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Suspeita-se da influência do alto consumo de gorduras sobre o diabetes desde o início do século XX.

Na década de 1920, o doutor S. Sweeney produziu um diabetes reversível em todos os seus alunos de medicina dando-lhes uma dieta muito rica em óleos vegetais por 48 horas. Nenhum deles apresentara diabetes antes.42 Recentemente, o papel da gordura no diabetes foi apontado por Neal Barnard, em

seu livro Doutor Neal Barnard’s program for reversing diabetes [Programa do doutor Neal Barnard para reverter o diabetes]. Sendo vegano, ele compartilha da mesma opinião a respeito do papel da gordura animal como um dos fatores que contribuem para o diabetes e sobre o processo de reversão da doença até certo ponto. Sua pesquisa contrasta de maneira positiva com os resultados da dieta da Associação Americana de Diabetes. Assim como nós, ele observou que a alimentação rica em gordura animal está ligada à maior incidência do diabetes tipo 2.

Ele observou que, no Japão, na Tailândia, em outros países asiáticos e na África, entre pessoas que tinham uma alimentação tradicional havia menos casos de diabetes. Mas isso mudou assim que elas deixaram de comer alimentos ricos em carboidratos complexos, como arroz, vegetais repletos de amido, vagens e macarrão. Desde então, passaram a apresentar altos índices de diabetes. Com isso em mente, precisamos saber quando usar de maneira apropriada a palavra “carboidrato”. Os carboidratos complexos não provocam diabetes – além da dieta rica em fibras, que, aliás, esses alimentos contêm, eles tornam mais lenta a quebra de glicose e, consequentemente, não sobrecarregam nem estressam o organismo. Esses alimentos têm índice glicêmico de moderado a baixo e índice insulínico baixo. Quando esses povos se depararam com a alimentação ocidental, a incidência do diabetes disparou. A obra do doutor Barnard enfatiza que a dieta com muita gordura, sobretudo gordura animal cozida (gordura saturada), aumenta o risco de diabetes.

A visão do doutor Barnard sem dúvida tem meu apoio como vegano: que essas gorduras, os ácidos graxos trans e a gordura animal saturada tendem a bloquear e desorganizar as membranas celulares de modo a interferir nos receptores de insulina dentro das células. Isso nos faz perceber que esses tipos específicos de gorduras – animal e trans – devem ficar de fora de nossos pratos.

O estudo de referência de doze semanas do doutor Barnard mostrou que uma pessoa comum com alimentação rica em carboidratos complexos, pobre em gorduras e com teor de proteínas de moderado a baixo perdeu mais de 7 quilos e mostrou uma taxa de glicemia de jejum 28% mais baixa. Dois terços dos participantes que estavam sob medicação para diabetes conseguiram parar de tomá- la ou reduzi-la.43 O interessante nesse estudo é que não havia limites de calorias ou carboidratos e

nem mudança nas atividades físicas.

O estudo que realizou em seguida incluía mulheres um pouco ou muito acima do peso, mas que não tinham diagnóstico de diabetes. Foi-lhes imposta uma dieta sem nenhuma gordura animal e pobre em óleos vegetais. O grupo de controle foi submetido a uma dieta para baixar o colesterol. O grupo vegetariano perdeu cerca de meio quilo por semana, e o grupo de controle, quase 4 quilos por pessoa no total.44 As células corporais do grupo de estudo se tornaram cada vez mais sensíveis à insulina; em

catorze semanas sua sensibilidade ao hormônio havia melhorado 24%. A partir desses resultados, ele supôs que uma dieta pobre em gorduras ativava a capacidade natural de abrir os receptores de insulina nas células para permitir a entrada de glicose no organismo.

Em outro estudo, ele acompanhou 99 pessoas por 22 semanas. Delas, 49 seguiram uma dieta vegana pobre em gorduras, sem alimentos de origem animal e com carboidratos complexos sem restrições. As outras cinquenta pessoas seguiram a dieta básica da Associação Americana de Diabetes. A dieta deste segundo grupo reduziu a hemoglobina glicosilada em 0,4%, mas a dieta vegana foi três vezes mais bem-sucedida, diminuindo a HbA1c em 1,2 pontos percentuais. Assim, a taxa média de hemoglobina glicosilada caiu de 8 para 6,8% em 22 semanas. É um dado bastante expressivo. Um estudo sobre diabetes no Reino Unido mostrou que a queda de 1 ponto na hemoglobina glicosilada no diabetes tipo 2 reduz o risco de complicações renais e oculares em 37%.45 Essa alimentação vegana

lembra um pouco aquela criada pelo doutor Dean Ornish em sua conhecida obra de 1990. A dieta era isenta de alimentos de origem animal e colesterol e continha baixo índice de gordura (10%). Após cerca de um ano, as angiografias revelaram que 82% das pessoas que, no início, tinham as artérias consideravelmente obstruídas estavam começando a mudar esse quadro. Para complementar, as pessoas faziam exercícios e meditação, e o cigarro era proibido.46

