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O SILÊNCIO INICIA…

Silêncio 8 2016 Tiananmen, China

2.2. JOHN CAGE NO DESERTO

2.2.9. JOHN CAGE BIO E ZOÊ

A música, como você diz, não é mais do que uma palavra. (Cage, 2010, p. 37)

John Milton Cage, conhecido por filósofo da música, compositor, criativo, músico experimental, conferencista e polémico, nasceu em Los Angeles em 1912 e escreveu mais de 330 obras. Um compositor prolífico e inventivo na era do mundo digital. Estudou música e piano, desde cedo e, em 1930, foi para Paris onde se interessou por arquitetura e pintura e começou a compor, no domínio da música. Não lhe serão alheias as experiências no domínio artístico, que proliferavam numa Europa a reen- contrar-se entre as duas grandes guerras.

Deambulou por muitos lugares do mundo, e da Europa em particular. Paris, Londres, Madrid, Berlim, há até registos seus de Maiorca onde tenta compor, pela primeira, vez usando um sistema matemático inventado por si próprio. Absorverá influências de músicos, compositores e artistas das mais variadas áreas. Torna-se um homem, dada a sua curiosidade pelo mundo, poroso e em trânsito permanente.

Regressou aos Estados Unidos onde começou por dar conferências de iniciação à música e à pintura contemporâneas. Conheceu Henry Cowell (1887-1965) e subme- teu à sua apreciação as suas primeiras composições de 1933. Cowell virá a ser seu professor, mais tarde na Universidade de Columbia, nos fins da década de 40 do séc. XX influenciando-o muito com as suas inovações.

Exemplo disso é o seu Toy Piano, em que tocava novas formas musicais abertas e

elásticas, indeterminadas, - uma obra aberta como será designada mais tarde - dando

aos intérpretes agregados musicais arbitrários e apelando à sua ação interpretativa e livre.

Também foi autor de criações eletrónicas capazes de reproduzir múltiplos ritmos diferentes em simultâneo. Era conhecido o seu apreço pelas culturas não europeias (uma das suas influências mais relevantes), de África, da Ásia, da Índia em particular, que lhe permitiram ampliar os territórios da música ocidental em relação aos conceitos de melodia, harmonia e ritmos, espaço e tempo musicais, em que os seus ensaios incidiam. É nesta altura que casa e começa a trabalhar e a estudar com Adolf Weiss (1891-1971) que o enviará para Los Angeles, em 1934, para estudar contraponto e análise musical com Schoenberg.

Nessa altura foi convidado pelo cineasta Óscar Fischinger (1900 - 1967) a fazer música para um filme. Terá sido aí que ficou atraído pela ideia de som como alma de qualquer

objeto inanimado – daí sentirmos o seu silêncio mais próximo da intransitividade

de silere – e na linha da já declarada Arte dos Ruídos (Manifesto Futurista de Russolo) exposta em Milão em 1913 e, na sua versão francesa, dois anos mais tarde, em Paris. Em 1937 acontece algo que vai destacar a singularidade do pensamento de Cage. Anuncia na sua conferência “The future of Music: Credo” que se propõe ampliar e transformar o âmbito musical.

A partir daí, seja pela relação que estabelece com Merce Cunningham, seja pelo contacto que tem com o pensamento oriental pela leitura que faz do texto de Ananda K. Coomaraswamy, The Transformation of Nature in Art, ou seja pelas aulas com Daisetz Teitaro Suzuki na Universidade de Columbia, Cage vê-se confrontado com pensamentos que o deixam inquieto e lhe propõem e o incitam a mudanças.

Desvelando a sua escrita e prestando atenção à sua liberdade composicional damos conta que lá se encontram, em diálogo, as suas leituras sobre as fontes documentais provindas de Henry David Thoreau, James Joyce, Ezra Pound e de Marshall Mc- Cluhan. Lá se sentem, também, citações e referências musicais a Eric Satie, a Edgar Varèse e lá se pressentem as suas preferências duchampianas e rauschenbergianas. Será por isso difícil albergar em Cage uma definição – sempre terá fugido disso –

com uma particular sensibilidade para a escuta do mundo. Isso tornou-o singular.

É exatamente aqui que nos colocamos do seu lado quando Cage nos convida para uma viagem em torno de uma audição sobre música que não esteja gramatizada. Colocamo-nos a seu lado quando nos desafia para empreendermos um esquecimento, um desmantelamento de uma memória colocada em nós sobre proporção e harmonia sonora.

O seu silêncio põe isso em evidência e o nosso, reforçando-o num segundo a mais, apela a que faça mesmo silêncio (essa potência agambeniana) e nos retiremos de cena – a característica transitiva severa de tacet – perante a cacofonia contemporânea.

There is no such thing as an empty space or an empty time. There is always something to see, something to hear. In fact, try as we may to make a silence, we cannot.

