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3. FENÔMENO DA INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

5.7 INSERÇÃO DA NORMA INDIVIDUAL E CONCRETA NO SISTEMA

5.7.2 Inserção da Norma Individual e Concreta Produzida pela Adminis-

Tem-se insistido, como diretriz do presente trabalho, que a norma geral e abstrata, para alcançar o pleno teor de “normatividade”, pede a edição da norma individual e concreta, que irá atingir e produzir efeitos no plano da realidade social.385 O relato do acontecimento pretérito é, exatamente, o modo como se constitui o fato jurídico, enquanto entidade lingüística. É dizer, apenas com o relato do evento em linguagem competente, prevista pelo próprio ordenamento jurídico, que haverá sua recepção pelo sistema jurídico, como fato jurídico. Daí precisamente que PAULO DE BARROS CARVALHO entende que a norma individual e concreta, ao relatar o evento ocorrido, é declaratória da sua ocorrência, mas é, ao

382 Ibid., loc. cit.

383 MACHADO, H. de. B. Lançamento tributário..., p. 231.

384 Em sentido contrário Alberto Xavier: “A elaboração dos documentos pelo contribuinte não se constitui como ato jurídico de aplicação da norma material pelo particular, mas como mero cumprimento de ‘dever tributário acessório’”. (XAVIER, A. Do lançamento no direito..., p. 83.)

385 Na terminologia de Canotilho, que utiliza a expressão “norma de decisão” para se referir à norma individual e concreta. (CANOTILHO, J. J. G., op. cit., p. 1207.)

mesmo tempo, constitutiva do vínculo que passa a existir, com a edição do enunciado relacional, do qual nasce a própria relação jurídica obrigacional.386

Foi objeto de exame, igualmente, que o lançamento tributário, enquanto

“mecanismo” por meio do qual se verifica a ocorrência do evento (“fato gerador”), identifica a matéria tributável, no tempo e espaço e determinados, bem como os sujeitos da relação jurídica, a partir de critérios contidos na norma geral e abstrata tributária, é verdadeira norma individual e concreta.

Não basta, contudo, a ocorrência do evento descrito no antecedente da norma geral e abstrata para que se tenha instituída a relação jurídica no plano concreto e individual, é necessária a edição da norma individual e concreta. Do mesmo modo, não é suficiente a existência do procedimento administrativo prévio ao lançamento (atos de fiscalização, etc.), para que haja o próprio lançamento; apenas quando houver a conclusão dos procedimentos prévios, com a produção do seu ato-fim, que se pode falar em “lançamento tributário”. Não obstante a isso, é necessário que o ato de lançamento, como norma jurídica que é, seja revestido da linguagem competente para que ganhe eficácia jurídica plena.

Voltando a recorrer às lições de PAULO DE BARROS CARVALHO, tem-se que a

“eficácia técnica” está relacionada à que a norma possua o aparato de outras normas reguladoras ou aparato material que possibilite sua incidência jurídica. “Eficácia técnica é a qualidade que a norma ostenta, no sentido de descrever fatos que, uma vez ocorridos, tenham aptidão de irradiar efeitos jurídicos, já removidos os obstáculos materiais ou as impossibilidades sintáticas”.387

A “eficácia jurídica”, por sua vez, é o mecanismo de incidência, o fenômeno pelo qual, ocorrendo o fato descrito no antecedente, decorrem os efeitos prescritos no conseqüente. É o fenômeno que acontece quando os fatos jurídicos se instalam. “Sendo assim, quadra afirmar que ‘eficácia jurídica’ é a propriedade do fato jurídico de provocar os efeitos que lhe são próprios (...). Não seria, portanto, atributo da norma, mas sim do fato previsto na norma”.388

Sendo o lançamento tributário ato jurídico administrativo que impõe obrigações ao particular, por seu próprio conteúdo, o ordenamento jurídico impõe à Administração o dever de dar conhecimento aos administrados de seu teor, mediante

386 CARVALHO, P. de B. Direito tributário..., p. 236.

387 Ibid., p. 56.

388 Ibid., p. 55.

documento próprio previsto na legislação, em geral escrito, denominado “notificação de lançamento tributário”.