Um estudo47 publicado em fevereiro de 2004 no New England Journal of Medicine avaliou jovens

cujos pais ou avós tinham diabetes tipo 2. Eram pessoas saudáveis, mas que apresentavam certo excesso de gordura em suas células, a chamada gordura intramiocelular – 80% acima do normal. Em alguns casos, a gordura excedente começava a bloquear o funcionamento da insulina. É interessante notar que uma teoria sobre funções celulares mais recente, desenvolvida pelo doutor Bruce Lipton e apresentada em seu livro A biologia da crença, considera a membrana o cérebro da célula.

A membrana celular é bastante afetada pelos sinais extracelulares, e a insulina e a glicose são sinalizadores extracelulares; dessa forma, ambas influenciam os sinais intracelulares através de suas ações na membrana. Essas pessoas geneticamente predispostas tinham uma taxa muito maior de lipídeos intramiocelulares, o que é sugestivo. A gordura intramiocelular se acumula em certo grau e tende a interferir no processo de sinalização intracelular da insulina. A mitocôndria, que queima gordura e produz energia para as células, era incapaz de continuar metabolizando a gordura acumulada. O estudo mostrou que limitar a ingestão de gorduras possibilitava reverter a tendência de piora da resistência à insulina. Os pesquisadores também notaram que as pessoas com diabetes tipo 2

pareciam ter muito mais gordura em suas células e menos mitocôndrias do que o normal. Ou seja, pessoas diabéticas têm muito menos mitocôndrias que as necessárias para queimar a gordura acumulada. Outro estudo48 realizado com pessoas com dieta vegana constatou que o lipídeo

intramiocelular na panturrilha de cada participante era 30% menor do que entre as pessoas que comiam de tudo. Isso sustenta o fato de que a dieta vegana torna as pessoas menos sujeitas a ativar os genes do diabetes. No caso da gordura, seu acúmulo nas células corta a sinalização intracelular da insulina.

Pesquisadores do Centro de Pesquisa Biomédica de Pennington, em Baton Rouge, na Louisiana, avaliaram dez homens jovens com saúde razoavelmente boa, submetendo-os a uma alimentação rica em gorduras. Eles descobriram que, em apenas três dias, os participantes haviam acumulado consideravelmente mais gordura intramiocelular. A primeira conclusão a que se chega é a facilidade com que se acumula gordura intramiocelular com uma dieta como essa. Porém, o mais importante foi que eles testaram os genes associados com as mitocôndrias e sua produção de energia e descobriram que os alimentos gordurosos ingeridos pelos voluntários na verdade desligaram os genes que influenciavam a capacidade das células de queimar gordura. Os genes produtores de mitocôndrias eram de fato desativados.

Isso é compatível com nossa teoria de que a gordura interfere nas funções normais das células, entre elas a capacidade de responder adequadamente à sinalização intracelular da insulina. Com o acúmulo de gordura, a glicose não é metabolizada como deveria. Seja por não conseguirem transformar-se de glicose em glicogênio e assim criar uma reserva de glicose, ou pelo fato de a glicose não conseguir entrar na célula, os nocivos alimentos gordurosos parecem desativar os genes de modo a não conseguirem produzir mais mitocôndrias ou eliminar a gordura. O mais provável é que as duas coisas ocorram.

Teoricamente, a questão é que a alimentação rica em gordura animal saturada cozida, em ácidos graxos trans e em carboidratos refinados reduz a saudável manifestação genética anitdiabetes e precipita o desenvolvimento do diabetes tipo 2. Os alimentos gordurosos inabilitam os genes, o que quer dizer que nosso DNA tem uma expressão fenotípica menor, e dessa forma não conseguem produzir mais mitocôndrias ou eliminar gordura. O ponto fundamental é que aquilo que comemos comunica-se com nossos genes – e o grande consumo de gordura animal e de ácidos graxos trans passa uma mensagem negativa aos genes, aumentando a resistência à insulina e iniciando o processo diabético. Com base nessas suposições, o segredo para reverter o diabetes é ativar o aprimoramento da expressão fenotípica antidiabética.

