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3. FENÔMENO DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

7.3 PRINCÍPIOS INFORMADORES DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

7.3.2 Processo Administrativo Tributário e sua Disciplina Infraconstitucional

7.3.2.7 Princípios da ampla defesa e do contraditório

A ampla defesa e o contraditório foram examinados no âmbito constitucional dos princípios que regem a atuação administrativa, na análise do princípio do devido processo legal, extraídos do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

No âmbito infraconstitucional, tais princípios vêm apontados distinta e expressamente. A Lei Federal nº 9.784/99, na esfera do processo administrativo federal, e a Lei Complementar nº 107/05, no processo administrativo tributário no Estado do Paraná, contribuem para a definição do conteúdo desses princípios.

O contraditório possibilita ao interessado a ciência de dados, fatos, argumentos, documentos, de modo que possa reagir ou contraditar o seu teor ou interpretação, apresentando contra-argumentos, contraprovas, documentos, fatos, dados. O princípio do contraditório está vinculado à ampla defesa, de modo que cada qual se completa. O contraditório tem finalidade instrutória da busca da verdade material, conhecimento amplo e preciso dos fatos, dados, argumentos e provas para o proferimento da decisão mais correta.

Propicia, ainda, a impessoalidade e a imparcialidade ao conceder a oportunidade de todos os sujeitos envolvidos de participarem do processo. Com isso, amplia-se a transparência administrativa.

Ele está vinculado à democratização administrativa, tanto sob o ângulo da cooperação dos interessados quanto sob o prisma da visibilidade dos momentos que antecedem a decisão, possibilitando que cada interessado externe seu ponto de vista e argumentos próprios quanto a determinados fatos. Não se pode olvidar que no processo administrativo se reconstrói um passado, frente ao que a possibilidade dessa reconstrução

659 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. O processo administrativo fiscal e os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência administrativa pública. Processo Administrativo Fiscal.

São Paulo: Dialética, v. 4, p. 9-18, 1999.

deve ser a mais ampla possível, notadamente para aquele cuja esfera de direitos será atingida (o administrado).660 Daí decorrem do contraditório os direitos à informação geral, à ouvida dos sujeitos e à motivação, uma vez que para contraditar qualquer ato é necessário conhecer seus fundamentos de fato e de direito.661

Na lição de EGON BOCKMANN MOREIRA, na atual concepção da processualidade administrativa, o princípio do contraditório impõe à Administração que colabore ex offício na participação e interação do cidadão-administrado no processo, chamando-o a participar, colaborar na instrução processual. É dizer, a “Administração tem o dever de gerar o contraditório, uma vez que maneja interesses públicos (indisponíveis).”662

Assim, o princípio do contraditório não trata apenas do “direito à prova”, mas é garantia de participação processual como pressuposto de validade de toda a atividade instrutória. Participação, essa, compreendida em sentido amplíssimo. Ou seja, integralidade de manifestações processuais (verbais e escritas) oferecidas pelas partes integra o exercício do contraditório – quanto à possibilidade de sua apresentação, dever de intimação da parte adversa e necessidade de serem integralmente apreciadas.663

Para BREWER-CARÍAS, o princípio da defesa pode ser considerado “tan viejo como el mundo”, caracterizando-se, assim, como uma garantia inerente à própria pessoa.664 Antes da Constituição Federal de 1988, MANOEL DE OLIVEIRA FRANCO já ponderava que: “A garantia de defesa, como princípio de eficácia, no procedimento administrativo, constitui na ordem jurídica imperativo de natureza constitucional”.665

Tal como a Constituição Federal de 1988, que não alude apenas ao direito de

“defesa”, mas reporta-se à “ampla defesa”, tanto a Lei Federal nº 9.784/99 como a Lei Complementar paranaense nº 107/05 seguem o mesmo passo.

Nas lições de ODETE MEDAUAR, a “ampla” defesa representa a evolução do princípio, significando “que a possibilidade de rebater acusações, alegações, argumentos, interpretações de fatos, interpretações jurídicas, para evitar sanções ou prejuízos, não pode

660 “Para o caráter metódico do procedimento e sua relativa autonomia é significativo, que cada processo tem sua própria história, que se diferencia da ‘história geral’. Os participantes têm, por esse meio, uma hipótese e tentam-na muitas vezes: consiste em atribuir-se dentro do procedimento, um passado novo. Enquanto se esforçam por isso, envolvem-se, por descuido, naquilo que vai se tornar o passado do processo legal e que restringe agora, progressivamente, as suas possibilidades de ação dentro do próprio procedimento. Quem se quiser tornar mestre na arte do processo jurídico tem, portanto, que aprender a controlar simultaneamente dois passados”. (LUHAMNN, N. Legitimação pelo procedimento..., p. 41.)

661 MEDAUAR, O. A processualidade..., p. 96.

662 MOREIRA, E. B., op. cit., p. 232.

663 Ibid., p. 233.

664 BREWER-CARÍAS, A., op. cit., p. 263.

665 OLIVEIRA FRANCO SOBRINHO, M. Introdução ao direito..., p. 328.

ser restrita, no contexto em que se realiza”. O princípio da ampla defesa pede, assim, pela anterioridade da defesa, ou seja, a garantia de que a apresentação de argumentos, alegações, provas, dados, serão levados a efeito pelos interessados antes da produção do ato decisório que venha a afetar os direitos do cidadão-administrado. 666

Em sentido próximo, ALBERTO XAVIER examina quais seriam os meios inerentes à ampla defesa, apontando:

o direito de participação nos processos, o direito à informação, a fundamentação dos atos administrativos, a publicidade, a impossibilidade de provas obtidas por meios ilícitos, o direito à prova nos seus três corolários (direito de acesso à prova, o direito à apreciação de prova e o direito à impugnação de prova).667