Na síntese de ALBERTO XAVIER, a notificação de lançamento se caracteriza como requisito de perfeição do lançamento, considerando-se um “ato receptício”389. Ou, ainda, na conclusão de EURICO DE SANTI: “a notificação é o pressuposto fáctico necessário do suporte factual do ato-norma: sem sua materialização não nasce ato-norma administrativo válido”.390

O Código Tributário Nacional não disciplina a forma pela qual o ato de lançamento tributário deve ser levado a conhecimento do interessado (sujeito passivo ou responsável). A notificação do lançamento – sem ainda se falar em imposição de penalidade – é disciplinada pela legislação de instituição e regência de cada tributo, levando em conta a modalidade prévia ao lançamento. Contudo, se for levado em conta os nortes da produção da norma individual e concreta e sua inserção no plano jurídico, assim como os princípios informadores da atividade administrativa, expressamente previstos na Carta Constitucional de 1988391, notadamente o princípio da publicidade, a notificação do lançamento tributário se constitui em um dever imposto à Administração, como requisito de eficácia de seus atos.392 E, é, além disso, uma garantia ao administrado na defesa de seus direitos perante a Fazenda Pública, já que, para cumprir com a obrigação imposta pelo ato administrativo (recolhimento do gravame), é imperioso que seja dado a ele conhecimento do seu pleno teor a tempo, inclusive, de reagir à sua edição, caso julgue pertinente.

O efeito, por excelência, da notificação do lançamento tributário é, além de dar conhecimento de todo o conteúdo da norma individual e concreta produzida pela Administração Tributária no lançamento ao sujeito passivo ou responsável, o de abrir o prazo para pagamento voluntário do tributo, na forma e prazo definidos pela legislação, iniciando,

389 XAVIER, A. Do lançamento no direito..., p. 204.

390 SANTI, E. M. D. de, op. cit., p. 245.

391 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

392 “(...) ‘A notificação ao sujeito passivo é condição para que o lançamento tenha eficácia. Trata-se de providência que aperfeiçoa o lançamento, demarcando, pois, a constituição do crédito que, assim, passa a ser exigível do contribuinte - que é instado a pagar e, se não o fizer nem apresentar impugnação, poderá sujeitar-se à execução compulsória através de Execução Fiscal – e oponível a ele – que não mais terá direito a certidão negativa de débitos em sentido estrito. A notificação está para o lançamento como a publicação está para a Lei, sendo que para esta o Min. Ilmar Galvão, no RE 222.241/CE, ressalta que: 'Com a publicação fixa-se a existência para a lei e identifica-se a sua vigência...' (...)’ (Leandro Paulsen, in "Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência", Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2006. p. 1076).” (Brasil. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 738205-PR, 1ª Turma, Min. Rel. Luiz Fux.

Data da decisão: 05.10.2006, DJU de 30.10.2006, p. 249.)

ainda, indiretamente, o cômputo do prazo de prescrição para a exigência de pagamento do débito tributário liquidado.393

Nessa linha, cumpre enfatizar que o §3º do artigo 37 da Constituição Federal, em seu inciso II, confere à lei a competência para disciplinar “as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no art. 5º, X e XXXIII”. Por sua vez, o invocado inciso XXIII do artigo 5º arrola, como garantia fundamental do particular perante a Administração: o “direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

Os citados dispositivos revelam que a disciplina legal da forma de intimação do administrado, quanto aos atos administrativos que interferem em sua esfera de direitos e deveres, é uma verdadeira garantia constitucional. No plano tributário não poderia ser diferente, tratando-se o lançamento tributário de ato administrativo por meio do qual há o nascimento da obrigação tributária. Por isso se pode afirmar que a própria existência de disciplina legal, contida na lei de regência de cada tributo, das formalidades que a notificação de lançamento deve atender é oriunda daquela tutela constitucional dos direitos dos administrados, prevista no artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal. Em outros termos, a previsão legal dos requisitos da notificação de lançamento, ao mesmo tempo, decorre e é uma garantia do particular perante a atividade administrativa.