(Cage, 1961, p. 8)

Assistimos, com os novos músicos do século XX, à criação de novos sistemas musi- cais, altamente suportados por cálculos inteiramente pré-determinados, em que a abertura das escolhas possíveis permite um novo espaço de indeterminação, em que há lugar à revelação do aleatório, do aberto e do acaso empírico.

Aludimos ao anúncio exponencial de outras vias composicionais tais como o do- decafonismo Schoenbergiano, o serialismo integral de Pierre Boulez, ao universo eletrónico electro-acústico de Varése, de Stockhausen, de Pierre Henry, de Luciano Berio, entre outros.

Cage será também dissidente destas novas músicas, por contestar o interesse dos cálculos exagerados de racionalidade matemática, declarando existir um abismo enorme entre a dificuldade dos cálculos e o interesse do seu resultado musical. Para além disso, Cage irá rapidamente compreender que o uso dos instrumentos conven- cionais em espaços convencionais irá tornar a música sempre refém do sistema, da tese para a qual foram concebidos. Terá, por isso, sentido a necessidade que expan- dir o seu olhar e conceber outros materiais musicais, outras maneiras de se poder expressar, i.e.: happening, conceito de música experimental, etc.

(…) A isso chamo música experimental, uma música utilizada para procurar. Mas sem saber o resultado. Caso contrário…

Para se desprender definitivamente da herança e ortodoxia do mundo tonal, irá rodear-se de novos instrumentos. Pela primeira vez, na criação de Construções em

Metal, entre 1937 e 1939, utiliza um conjunto de peças metálicas de alturas neutra-

lizadas com o objetivo de explorar ritmos e timbres. Notam-se claramente aqui as suas viagens auditivas por outros mundos em outras andanças.

É desta fase Imaginary Landscape nº 3, por exemplo, em que mantém ainda a racionalidade serialista, com organização de esquemas numéricos constringentes, a que não deixava de estar já associado um forte impacto, aquando da sua interpretação. No mesmo ano de 1937, o ano do seu manifesto Future of Music, é convidado para ser compositor acompanhante de aulas de dança na Cornish School de Seattle, facto esse que iria proporcionar o seu encontro com o bailarino Merce Cunningham, mais tarde e em 1942, e que os tornará uma dupla colaborativa muito ativa até ao fim da sua vida.

Nesse mesmo ano, declara publicamente, na conferência a que já aludimos, que já se encontra a fazer um estúdio de música eléctrica. Convidado, nesse ano, a fazer a música para o ballet Bacchanale, de Syvilla Fort (1917/1975), inventará o célebre “piano preparado” colocando entre a suas cordas, objetos diversos destinados a desmultiplicar e a expandir os timbres do instrumento. Esta invenção levá-lo-á ao reconhecimento mundial e ao prémio da Academia Americana das Artes e Letras, em 1949.

É de 1939 a primeira peça electrónica, Imaginary Landscape nº1 para dois electro- fones de velocidade variável com registo de som sinusoidal de frequências variáveis, piano e címbalo. Cage iniciará desta forma um enorme trabalho dedicado à música eletrónica em que o som – mais uma vez a sua infindável saga sobre a liberdade do som - é produzido em tempo real em ligação com o contexto concreto e acidental e não exclusivamente apenas em estúdio, o que faz desta sua incursão um verdadeiro exercício pioneiro.

Destacar-se-ão novos trabalhos como Living Room Music, para percussão e quarte- to de vozes, City wears a slouch hat, peça radiofónica composta por uma partitura de 250 páginas de efeitos sonoros, imitando os ruídos duma cidade, desta feita em 1941. Nesse mesmo ano, é convidado a ensinar no Instituto de Design de Chicago. Cada vez mais reconhecido, será recebido em Nova York, por Max Ernst e Peggy Guggenheim em 1942. Trava conhecimento com Piet Mondrien, André Breton, Virgil Thomson e Marcel Duchamp, personagens estes que, pela força da sua singularidade, muito marcaram e influenciaram Cage.

importantíssimo de encontros e de experiências de cruzamentos e sobreposição das várias áreas artísticas. Em 1949, em França encontrar-se-á com Pierre Schaeffer que, nos estúdios da Radiodifusão francesa, já se devotava aos primeiros ensaios de

música concreta. Esse encontro foi auspicioso e reforçou em Cage essa sua indómita

vontade de progredir.

Sobre esta nova forma de fazer música diz-nos Cage (1961):

The procedure of composing tends to be radical, going directly to the sounds and their characteristics, to the way in wich they are produced and how they are notated. (p. 68)

Começa a aventura do novo quando observamos o que Christian Wolff diz, a propósito da música eletrónica: “One finds a concern for a kind of objectivity, almost anonymity – sounds come into its own.” (Wolff, citado em Cage, 1961, p. 68)