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3. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO

3.3. Pragmática da suspensão da exigibilidade

3.3.3. O juiz:

3.3.3.2. Legalidade das causas de suspensão

A questão legalidade das causas da suspensão envolve o disposto no art. 146 da Constituição Federal, que trata quais as funções das leis complementares em matéria tributária:

Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

(...)

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; (...)

(destacamos)

A interpretação do referido dispositivo decorre um debate histórico na doutrina, que se dividiu basicamente em duas correntes:

(i) Aqueles que entendem que a Lei Complementar somente tem duas funções, expressadas pelos incisos I e II do referido dispositivo. Nesse caso o disposto no inciso III serviria apenas para complementar as funções previstas nos dois primeiros incisos. Essa corrente ficou conhecida como dicotômica; e

(ii) Aqueles que entendem que a Lei Complementar possui três funções. Além dos dois primeiros incisos, há também a função de estabelecer normas gerais em matéria tributária, que seriam aquelas enumeradas nas alíneas do inciso III. Essa última corrente ficou conhecida como tricotômica.

A despeito de toda a discussão histórica156 em relação à interpretação do

art. 146 da Constituição Federal, o entendimento adotado nesse trabalho será pela corrente tricotômica.

Portanto, fixemos a premissa de que uma das funções da lei complementar é prescrever normas gerais de direito tributário sobre obrigação, lançamento e crédito tributário (Art. 146, III, “c”, da CF).

Dessa forma, como cabe à lei complementar tratar sobre o crédito tributário, por consequência também cabe a esta espécie de veículo introdutor tratar de causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário.

Justamente por isso que o diploma legal que trata das causas de suspensão da exigibilidade é o Código Tributário Nacional que, apesar de ter sido editada como lei ordinária, foi recepcionada pelo atual ordenamento como Lei Complementar157.

No que diz respeito à legalidade para estabelecer causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, o art. 97, inciso VI do CTN dispõe que:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: (...)

VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

Vê-se, portanto, que o referido dispositivo determina que as causas de suspensão de exigibilidade devem estar previstas em lei formal, ou seja, em veículo introdutor emanado do Congresso Nacional.

156 Para maior compreensão dessa discussão: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito

tributário. 18 ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 207-226.

157 “O Código Tributário Nacional foi incorporado à ordem jurídica instaurada com a Constituição de 5

de outubro de 1988. Quanto mais não fosse, por efeito da manifestação explícita conta no §5º do art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assegura a validade sistêmica da

legislação anterior, naquilo em que não for incompatível com o novo ordenamento. É o tradicional princípio da recepção, (...)”.Idem, p. 207.

Sendo assim, o papel da lei complementar é a de estabelecer os tipos de causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, bem como normas gerais a respeito de cada uma delas. Já a instituição e regulamentação dessas causas previstas na lei complementar podem estar previstas em leis ordinárias de cada um dos entes tributantes.

Contudo, destacamos que esse entendimento não é unânime na doutrina. Há autores que entendem que nem todas as causas de suspensão da exigibilidade precisam estar tipificadas em lei complementar. Esse é o entendimento de DÉCIO PORCHAT158, que utiliza a classificação das causas de suspensão da exigibilidade em “fatos automáticos” e “fatos não automáticos”.

Os fatos automáticos seriam aqueles em que basta a vontade do particular, sem necessidade de se observar quaisquer pressupostos. Seriam fatos automáticos as reclamações e recursos administrativos (art. 151, III do CTN), e o depósito (Art. 151, inciso II, do CTN).

Já os fatos não automáticos são aqueles em que o efeito depende da verificação de pressupostos e é produzido por medida judicial. Assim, seriam fatos automáticos a concessão de medida liminar em mandado de segurança e antecipação de tutela em outras espécies de ação judicial.

Como base nessa classificação, o autor entende que:

“(...), tratando-se de fatos não-automáticos, ou seja, cujo efeito suspensivo depende da prévia verificação de certos pressupostos e é produzido por providência judicial, entendemos não ser obrigatório o tratamento por via de lei complementar. Isto porque é da própria essência dos fatos não- automáticos a manifestação jurisdicional, cabendo assim ao próprio Poder Judiciário dirimir e uniformizar quaisquer conflitos decorrentes de sua manifestação jurisdicional159.