Assim como o doutor Neal Barnard adquiriu uma percepção reveladora com a alimentação vegana cozida, trabalhando com diabetes desde 1973, e como adepto da dieta vegana com alimentos vivos desde 1983, eu também tive meus insights a respeito do que é gordura saudável e seu papel na saúde das pessoas. Observei diversas coisas em relação a quantidades diferentes de gordura. Um dos problemas que notei na dieta prolongada com 10% de gordura foi a possibilidade de deficiência de ômega-3, o que significa menor funcionamento da membrana celular, perda de transmissão nervosa e menor ação da serotonina. Ocorre tsmbém menor produção, transmissão e função local de receptores celulares de diversos neurotransmissores. Essa proporção de gordura na dieta (menor ou igual a 10%) também pode gerar deficiência de ômega-6.

A natureza da gordura é muito mais importante do que a sua quantidade, embora ambas devam ser consideradas. Estudos do doutor Edward Howell realizados com esquimós revelaram que, na época em que comiam grandes quantidades de gordura crua de cetáceos, eles não desenvolviam doenças cardíacas, pressão alta ou qualquer enfermidade significativa. Mas, quando passaram a cozinhar a gordura, começaram a ter problemas cardíacos e de pressão alta. Não há dados disponíveis sobre o diabetes antes e depois da mudança da gordura crua para a cozida, mas, desde a adoção da dieta ocidental contendo gordura animal cozida, açúcar refinado e farinha branca, não há dúvida de que houve aumento na incidência do diabetes. A mensagem complementar é que o cozimento destrói as enzimas e altera a estrutura da gordura. Quando a gordura saturada é frita ou cozida, torna-se nociva à saúde. Além disso, o processamento de gorduras por meio de hidrogenação faz com que mudem sua estrutura de cis para trans – é, na verdade, uma alteração física.

Infelizmente, não há dados suficientes sobre o assunto. Sob temperaturas entre 160 e 220°C, dependendo do óleo que está sendo usado no cozimento, a produção de ácidos graxos trans e de radicais livres dá início a nocivas reações em cadeia nas moléculas de gordura. Os antioxidantes presentes no óleo, como o betacaroteno e a vitamina E, também se esgotam. Além disso, as lipases das gorduras de cetáceos cruas, necessárias para o metabolismo saudável de gorduras, são destruídas. O processo de hidrogenação usado para transformar óleos em gorduras sólidas ou quase sólidas requer temperatura de 220°C por diversas horas. Isso produz grandes quantidades de ácidos graxos trans, que têm consistência mais sólida que os cis. Nesse processo de alteração de estrutura, cada membrana celular do corpo é afetada negativamente. O sistema de defesa da membrana celular é minimizado, o sistema imunológico da célula se enfraquece e a capacidade de sinalização da membrana celular é comprometida – ela não consegue mais funcionar adequadamente como cérebro da célula.

No Tree of Life nos deparamos com resultados extremamente positivos na cura do diabetes submetendo as pessoas a uma alimentação viva com gordura moderada. Recomendamos de 15 a 20% de gordura não cozida, dependendo da constituição física da pessoa, o que ainda é relativamente baixo. Como os alimentos de origem vegetal não contêm colesterol, a concentração de lipídeos no sangue tende a se normalizar. Por esse motivo, não estamos convencidos de que a gordura em si é o problema, a menos que se trate de gordura cozida (ou de origem animal), cuja estrutura é alterada, determinando mudanças na membrana celular, o que compromete a sinalização celular. As gorduras vegetais vivas, como as presentes nas amêndoas e nozes, na verdade baixam o colesterol e ajudam a curar o diabetes. Podemos tomar como exemplo as pessoas de nosso estudo que tiveram uma queda média de 44% em seu colesterol LDL no período de 21 a 30 dias, e muitas chegaram a uma taxa de 80, que é o ponto ideal na prevenção de doença cardíaca.

Estudos etnográficos com diversas culturas sugerem que os povos antigos, mesmo nossos ancestrais de 3,2 milhões de anos atrás, tinham uma alimentação com teor relativamente baixo de gordura (menos que 30%) e praticamente baseada em vegetais (dieta típica do chimpanzé).

