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FENOMENOLÓGICA? O QUE É PSICOPATOLOGIA?

No documento PSICODIAGNÓSTICO - CLAUDIO HUTZ.pdf (páginas 191-194)

A descrição fiel das experiências internas ou subjetivas do paciente – a fenomenologia – foi aperfeiçoada por Jaspers (1985, 1997). Seu método compreensivo difere do utilizado na semiologia psicodinâmica, dirigido à compreensão no sentido de interpretação psicanalítica do significado inconsciente dos sintomas, na busca de uma explicação. Na psiquiatria, e também na psicologia, a fenomenologia transformou-se em outro “embaralhamento” ou confusão conceitual, sinônimo de psicopatologia e de sintomatologia descritiva – isto é, a observação e a categorização dos eventos psíquicos anormais, as experiências internas do paciente (delírios e alucinações, depressão e ansiedade) e seu comportamento observável (agitação psicomotora, catatonia). Ghaemi (2007) propôs que a fenomenologia seja levada mais a sério pelos psiquiatras, e, citando Binswanger, enfatizou como primeiro passo na entrevista o comprometimento com o paciente como pessoa, por meio de um processo em que se estabelece um contato afetivo e tenta-se experienciar ou vivenciar seus estados subjetivos. Jaspers (1985) teria denominado essa atitude de “penetração empática”. Huber (2002) caracteriza a atitude fenomenológica proposta por Jaspers como uma articulação entre a capacidade de se comunicar com o paciente, por meio da empatia, e a capacidade de um distanciamento, por meio da imparcialidade e da objetividade.

Ao examinar uma consequência não intencional dos DSMs – a morte da fenomenologia nos Estados Unidos –, Andreasen (2007) analisa os diferentes significados daquela expressão até Jaspers, quando passou a indicar experiências subjetivas internas. Entretanto, lá e também aqui, fenomenologia, como escrito anteriormente, passou a ser quase sinônimo de semiologia descritiva, a base da nosologia psiquiátrica (o estudo das doenças e/ou transtornos mentais) e da nosografia com suas categorias diagnósticas ou classificações dimensionais (classificação e estatística dos transtornos mentais). Essa semiologia descritiva e objetiva é baseada em Kraepelin e nos neokrae​pelinianos dos DSMs: Goodwin e Guze (1984). Por isso o termo híbrido “descritivo-fenomenológico” parece mais correto para referir-se ao método de avaliação da psicopatologia, na sua acepção ampla, que inclui a descrição de sinais, sintomas, pensamentos e emoções e, ainda, vivências internas a eles subjacentes, empaticamente compreendidas pelo examinador.

No entanto, a fenomenologia relaciona-se e se complementa com as filosofias existencialistas de Kierkegaard, Husserl, Heidegger e Sartre (Abbagnano, 1999). Embora com diferenças, todas compartilham a ideia central da análise do modo de ser do homem no mundo, em determinada situa​ção. Por essa análise, denominada existencial, entenda-se a análise, em termos de possibilidades, das situações mais comuns ou fundamentais em que o homem vem a se encontrar, incluindo certos aspectos

considerados “negativos” da experiên​cia humana, como a dor, o fracasso, a doença e a morte, aspectos habitualmente excluídos das abordagens românticas do positivismo do século XVIII e do idealismo. Nos existencialismos, o homem nunca é infinito e nunca encerra em si a totalidade e, por isso, considera-se a transcendência (o ato de se estabelecer uma relação), sem que essa relação signifique unidade ou identidade, garantindo, assim, a alteridade, o reconhecimento do outro e da sua importância. É isso que viabiliza a percepção dos sintomas subjetivos pelo sujeito examinador na psicopatologia e semiologia compreensiva e fenomenológica de Jaspers, anteriormente caracterizadas. O leitor interessado nas controvérsias da fenomenologia na psicopatologia poderá buscar outras fontes, além das referidas, nos trabalhos comemorativos aos 100 anos da Psicopatologia geral de Jaspers.

