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PROCEDIMENTOS PARA AUMENTAR A QUALIDADE DAS INFORMAÇÕES DA ANAMNESE

No documento PSICODIAGNÓSTICO - CLAUDIO HUTZ.pdf (páginas 109-120)

Conforme relatamos, as informações coletadas na entrevista de anamnese podem estar sujeitas a diferentes ameaças à sua validade. Além da consulta a diferentes fontes de dados, alguns cuidados podem ser tomados para aumentar a qualidade das informações. Já no início da entrevista, é importante que o psicólogo esteja atento ao nível socioeducacional do ​informante, de forma a adequar as perguntas ao seu vocabulário. Em todas as entrevistas, termos ​técnicos devem ser substituídos por outros que sejam de simples compreensão ou devem ser devidamente explicados. Por exemplo, quando questionamos sobre os índices Apgar recebidos ​pela criança no primeiro e no quinto minuto após o nascimento, é comum que alguns pais fiquem em dúvida quanto à resposta. Entretanto, ​quando explicamos que é o número dado pela equipe médica conforme as condições de saúde da criança ao nascer, normalmente a resposta é fornecida.

Em caso de confusões, informações divergentes ou incompletas, uma estratégia bastante útil é perguntar a mesma questão de diferentes formas e em momentos diferentes da ​entrevista. A mudança de vocabulário pode favorecer outras associações e memórias de aspectos não relatados, culminando no surgimento de respostas novas ou complementares.

Às vezes o psicólogo pode ter ​dificuldades por causa da maneira como o informante se comunica. Pode haver entrevistados ​muito prolixos, que se prendem a um longo ​discurso, com explicações supérfluas e demoradas sobre aspectos simples. Há também pessoas que fogem constantemente do tema, tratando de questões não relevantes para aquele ​momento ou desviando o foco para outras pessoas que não o avaliando. Com esses informantes, o psicólogo pode ter de agir de forma assertiva e retomar o objetivo das questões e o tempo limita​do da entrevista de anamnese. O outro extremo também acontece, quando o informante é ​muito conciso e exprime sua percepção com um número reduzido de palavras ou com respostas muito diretas. Com esses informantes, é preciso incentivar a fala espontânea, sendo útil a retomada do que foi falado pela repetição de uma palavra-chave seguida por interrogação. Por exemplo, a mãe afirma que o desenvolvimento da linguagem foi normal. O entrevistador questiona “normal?”, esperando que ela forneça mais detalhes sobre o que foi dito. Em alguns casos, perguntas complementares precisarão ser ​feitas, do tipo “o que você considera normal?” ou “como foi o desenvolvimento comparando com um irmão ou colega?”. O fornecimento de marcos referenciais pode ser útil para ajudar a pessoa a se lembrar ou a fornecer detalhes que não foram bem pensados anteriormente.

As perguntas que sugerem respostas diretas, do tipo sim ou não, devem ser evitadas na anamnese. Também se deve limitar o uso de questões que possam induzir o

informante a confirmar uma percepção do psicólogo, que nem sempre é verdadeira. Além disso, em caso de informantes que falam pouco, o entrevistador deve ter cuidado para não completar frases ou mudar o foco das perguntas antes que uma resposta satisfatória e completa seja dada. Em situações como essa, o psicólogo pode se sentir ansioso e procurar auxiliar o informante, mas deve conter-se, a fim de não interromper o fluxo de pensamentos do entrevistado ou de quebrar um silêncio incômodo quando ele sugere reflexão ou elaboração.

Algumas vezes, o informante pode se ​sentir incomodado e chorar, e é importante que o psicólogo deixe-o confortável para isso. Nesses momentos, pode-se dar uma pequena pausa na entrevista, retomando em seguida com as adaptações necessárias. A observação é um recurso muito importante na anamnese, que pode nortear a conduta do psicólogo para além das informações.