Os ácidos graxos poli-insaturados também requerem certo equilíbrio. O destaque que estamos dando aos tipos de gorduras, a transformação de cis em trans, aparece em algumas pesquisas49,50,51 que

mostram a existência de perfis anômalos de membranas fosfolipídicas na gordura cozida, de grande importância nos diabetes tipos 1 e 2. A insulina estimula e o glucagon inibe uma enzima específica, a qual influencia a viabilidade da assimilação de gorduras poli-insaturadas pela membrana. Esse é outro aspecto do efeito da insulina no metabolismo de gorduras, e uma demonstração de como a composição de ácidos graxos dos lipídeos da membrana interferem no funcionamento do hormônio. Pesquisas mostram que aumentar a fluidez da membrana pela ingestão de maior quantidade de ácidos graxos poli-insaturados, especialmente os ômega-3, na verdade aumenta o número de receptores de insulina, aumentando, assim, sua atividade.

No diabetes tipo 2 ocorre hiperinsulinemia e resistência à insulina em cerca de 75% dos pacientes em fase inicial.52,53 As elevadas taxas de insulina ocorrem pelo fato de o hormônio não estar

trabalhando corretamente.54 Depois, surge um processo inflamatório das células beta do pâncreas, que

estão sobrecarregadas, e então a queda na produção de insulina. A incapacidade das membranas celulares com diabetes tipo 2 de processar a insulina não resulta apenas da ação da insulina e do glucagon, mas, como foi dito anteriormente, se deve às grandes concentrações de insulina, que, por sua natureza bifásica, podem interromper a atividade dos receptores. Isso indica também – lembrando que se trata de uma teoria – que a manifestação do diabetes tipo 2 pode ser decorrente de anormalidades das membranas celulares. Um estudo que comparou 575 diabéticos com 319 não diabéticos mostrou haver um problema na anexação dos ácidos graxos poli-insaturados à membrana celular.55 Todas as membranas dos glóbulos vermelhos dos diabéticos continham menos ácidos graxos

poli-insaturados. Os ésteres de colesterol, triglicerídios e fosfolipídeos do plasma também foram prejudicados, o que sugere problemas no metabolismo de ácidos graxos poli-insaturados em pessoas com diabetes. Isso leva a crer que, no diabetes não insulinodependente, o mau funcionamento da insulina pode ser tanto causa quanto efeito na composição de ácidos graxos poli-insaturados da membrana. Isso não é simples, mas a intenção é mostrar que o diabetes tipo 2 está ligado ao metabolismo disfuncional de gordura.

A proporção entre ômega-6 e ômega-3 geralmente não é equilibrada no diabetes tipo 2, ocorrendo um nível muito elevado do primeiro. Esse desequilíbrio é piorado pelo fato os americanos ingerirem cerca de 13,3 gramas de ácidos graxos trans por pessoa.56 As pesquisas revelam também que dietas

relativamente ricas em gordura saturada e ácidos graxos trans, como nas carnes e nas gorduras hidrogenadas, podem afetar a eficiência da insulina e a reação à glicose. Quando aumentamos a proporção de ácidos graxos ômega-3 na alimentação, a resistência à insulina pode ser melhorada ou prevenida.57,58,59 Pode-se assim inferir que o metabolismo de gordura poli-insaturada tenha um papel no

DMINID (diabetes melito não insulinodependente).

Quando se aumenta a proporção de ácidos graxos poli-insaturados em relação à dos saturados, há melhora na função da insulina.60 Ratos cuja alimentação era rica em gorduras se tornaram resistentes à

menos problemas. O uso do ômega-3 do óleo de linhaça normalizou a atividade da insulina no grupo de ácidos graxos saturados. Estudos também revelaram que, quanto maior a concentração de ácidos graxos saturados na membrana celular, maior a resistência à insulina.61,62

Em indivíduos com obesidade abdominal, não se pode descartar o hiperinsulinismo. Pessoas com esse problema podem ter diminuída a capacidade de aproveitar a glicose perifericamente; podem ter também aumento de ácidos graxos livres, que afetam o metabolismo da glicose e causam diminuição dos receptores de insulina.63 Os indígenas do sul da Ásia e os pima têm predisposição genética ao

DMNID, mas isso não havia se manifestado até a década de 1940, quando sua dieta foi alterada. A epidemia da doença nesses grupos parece estar diretamente associada ao aumento drástico da quantidade total de calorias de carboidratos refinados e gorduras, e ao desequilíbrio entre ômega-6 e ômega-3 em sua alimentação.

Resumindo, os ácidos graxos trans são também um problema, assim como a desproporção entre o ômega-6 e o ômega-3 dos ácidos graxos. Isso indica que uma dieta relativamente pobre em gordura, relativamente rica em ácidos graxos ômega-3 em estado natural e sem carboidratos refinados seria muito útil aos povos indígenas de todo o mundo, e a todas as pessoas, na prevenção e reversão do diabetes não insulinodependente.