158 O autor faz essa classificação com base nas lições de Alberto Xavier. Além disso, o autor destaca

que a moratória seria uma hipótese sui generis e não se enquadraria nessa classificação. PORCHAT, Décio. Suspensão do Crédito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 110-111.

Entretanto, não concordamos com a classificação proposta pelo autor acima citado, tampouco com a conclusão de que não há necessidade de previsão de apenas algumas causas de suspensão em lei complementar.

A regra do art. 97, VI do CTN não comporta exceções, e determina que somente a lei pode estabelecer causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Além disso, mesmo os tidos “fatos automáticos” precisam obedecer alguns pressupostos para produzirem efeitos.

Como exemplo, o CTN prevê no inciso III do art. 151 que as reclamações e os recursos em processo administrativo são causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Isso não quer dizer que a União Federal não tenha que regular esses recursos por meio de lei ordinária, como foi feito pelo decreto nº 70.235/72, que possui status de lei. Aliás, o próprio inciso III do art. 151 traz expressa cláusula “nos termos das leis reguladoras”.

Da mesma forma, o CTN prevê no inciso II do art. 151 o depósito como causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. E, no âmbito federal, temos a lei ordinária nº 9.703/98, que “dispõe sobre os depósitos judiciais e

extrajudiciais de tributos e contribuições federais”.

Por fim, temos também o inciso VI do art. 151 CTN, que prevê o parcelamento como uma das causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Com fundamento nisso, foi editada a lei ordinária nº 11.941/2009, que instituiu o REFIS da Crise, por exemplo.

Portanto, cabe à lei complementar prever os tipos de causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, cujo fundamento de validade é o art. 146, III, “c” da CF. Já à lei ordinária cabe instituir e regular os pressupostos de cada um dos tipos previstos.

Quanto ao tema na jurisprudência, destacamos que há reiteradas decisões no STJ160 que entendem não ser possível a supressão de instância

recursal administrativa, via decreto. E o fundamento dessas decisões é justamente o art. 97, VI do CTN, conforme se vê na seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO COM BASE NO ART. 37, § 3º DO DECRETO 70.235/72. HIPÓTESE DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ART. 151 DO CTN. REVOGAÇÃO PELO DECRETO 75.445/75. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA.

(...)

3. O Código Tributário Nacional prevê, em seu art. 97, VI, a

imprescindibilidade de lei formal para versar sobre a exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, encerrando o princípio da estrita legalidade tributária, razão pela qual encontra-se eivada de ilegalidade a supressão, pelo Decreto 75.445/75, do "pedido de reconsideração", previsto no suso mencionado dispositivo legal.

4. Impende salientar que o Decreto 70.235/72, por ser fruto de delegação legislativa, ostenta natureza de lei ordinária, o que implica que o pedido de reconsideração nele previsto tem origem e caráter legal, traduzindo manifestação de índole legislativa, razão pela qual não poderia ser suprimido por legislação de hierarquia inferior, que ostenta natureza meramente regulamentar.

5. A título de argumento obiter dictum, verifica-se que o pedido de reconsideração só passou a ser vedado quando da edição da Lei 8.541/92, sem efeitos retroativos para atingir ato praticado na vigência de contexto normativo próprio e diverso, in verbis: "Art. 50. Não será admitido pedido de reconsideração de julgamento dos Conselhos de Contribuintes".

6. Recurso especial desprovido.

(REsp 877.352/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/08/2008, DJe 15/09/2008) (Destacamos).

Portanto, no que se refere à legalidade, temos que cabe à lei complementar estabelecer as normas gerais, prevendo quais são as hipóteses de suspensão; e cabe à lei ordinária instituir e regular essas causas.

Passemos agora a tratar do art. 141 e art. 111, I do CTN, que estabelecem que as causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário são taxativas e devem ser interpretadas literalmente.

160 No mesmo sentido: (REsp 330.415/PR, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA,

julgado em 20/09/2001, DJ 29/10/2001, p. 188); (REsp 219.651/SP, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/10/2000, DJ 06/11/2000, p. 195); e (REsp 73.245/PR, Rel. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10/06/1996, DJ 01/07/1996, p. 23994)

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