A qualidade dos dados coletados também depende do entendimento correto daquilo que é informado. Deve-se ter cuidado com o significado de palavras e expressões usadas pelo entrevistado que possam ter diferentes sentidos para o psicólogo. O conhecimento do vocabulário e o domínio da mesma língua do informante não impedem a ocorrência de dificuldades de compreensão da fala espontânea. Essas ​- dificuldades são bastante comuns para pessoas de condições sociodemográficas e educacionais muito diferentes. Por isso, é sempre válido registrar as palavras do informante e buscar compreender o sentido empregado em expressões pouco usuais ou dependentes de contexto. Perguntas abertas sobre o significado de algo, do tipo “o que você quis dizer com...” ou pedidos para que o informante fale mais sobre determinado aspecto podem ajudar nesse sentido. Mesmo com todos os cuidados, pode acontecer de o psicólogo ter um entendimento diferente do que o informante quis expressar. Para diminuir esses problemas, o profissional pode avaliar a utilidade de fazer uma breve explanação sobre as informações coletadas ao final da entrevista, questionando a concordância do informante com o que foi exposto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme discutimos neste capítulo, a entrevista de anamnese é um recurso essencial para o conhecimento do avaliando e para o adequado direcionamento do psicodiagnóstico. Para a anamnese ser bem realizada, o psicólogo deve ter conhecimentos teóricos sobre o que pretende avaliar e estar atento a estratégias que otimizem a qualidade das informações coletadas. Recomendamos a utilização de um roteiro para a entrevista de anamnese, em virtude da quantidade de informações a serem coletadas em um curto intervalo de tempo. Entretanto, enfatizamos a importância do papel do psicólogo para adaptar e modificar esse roteiro durante a realização da entrevista.

Nosso foco principal neste capítulo foi apresentar os objetivos da entrevista de anam​nese, as questões a serem consideradas antes desse tipo de entrevista e os principais ​aspectos a serem investigados, com base, ​principalmente, em nossa experiência clínica. Existem alguns modelos que podem ajudar os psicólogos a realizar a anamnese, contemplando perguntas importantes de acordo com o contexto de atuação. Apresentamos, a seguir, um roteiro de anamnese para crianças, um para adolescentes, e um para adultos e idosos. Esses roteiros foram elaborados pela equipe de supervisores e estagiários do Centro de Avaliação Psicológica da UFRGS e adaptados para este capítulo. Esperamos que o material aqui produzido possa contribuir com estudantes e profissionais que estejam iniciando sua prática clínica.

AGRADECIMENTOS

Muitas das reflexões deste capítulo foram possíveis graças à experiência de trabalho em parceria com os supervisores e estagiários do Centro de Avaliação Psicológica (CAP) da UFRGS. Agradecemos à equipe do CAP pelas experiências compartilhadas e também àqueles que trabalharam na elaboração dos roteiros.

REFERÊNCIAS

Belsky, J. (2010). Desenvolvimento humano: Experienciando o ciclo da vida. Porto Alegre: Artmed. Benjamin, A. (2011). A entrevista de ajuda (13. ed.). São Paulo: Martins Fontes.

Cunha, J. A. (2000). A história do examinando. In J. A. Cunha (Ed.), Psicodiagnóstico V (5. ed.). Porto Alegre: Artme d.

Erickson, E. (1976). Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar.

Hutteman, R., Hennecke, M., Orth, U., Reitz, A., & Specht, J. (2014). Developmental tasks as a framework to study p ersonality development in adulthood and old age. European Journal of Personality, 28(3), 267-278.

Soares, M. O. M., Higa, E. F. R., Passos, A. H. R., Ikuno, M. R. M., Bonifácio, L. A., Mestieri C. P., ... Ismael, R. K. (2014). Reflexões contemporâneas sobre anamnese na visão do estudante de medicina. Revista Brasileira de Educaçã o Médica, 38(3), 314-322.

Werlang, B. G. (2000). Avaliação inter e transgeracional da família. In J. A. Cunha (Ed.), Psicodiagnóstico V (5. ed.). Porto Alegre: Artmed.

1 Na elaboração deste capítulo, muitos exemplos e reflexões foram baseados em nossa prática clínica, particularmente na atuação no serviço-escola Centro de Avaliação Psicológica (CAP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

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ESCOLHA DOS INSTRUMENTOS E DAS

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