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FIGURA 5.1 ╱ FLUXOGRAMA COM AS ETAPAS DA ENTREVISTA INICIAL.

No documento PSICODIAGNÓSTICO - CLAUDIO HUTZ.pdf (páginas 85-92)

ENTREVISTA PSICOLÓGICA NO PSICODIAGNÓSTICO

FIGURA 5.1 ╱ FLUXOGRAMA COM AS ETAPAS DA ENTREVISTA INICIAL.

A entrevista inicial também é um momento importante para a coleta de informações relacionadas ao paciente que serão significativas para o delineamento de um plano de avaliação. Que técnicas e testes podem ser utilizados com esse paciente? Qual o seu nível de compreensão? Qual sua capacidade de comunicação? O paciente faz uso de lentes ou de aparelho auditivo? Tem algum problema de visão ou alguma dificuldade motora? É destro ou canhoto? Qual sua escolaridade? É alfabetizado? Tais dados mostram-se importantes, pois, em um paciente com dificuldade para identificar cores, por exemplo, não se pode utilizar um teste como o Rorschach. No caso relatado anteriormente, também se pode pensar que a escolha de um instrumento de avaliação da área cognitiva não poderia contemplar exercícios verbais, pois a criança não teria como responder a esse tipo de questão em função de suas dificuldades de comunicação verbal. No caso de pacientes que utilizam lentes ou aparelho auditivo, é necessário lembrá-los, na consulta anterior à aplicação dos instrumentos, que o uso do aparelho ou dos óculos será imprescindível para a realização dos testes.

Nas entrevistas iniciais também é ​preciso ter como objetivo a investigação da queixa ou do problema trazido para a avaliação, coletando, assim, o maior número de informações que possam auxiliar no entendimento de como esse problema se manifesta e tudo mais que o cerca. Algumas questões importantes são: ​Desde quando os sintomas se manifestam? Existe algum fator desencadeante? Qual a intensidade? Em que ambientes eles ocorrem? Como o paciente percebe esses sintomas? Qual a influência dos sintomas na vida diária? Quais os prejuízos que eles vêm trazendo para a vida do paciente? Em que áreas da vida (social, familiar, educacional/laboral) os sintomas/problemas trazem prejuízos? Como a família, os amigos e outras pessoas que convivem com o paciente observam o problema?

Além de investigar o problema em si, deve-se avaliar qual é a realidade atual do paciente. Que tipo de suporte (social, familiar, financeiro) ele tem para lidar com o problema? Com quem vive e quem o auxilia em suas dificuldades? Ele já passou por algum tipo de atendimento profis​sional antes? Quais profissionais o acompanham?

Além do paciente e dos pais ou responsáveis, as primeiras entrevistas podem ser realizadas também com outras fontes de informação. Como esses encontros precedem o estabelecimento do plano de avaliação, em alguns casos é possível que se tenha de conversar com outros profissionais (além daquele que encaminhou o paciente) ou com outro familiar, a fim de compreender melhor como as queixas ocorrem em outros âmbitos ou obter informações mais precisas sobre o paciente. Nos atendimentos que realizei ou que supervisionei foram frequentes os casos de crianças cuidadas por outro familiar, como uma tia ou uma avó, e que conheciam muito mais a rotina ou os dados do desenvolvimento delas do que os próprios pais. Lembro-me de um caso de supervisão em que a mãe esteve muito tempo hospitalizada, a vizinha ficando, então, responsável pela criança, auxiliando em seus cuidados enquanto o pai trabalhava o dia todo. Nesse caso, foi de extrema importância a obtenção de dados provenientes dessa fonte. Também não são raros, por exemplo, os casos de encaminhamento para avaliação de suspeitas de transtorno de déficit de atenção/hiperatividade realizado pelos médicos que acompanham as crianças. Nessas situações, deve-se obter informações do comportamento do paciente em mais de um ambiente, sendo o escolar aquele em que, na maioria das vezes, esse tipo de transtorno é mais perceptível por professores e colegas. Logo, um contato com a escola mostra-se fundamental. Ressalto que sempre que for preciso buscar outras fontes de dados, esses contatos devem ser precedidos da autorização do paciente e dos responsáveis (no caso de crianças).

