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SÍNDROMES, TRANSTORNOS E DOENÇAS MENTAIS

No documento PSICODIAGNÓSTICO - CLAUDIO HUTZ.pdf (páginas 186-189)

É essencial esclarecer: quando se organiza um conjunto de sinais e sintomas em uma síndrome, não estamos fazendo um diagnóstico de transtorno ou doença mental, e sim estabelecendo um primeiro passo – o diagnóstico sindrômico para chegar àquele. Esse é um dos “embaralhamentos” conceituais mais notáveis na literatura da área da semiologia, psicopatologia e diagnóstico (Fig. 9.1).

FIGURA 9.1 ╱ SÍNDROME, TRANSTORNO E DOENÇA SU​PERPOSTOS OU

“EMBARALHADOS”.

Um mesmo transtorno mental pode se expressar clinicamente por diferentes síndromes, de acordo com o momento da evolução ou de acordo com o paciente, sua personalidade prévia e seu ambiente familiar. Por exemplo: um mesmo paciente com transtorno esquizofrênico pode manifestar uma síndrome ansiosa no período prodrômico do surto,11 uma síndrome alucinatória ou delirante durante o surto, e uma síndrome depressiva após o surto. Por sua vez, diferentes transtornos mentais podem se expressar em uma mesma síndrome: uma síndrome maníaca pode ser a manifestação do transtorno bipolar, da sífilis cerebral, de uma psicose cerebral orgânica por corticosteroides ou, ainda, de uma disfunção ou desinibição frontal ou pré-frontal. Uma síndrome esquizofreniforme pode tanto ser a manifestação clínica de transtornos esquizofrênicos quanto de uma síndrome cerebral orgânica psicótica devido ao abuso e à dependência de anfetaminas, e também de transtornos bipolares psicóticos com alterações de pensamento não congruentes com o humor (rever os casos de Alice Davis e Kay Jamison, discutidos neste capítulo).

Assim, por que e para que realizar o EEM se ele, sozinho, não garante um diagnóstico completo, apenas um diagnóstico sindrômico?

O EEM exige a avaliação de uma pessoa nos seus aspectos sadios e patológicos, em cada uma das funções mentais ou psíquicas.12 É um exame descritivo em corte transversal, focado no momento da avaliação; porém, a expressão presente ou atual inclui os últimos 30 dias na vida do examinado, de acordo com o PSE (Medical Research Council [MRC], 1983), o que garante o registro de perturbações da consciência no EEM, mesmo que elas tenham ocorrido há um mês e já não estejam presentes na ocasião da realização do exame. Por ser um corte transversal, seria mais correto falar de exames dos estados mentais: um mesmo paciente pode mostrar, durante os 60 ou mais minutos de uma entrevista de avaliação, diferentes estados mentais em alternância, ora depressivo, ora maníaco (no caso de transtorno bipolar, ciclagem rápida, em atividade). Além disso, existe a possibilidade, não incomum, de um mesmo paciente apresentar mais de um estado mental, como no caso de pacientes geriátricos, com sequelas de lesões isquêmicas, quando se exacerbam traços da personalidade prévia, histérica, obsessiva ou paranoide.

Insistindo: o EEM não deve ser confundido com o MEEM (Folstein et al., 1975), tampouco com sua versão modificada (Teng & Chui, 1987). Aliás, muitos consideram, de maneira errada, o MEEM como um resumo do EEM. Não é. A expressão “mini” é apenas ambígua, não intencionalmente enganosa.

Os tipos de confusões assinalados anteriormente são algumas evidências de que não é comum dar muita importância ao EEM ou, pelo menos, a algumas das suas áreas. Entre as funções mentais negligenciadas está a consciên​cia, às vezes não destacada em alguns EEMs. O juízo crítico também está ausente de certos roteiros. Outras duas áreas pouco enfatizadas e que merecem destaque especial são o exame dos sentimentos, emoções e/ou afetos (ódio e amor) e o exame do humor (alegria e tristeza), considerados relativamente independentes apesar das influências recíprocas (Osório, 2003, 2014).

Essas são as funções que vinham sendo examinadas em muitos roteiros de EEM (Tab. 9.1). Mesmo inter-relacionadas – linguagem e pensamento, afeto e humor, etc. –, elas devem ser, para fins clínicos e diagnósticos, avaliadas independentemente uma da outra, a fim de se reduzir o risco do efeito halo ou da heurística anchoring bias, a tendência a dar por presentes alterações em uma função que, por assim dizer, “combinariam” melhor com os dados do exame de outra função mental. Por exemplo: um examinador identifica humor maníaco em uma pessoa e, de forma involuntária e enviesada, “deduz” a presença de ideias de grandeza e de curso acelerado do pensamento, para “completar” uma síndrome maníaca. Entretanto, quando presentes no EEM, algumas contradições são de valor semiológico, como no caso de delírios ou ideias delirantes não congruentes com o humor.

TABELA 9.1

EEMs de Abuchaim [1958 até 1991], Osório [1991-2004] e Osório [2004-2014]

Atenção Consciência Consciência Consciência Sensopercepção Atenção Atenção Atenção M emória Sensopercepção Sensopercepção Sensopercepção Orientação Orientação Orientação Orientação Consciência M emória M emória M emória Pensamento [incluído o juízo

crítico]

Inteligência Inteligência Inteligência Linguagem Afetividade [incluído o humor] Afeto Linguagem

Inteligência Pensamento Humor Afeto e humor Afetividade Juízo crítico Pensamento Pensamento Conduta Conduta Juízo crítico Juízo crítico

Linguagem Conduta Conduta Linguagem

Hierárquico e mnemônico, ASM OCPLIAC (Abuchaim, 1958)

Reordenamento hierárquico (Osório, 1991)

M udança conceitual (Osório, 2004)

Reordenamento proposto em 2014. Bastante modificado em 2015.

Sendo o entrevistador flexível durante o EEM – e por isso essa nova proposta –, o pensamento pode ser avaliado em contraponto a afetividade, conduta e juízo crítico, por questões práticas e clínicas, a fim de facilitar o diagnóstico sindrômico e encaminhar o diagnóstico diferencial: 1) quando consciência, atenção, sensopercepção e orientação estão comprometidas, pensa-se na síndrome delirium; 2) se a memória e a inteligência parecem estar afetadas, pensa-se em síndrome demencial/demência (Alzheimer? Arteriosclerose cerebral? Aids? Alcoolismo crônico?); 3) afeto, pensamento e conduta prejudicados, com juízo crítico comprometido, pensa-se em síndrome esquizofreniforme (transtornos esquizofrênicos, abuso e dependência de anfetaminas?); 4) o humor, o pensamento e a conduta estão alterados, sem maiores perturbações do afeto, pensa-se em síndrome de alteração do humor, maníaca ou depressiva (transtorno bipolar? Outros transtornos do humor, incluindo orgânicos?); 5) havendo predomínio de alterações na conduta, particularmente, mas não apenas, comportamentos antissociais, pensa-se em síndrome de perturbação da conduta (transtorno da personalidade ou álcool e/ou drogas alterando a conduta a ponto de parecer transtorno da personalidade? Ou ainda um tumor cerebral?).

FENOMENOLOGIA, FILOSOFIA EXISTENCIAL E KARL

No documento PSICODIAGNÓSTICO - CLAUDIO HUTZ.pdf (páginas 186-189)