Trata-se de uma concepção do instituto da notificação como uma garantia para o particular, que procura compelir a indefinição e insegurança jurídica, a inércia e desinformação administrativa, notadamente inspirada nos princípios que informam a atividade da Administração Pública.394

Pode ser identificado, assim, na legislação brasileira, normalmente na legislação de instituição e regência de cada tributo, os requisitos e garantias para que se considere eficazmente praticada a notificação de atos de lançamento tributário. Por exemplo, no caso do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), típico tributo sujeito ao lançamento de ofício, a Lei Complementar do Município de Curitiba nº 40/2001 arrola, nos seus artigos 44 e 45, os requisitos da notificação do lançamento tributário:

393 XAVIER, A. Do lançamento no direito..., p. 194.

394 AGULLÓ, Eva Aliaga. Notificaciones en derecho tributário:análisis de jurisprudencia y doctrina administrativa.

Madrid: Marcial Pons, 1997. p. 5-8.

Art. 44. O Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana será lançado anualmente, de ofício, considerando-se as circunstâncias objetivas e subjetivas existentes à data da ocorrência do fato imponível.

Art. 45. O contribuinte será notificado da exigência do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, mediante publicação de edital no órgão de imprensa oficial local.

Parágrafo único. O edital de notificação, conterá:

I - nome do contribuinte e indicação fiscal do imóvel;

II - valor do imposto;

III - prazo para pagamento; e

IV - prazo para impugnação da exigência;

Ainda no âmbito da legislação municipal de Curitiba, o artigo 77 da Lei Complementar Municipal nº 40/2001 disciplina a forma e os requisitos da notificação do sujeito passivo quanto à incidência e exigência da contribuição de melhoria sobre a propriedade predial e territorial urbana, prevendo que deverá ser realizada mediante publicação de edital no órgão de imprensa oficial local, contendo: (a) nome do contribuinte e indicação fiscal do imóvel; (b) valor da Contribuição de Melhoria; (c) prazo para pagamento;

(d) prazo para impugnação da exigência; e (e) demais elementos que integrarem o cálculo da contribuição.

Outro exemplo que pode ser citado diz respeito ao Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA), instituído e regido no Estado do Paraná pela Lei nº 14.260/2003. A Instrução/SEFA nº 23/2006, que regulamenta a citada Lei, disciplina a atividade da Administração no que pertine à obtenção de dados dos veículos e ao próprio lançamento do crédito tributário, prevendo a necessidade notificação formal do lançamento, via postal, em documento que contenha a identificação do veículo automotor, base de cálculo, alíquota e valor devido, forma e prazo de pagamento.

Enfim, importa deixar assente que o dever de proceder à notificação tributária do lançamento é um dever legal de ordem estritamente formal, devendo ser atendidos os pressupostos previstos nas respectivas legislações de regência de cada tributo.

Tal como o lançamento, a notificação, como ato jurídico administrativo, pode existir; ser válida ou não válida; eficaz ou não eficaz. Notificação existente é a que reúne os elementos necessários ao seu reconhecimento.

Válida, quando tais elementos se conformarem aos preceitos jurídicos que regem sua função, na ordem jurídica. E eficaz aquele que, recebida pelo destinatário, desencadeia os efeitos jurídicos que lhe são próprios.395

395 CARVALHO, Paulo de Barros. Decadência e prescrição. São Paulo. p. 74-75 apud XAVIER, A. Do lançamento tributário..., p. 195.

Podem ser identificados os seguintes elementos essenciais, que assim se caracterizam, não apenas em decorrência de expressa previsão legal, mas tendo em vista o próprio conteúdo da notificação, informado pelo princípio da publicidade. Na notificação de lançamento tributário, portanto, devem constar os seguintes elementos: (a) a precisa identificação do fato jurídico tributário que se tributa; (b) o elemento espacial e temporal (período); (c) o sujeito passivo da obrigação tributária; (d) os elementos determinantes do quantum devido, tais como base imponível, alíquota, deduções, entre outros; e(e) todos os elementos que possibilitem dar conhecimento ao sujeito passivo da determinação do valor do gravame e que possibilitem a impugnação do lançamento.396

Todavia, além desses elementos essenciais da notificação do lançamento tributário, a fim de que seja assegurado o amplo direito de defesa do administrado, bem como para que seja dada ampla transparência da atuação administrativa, a notificação deve ser instruída com informações relativas à indicação das medidas (impugnações e recursos) que, eventualmente, caibam contra o ato de lançamento que se notifica, bem como quanto ao órgão em que tais mecanismos de defesa devem ser dirigidos e, especialmente, o prazo para a sua apresentação.