Pelo fato de a entrevista inicial se caracterizar como o primeiro contato que o avaliador realiza com o paciente, ela deve ser permeada de cuidados em relação às informações que são trazidas. Deve-se estar atento a situações como as de ideação suicida. Pacientes que verbalizem em algum momento o desejo de se matar devem ser

escutados. Essa informação não deve ser relegada. É preciso que se possa investigar com mais detalhes o quanto esse desejo consiste em um risco real de suicídio. O paciente tem planos de suicídio? Já pensou de que forma e com que meios colocaria esses planos em prática? Existe alguma data prevista para isso? Já realizou tentativas anteriores? É importante avaliar como se mostra o contato com a realidade, bem como a presença de diagnóstico prévio e de sintomas atuais de depressão, já que estudos demonstram que a presença de transtornos mentais, como os do humor e a esquizofrenia, e as tentativas prévias de suicídio estão entre os principais fatores de risco para o suicídio (Brasil, 2006; Werlang, Borges, & Fensterseifer, 2005). Entre outros fatores importantes estão: o uso de substâncias psicoativas, como álcool e drogas; fatores psicológicos, como vivências de perda (perdas recentes de emprego ou de pessoas significativas); questões ​sociodemográficas (é mais comum entre pessoas do sexo ​masculino com idades entre 15 e 35 anos e acima de 75 anos); e condições clínicas incapacitantes (Brasil, 2006). Na evidência de risco de suicídio, não se pode liberar um paciente para que saia sozinho do atendimento. É importante criar um espaço de escuta empática e atenta para as questões trazidas, a fim de que ele também consiga aliviar sua angústia. Durante essa conversa, deve-se informar o paciente sobre a necessidade de entrar em contato com os familiares ou amigos mais próximos, que deverão ser orientados a não deixá-lo só em nenhum momento, em função do risco existente, e a impedir o acesso a meios que possibilitem o suicídio (medicamentos, armas, cordas, etc.). Caso o paciente já esteja em acompanhamento psiquiátrico, deve- se contatar o profissional, também com a autorização do paciente e dos familiares, para que sejam adotadas as medidas necessárias. Em situações em que esse paciente não está em acompanhamento psiquiátrico, dependendo da gravidade do risco, pode-se orientar a família para a busca de internação psiquiátrica do familiar.

A entrevista inicial pode seguir diferentes modelos. Ela pode ser livre, semiestruturada ou estruturada. A entrevista livre, como o próprio nome sugere, é mais aberta, podendo partir de uma pergunta mais generalista e seguir sendo construída ao longo do seu desenvolvimento. De acordo com Tavares (2003), em um contexto de avaliação, mesmo a entrevista livre deve ter algum tipo de direcionamento por parte do avaliador. Para Ocampo e Arzeno (2009), a entrevista inicial se caracterizaria como uma entrevista semidirigida. Para as autoras, nesse tipo de entrevista, o paciente é quem constrói a forma como as informações serão trazidas. É ele quem irá definir quais dados relativos ao seu problema serão abordados primeiramente e que outros da​dos serão incluídos. O avaliador poderá auxiliar na estruturação desse campo de informações questionando aquilo que pode ter se mostrado como contraditório, impreciso, ambíguo ou incompleto e assinalando algumas questões quando o paciente não souber como iniciar ou dar continuidade ao seu relato durante a entrevista.

Em minha experiência clínica, tenho observado que, como trazido por Tavares (2003), apesar de não demandar um roteiro de perguntas pronto, durante uma entrevista livre é importante ter em mente os temas que se pretende abordar. Isso é necessário em um processo psicodiagnóstico em que temos um foco, e, dessa maneira, a ideia é que a entrevista possa envolver questões que se mostrem relevantes para a compreensão do caso e a determinação das próximas etapas do processo. Nunca se pode perder de vista a necessidade de estabelecer o foco de investigação. Em alguns casos, o paciente, em função da ansiedade que o momento pode gerar, talvez queira trazer muitas informações que não se mostram relevantes para a avaliação nesse primeiro contato, e os avaliadores devem ser capazes de direcionar a entrevista, ou o momento pode se desvirtuar. Um exemplo comum é o dos pais ou responsáveis de pacientes em psicodiagnóstico que acabam monopolizando esse momento da avaliação para trazer questões pessoais que não se referem ao processo avaliativo do paciente em questão. De forma clara, essas situações nos trazem dados também sobre a dinâmica familiar e sobre a realidade que a criança ou o adolescente vem vivenciando. Entretanto, é importante estabelecer um limite, determinando que aquele momento e aquele espaço pertencem à avaliação da criança ou do adolescente.

