hipótese da norma jurídica tributária ou da regra matriz de incidência, passa-se ao seu conseqüente.

No conseqüente da norma jurídica geral e abstrata, que estipula direitos e obrigações para as pessoas envolvidas, regulando a conduta diante do acontecimento de um evento, tal como na hipótese, há também critérios para a identificação do vínculo jurídico que nasce.147 Pondere-se, aqui, que a conseqüência da norma geral e abstrata, da regra matriz de incidência tributária, não se confunde com a relação jurídica tributária específica, na primeira há uma prescrição normativa genérica do vínculo que irá nascer. “Hipótese e conseqüência estão na plataforma da virtualidade, fato e relação na da atualidade”.148

144 CARVALHO, P. de B. Curso de direito..., p. 253.

145 VIEIRA, J. R. IPI – a regra-matriz..., p. 63.

146 CARVALHO, P. de B. Curso de direito..., p. 256-259.

147 Ibid., p. 281.

148 VIEIRA, J. R. IPI – a regra-matriz..., p. 65.

Desse modo, na conseqüência da regra matriz de incidência tributária estão os

“critérios” que possibilitam identificar a relação jurídica latente. Trata-se de uma relação jurídica que sempre será intersubjetiva, ou seja, sempre o vínculo será entre pessoas, nunca entre pessoas e coisas, daí a presença do critério pessoal no conseqüente da norma, para

PAULO DE BARROS CARVALHO.149

Da mesma forma, as relações jurídicas tributárias, pertinentes à incidência tributária, constituem-se como obrigações patrimoniais, caracterizadas pela obrigação de recolher, pagar determinado tributo ou valor pecuniário. Daí a presença do critério quantitativo no conseqüente da regra matriz tributária, o que é admitido inclusive pelos autores da chamada “Escola de Glorificação do Fato Imponível”, como GERALDO ATALIBA.150

Já se comentou que, para PAULO DE BARROS CARVALHO, seguido por JOSÉ ROBERTO VIEIRA151, há dois critérios no conseqüente da regra matriz de incidência tributária: o critério pessoal e o critério quantitativo.

O critério pessoal é o conjunto de informações que aponta quem são – em termos gerais e abstratos – os sujeitos da relação jurídica que se instala: sujeito ativo, passivo ou responsável tributário.

No critério quantitativo têm-se “referências às grandezas mediante as quais o legislador pretendeu dimensionar o fato jurídico tributário, para efeito de definir a quantia a ser paga pelo sujeito passivo, a título de tributo”.152 Tem-se, pois, alíquota e base de cálculo.153 É com o concurso desses dois dados, isto é, da alíquota aplicada sobre a base de cálculo, que o montante devido, objeto da obrigação tributária patrimonial, será apurado objetivamente.

A norma tributária geral e abstrata, chamada no âmbito do Direito Tributário de regra matriz de incidência tributária, traz, portanto, a descrição abstrata de uma classe de eventos do mundo fenomênico, os quais podem sofrer as conseqüências nela previstas. Tais descrições (ou critérios) e conseqüências são as definidas em lei. Coerente, portanto, a opção terminológica de PAULO DE BARROS CARVALHO ao adotar a expressão “critérios” para decompor, para fins de apreciação, a estrutura da norma. O que a norma geral e abstrata oferece são, precisamente, “critérios” ou “juízos” que possibilitam ao intérprete identificar os eventos que se subsumirão a ela e, com isto, produzir a norma individual e concreta.

149 CARVALHO, P. de B. Direito Tributário..., p. 143.

150 ATALIBA, G. Hipótese de incidência..., p. 70.

151 VIEIRA, J. R. IPI – a regra-matriz..., p. 65-66.

152 CARVALHO, P. de B. Curso de direito..., p. 281.

153 A respeito da função da base de cálculo: Ibid., p. 327.