O enfoque fenomenológico considera inseparáveis o sujeito e sua doença, ao mesmo tempo em que o examinador busca um retrato vivo e detalhado dos fenômenos e da pessoa que os apresenta. A questão da transcendência sugere pensar, em futuro próximo, no acréscimo do exame do significado e sentido da vida e da espiritualidade nas entrevistas clínicas. É oportuno lembrar que a autotranscendência – parte do modelo psicobiológico de Cloninger para a personalidade – pode ser conceituada como a capacidade de aceitar a ambiguidade e a incerteza, com aceitação espiritual e identificação com o mundo mais amplo.

Afeto e humor no exame, ou semiologia das emoções e dos sentimentos

A proposta de uma diferenciação entre afeto e humor já havia sido feita por Osório (2003, 2004). Mas a constatação do quase abandono da área das emoções – e/ou dos afetos e sentimentos –, ao serem examinados em trabalhos publicados que abordam o EEM, justifica uma consideração adicional. Bear e colaboradores (2002, p. 618), ao examinar a linguagem, declaram que “. . . todas as linguagens transmitem as sutilezas da experiên​cia emocional e da expressão das emoções humanas”.

Cabe ao estudante ou profissional, na condição de interlocutor, quando realiza o EEM, “. . . buscar, seguir e responder às emoções e ​áreas de interesse do paciente, carregadas emocionalmente” (Strauss, 1995). Para Strauss (1995), não proceder assim seria a insuficiência mais comum observada nos candidatos aos exames orais do American Board of Psychiatry and Neurology dos Estados Unidos.

De acordo com Osório, Goldim, Albrecht, Machado e Eizirik (2006), encontram- se – no campo das emoções, dos sentimentos, dos afetos e do humor – erros de tradução de idiomas, ambiguidades e confusões conceituais semelhantes aos observados em outras áreas da psicopatologia e da psiquiatria; nestas, os exemplos podem ser a incoerência (diferente da desagregação do curso do pensamento), a confusão mental e o estupor (ora considerado alteração da consciência, ora da conduta ou da

psicomotricidade, dependendo das fontes consultadas). Alguns erros devem-se a problemas relacionados ao uso e à tradução de termos. Algumas confusões se devem ao peso da tradição: afeto e humor não teriam diferenças essenciais, o humor corresponderia ao clima (condições gerais, longo prazo); o afeto, ao tempo (condições específicas, em dados momento); o humor seria interno, subjetivo; o afeto seria externo, observável, de acordo com muitos textos de semiologia psiquiátrica. Entretanto, contrariando traduções e tradições, uma pessoa pode andar “alegre e contente”, “triste e desgostosa” ou “envergonhada e culpada”, mas, em cada par dessas emoções, não se está lidando com sinônimos: alegria e contentamento, tristeza e desgosto, vergonha e culpa, podem, naturalmente, andar juntas sem serem equivalentes. O paciente não precisa ser alexitímico ou aprosódico para não ser capaz de reconhecer sentimentos, discriminar uma emoção da outra ou expressar suas emoções, mas é melhor que o examinador desenvolva as suas próprias competências, emocional e linguística, para captar as nuanças e sutilezas dos diferentes estados emocionais – seus e do próprio paciente. Isso requer bem mais do que a capacidade de empatia, de uma boa teoria da mente e da integridade anatômica do cérebro do estudante ou do profissional.

Há um contraste notável entre a abundância de publicações na imprensa leiga sobre o tema amor e/ou ódio, e a relativa escassez de publicações científicas sobre esses temas. Nas bem conhecidas edições do Kaplan & ​Sadock, tornaram-se cada vez mais raros os temas amor e ódio, simbolismo e criatividade, apesar da existência de muitas linhas no tema da violência.

A QUESTÃO DAS CORRENTES OU ESCOLAS DE

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