O interessante na entrevista de livre estruturação é que as perguntas acabam ​- seguindo o curso das informações trazidas pelo ​próprio paciente. Pode-se iniciar questionando se o paciente sabe o motivo do encaminhamento e, a partir das informações trazidas, direcionar as perguntas. Por exemplo, uma criança é encami​nhada para avaliação pois vem ​apresentando dificuldades para acompanhar o ano escolar, não demonstrando o rendimento esperado. Perguntas importantes deveriam abordar seu momento de vida atual, se há algum acontecimento vinculado ao aparecimento das dificuldades ou se o problema vem se manifestando de modo contínuo ao longo da vida da criança. A partir daí, pode-se investigar informações acerca de seu desenvolvimento. Nesse caso, em uma entrevista aberta, não haveria um roteiro pronto, seria necessário investigar questões específicas aos sintomas apresentados e questões mais generalistas, como aquelas relativas aos marcos de desenvolvimento. Entretanto, sempre com uma atenção especial para o foco de avaliação.

As entrevistas semiestruturadas ​também são bastante comuns no cenário do psicodiagnóstico. Diferentemente da entrevista livre, con​tam com perguntas pré- formuladas. O avaliador, então, segue um roteiro de ​questões. Contudo, novas perguntas podem emergir a partir das respostas dadas pelo paciente ou familiar. Nesse caso, é possível ir ​acrescentando novas questões durante a realização do roteiro prévio. Entrevistas semiestruturadas são bem aplicadas para realização de anamneses, pois, dependendo da faixa etária do paciente, haverá dados importantes relacionados à fase do desenvolvimento que devem, em praticamente todos os casos, ser levantados. O

profissional pode, ainda, ter esses roteiros já prontos para cada fase da vida (infância/adolescência/vida adulta) e apenas adaptá-los de acordo com as características individuais de seus pacientes. Por exemplo, no roteiro de uma entrevista de anamnese para crianças, devem constar perguntas sobre os marcos do desenvolvimento, que podem ser ilustradas por questionamentos como: Com que idade a criança sentou/caminhou/falou pela primeira vez? Caso a resposta indique algum acontecimento fora do esperado em termos desenvolvimentais, cabe ao avaliador investigar me​lhor, incorporando novas perguntas à entrevista (para maiores esclarecimentos acerca das entrevistas de anamnese, ver Cap. 6).

As entrevistas estruturadas, por sua vez, são mais raras no contexto clínico. Pouco se utiliza uma entrevista totalmente estruturada, pois ela limita o avaliador tanto no que se refere às perguntas que podem ser feitas quanto no tipo de resposta que pode ser obtida. Essas entrevistas seguem um roteiro bastante rígido, contendo perguntas e alternativas de respostas determinadas (Laville & Dionne, 1999). Não existe liberdade para que se acrescentem novas questões nem a possibilidade de o paciente trazer respostas diferentes daquelas preestabelecidas. Então, qual a razão para fazer uso desse tipo de entrevista? Em alguns contextos, ela pode ser necessária, como quando se segue algum tipo de protocolo de avaliação ou em situações de pesquisa. Um exemplo é o caso da Mini Neuropsychiatric Interview, um tipo de entrevista padronizada, estruturada e dirigida (Amorim, 2000; Figueira, Diniz, & Silva Filho, 2011) que avalia transtornos descritos no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM). Mas, na hipótese de utilizarmos uma entrevista estruturada, com certeza serão necessários outros dados e outras técnicas para que se possa entender o caso de cada indivíduo. Os próprios instrumentos de avaliação, como inventários ou escalas, podem seguir a lógica de uma entrevista estruturada; no entanto, mesmo esses instrumentos, quando utilizados em uma avaliação psicodiagnóstica, precisam ter seus resultados respaldados por outras informações, o que se busca por meio de intervalos entre as técnicas utilizadas. A Tabela 5.1 traz um resumo das diferenças entre as três modalidades de entrevista no que se refere a características gerais, postura do avaliador, postura do paciente e aplicabilidade no psicodiagnóstico.