No âmbito do processo administrativo, o princípio da ampla defesa é uma exigência do próprio princípio de justiça e, ainda, do princípio da eficácia das decisões, na medida em que, assegurando um melhor conhecimento dos fatos sobre os quais vai se decidir, contribui-se para aprimorar a decisão a ser proferida.668

O desdobramento do princípio da ampla defesa, identificado por ODETE MEDAUAR, é o direito de interpor recurso. ALBERTO XAVIER em análise do artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988 – que cuida do direito de petição – e do inciso LV, do mesmo dispositivo, entende que o direito de petição dá sustentação à impugnação (também chamada de defesa ou reclamação) a ser apresentada contra o ato administrativo primário que se discute (lançamento tributário), enquanto que o direito de recurso, contido na parte final do inciso LV, refere-se ao recurso apresentado contra ato secundário, ou seja, já um ato de julgamento.669 Daí o autor português visualizar a existência de fundamento constitucional que assegure um “duplo grau de deliberação” ou “dupla instância” administrativa.670

No âmbito do processo administrativo tributário federal e estadual estão assegurados tanto o direito de impugnação, contra o que ALBERTO XAVIER chama de ato primário (que seria o próprio lançamento), como o direito de recurso, a ser interposto contra o ato secundário, já um ato de decisão, reexame do ato primário.

666 MEDAUAR, O. A processualidade..., p. 112.

667 XAVIER, A. Princípios do processo..., p. 11.

668 BREWER-CARÍAS, A., op. cit., p. 265.

669 XAVIER, A. Princípios do processo..., p. 13-15.

670 Em sentido contrário José Carlos Moreira Alves, para quem os recursos são aqueles assegurados em lei (ALVES, J. C. M., op. cit., p. 19.)

O respeito à garantia da ampla defesa, na lição de A. GORDILLO, não deve ser apenas negativo, mas também positivo. O agente administrativo tem, assim, o dever de facilitar ao cidadão-administrado o exercício pleno e adequado de defesa.671 Na sua síntese:

“El administrador es así el guardián y responsable del cumplimiento del principio pro acione, conforme al cual debe asegurarse, por razones de interés público, el ejercidio del derecho de accionar y recurrir de los indivíduos”.672

A “defesa técnica” e autodefesa são consideradas duas vertentes da ampla defesa. A autodefesa é o direito outorgado ao interessado, sujeito de direitos, de pessoalmente apresentar seus argumentos, enfim, atuar no processo administrativo, inclusive no tange ao direito de audiência, isto é, apresentar razões orais. A defesa técnica se caracteriza pela atuação do representante legal do interessado, o advogado. A autora apresenta várias justificativas a favor da defesa técnica: equilíbrio entre os sujeitos ou paridade de armas;

conhecimento especializado; e a própria presença do advogado que não é guiado por emoções ligadas ao resultado da lide.

ODETE MEDAUAR673 e ROMEU FELIPE BACELLAR FILHO674 citam como desdobramento da ampla defesa a chamada “defesa técnica”, realizada por advogado, como exigência para que se assegure a ampla defesa do cidadão-administrado, nos processos em que se discute matéria de alta complexidade técnica (onde se inclui o processo administrativo tributário) e naqueles em que se discute a aplicação de penalidade de grave teor. Nesses casos, assim, a defesa técnica deveria se caracterizar como uma exigência formal e, nas hipóteses em que o cidadão-administrado não tivesse condições de arcar com as despesas, caberia à Administração Pública nomear defensor dativo.675 O tema traz controvérsia, tendo a Lei nº 9.784/99 se limitado a prever a defesa técnica como mera faculdade.676 A mesma linha seguiu a Lei Complementar paranaense nº 107/05.

A ampla defesa se manifesta, outrossim, na questão probatória, em seus três corolários, como observa ALBERTO XAVIER.Trata-se, assim, do direito de solicitar a produção de prova, o direito à apreciação de prova e o direito à impugnação de prova.677 Sendo assim, mesmo que a legislação de regência do processo administrativo tributário não assegure,

671 GORDILLO, A., op. cit., p. II-27.

672 Ibid., p. II-29.

673 MEDAUAR, O. A processualidade..., p. 118.

674 BACELLAR FILHO, R. F., op. cit., p. 310-311.

675 MEDAUAR, O. A processualidade..., p. 118.

676 BACELLAR FILHO, R. F., op. cit., p. 310-311.

677 XAVIER, A. Princípios do processo..., p. 11.

expressamente, o direito de produção e apresentação de provas, é ele um direito que decorre do próprio princípio constitucional do devido processo legal e da ampla defesa.678

A Lei Federal nº 9.784/99, bem como a Lei Complementar paranaense nº 107/05, prevêem expressamente o direito “à produção de provas” (inciso X do parágrafo único do artigo 2º) e a “apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente” (inciso III do artigo 3º).

No exercício da ampla defesa, no âmbito do processo administrativo, EGON BOCKMANN MOREIRA faz referência, ainda, à chamada defesa “direta” ou de mérito e à defesa

“indireta” ou processual. A defesa direta ou de mérito se volta contra o próprio conteúdo substancial da discussão, voltando-se à materialidade dos fatos e aplicabilidade das normas jurídicas. A seu turno, a defesa indireta ou processual não questiona o conteúdo material da discussão, mas tem por escopo impedir a prolatação de uma decisão de mérito, insurge-se contra o próprio processo, almejando sua extinção ou impedimento de lhe ser dado andamento.679