TABELA 5.1

Diferenças entre as modalidades de entrevista de livre estruturação, semiestruturada e estruturada

Modalidade s de Entre vista

Livre e struturação Se mie struturada Estruturada

da entrevista Não existem perguntas pré- formuladas.

Existe um roteiro com algumas perguntas predeterminadas.

As perguntas são pré-formuladas, assim com as alternativas de resposta. Postura do

paciente

O paciente é livre para trazer as informações que achar pertinentes na ordem que desejar.

O paciente responde às questões de acordo com a ordem trazida pelo avaliador, mas suas respostas podem gerar novos

questionamentos.

Não há espaço para respostas diferentes das opções pré-formuladas. Postura do

avaliador

O avaliador deve ter em mente os temas a ser abordados, pois, em alguns momentos, ele deverá direcionar a entrevista.

O avaliador deve ir além das questões pré- elaboradas. Novas questões podem emergir a partir das respostas do paciente.

Deve seguir o roteiro de forma fiel. Novas questões não serão acrescentadas e as já existentes não podem ser modificadas.

Aplicabilidade no

psicodiagnóstico

Bastante utilizadas. Bastante utilizadas. M enos utilizadas.

Neste capítulo, procurei abordar as principais características e definir as etapas da en​trevista inicial, assim como os diferentes modelos de entrevistas que podem ser aplicados. Entre as características mencionadas, percebemos que nesses primeiros encontros com o paciente também são evidenciados elementos importantes para o estabelecimento do contrato de trabalho com ele e com seus responsáveis, quando for o caso. Eu diria, inclusive, que o contrato já vai sendo estabelecido ao longo das primeiras entrevistas, a partir do momento em que explicamos ao paciente como serão os encontros, a limitação temporal do processo, e os dias e horários em que irão ocorrer as consultas. A disponibilidade do paciente para prestar as informações necessárias e sua postura colaborativa serão determinantes para o bom andamento do processo e se enquadram nas combinações de um contrato de trabalho em ​- psicodiagnóstico. Podemos encerrar uma entrevista tratando das combinações relativas às datas dos próximos encontros e de qual será o planejamento para a sessão seguinte.

REFERÊNCIAS

Amorim, P. (2000). Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI): Validação de entrevista breve para diagnósti co de transtornos mentais. Revista Brasileira de Psiquiatria, 22(3), 106-115.

Arzeno, M. E. G. (1995). Algumas contribuições úteis para a realização da primeira consulta com o consultante. In: M. E. G. Arzeno (Ed.), Psicodiagnóstico clínico: Novas contribuições. Porto Alegre: Artmed.

Brasil. Ministério da Saúde. (2006). Prevenção do suicídio: Manual dirigido a profissionais das equipes de saúd

e mental. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_editoracao.pdf

Figueira, P. G., Diniz, L. M., & Silva Filho, H. C. (2011). Características demográficas associadas à depressão pós-par to em uma amostra de Belo Horizonte. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 33(2), 71-75.

Laville, C., & Dionne, J. (1999). A construção do saber: Manual de metodologia da pesquisa em ciências human

as. Porto Alegre: Artmed.

Ocampo, M. L. S., & Arzeno, M. E. G. (2009). A entrevista inicial. In M. L. S. Ocampo, M. E. G. Arzeno, & E. G. Pi ccolo (Eds.), O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. São Paulo: Martins Fontes.

Tavares, M. (2003). A entrevista clínica. In J. A. Cunha (Ed.), Psicodiagnóstico V (5. ed.). Porto Alegre: Artmed. Werlang, B. L., Borges, V. R., & Fensterseifer, L. (2005). Fatores de risco ou proteção para a presença de ideação sui cida na adolescência. Revista Interamericana de Psicologia, 39(2), 259-266.

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A ENTREVISTA DE ANAMNESE

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