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MOEDA E CRÉDITO COMO INDICADORES DE ALERTA PRECOCE PARA DESALINHAMENTOS NOS PREÇOS DOS ACTIVOS

Os mercados de activos desempenham um papel cada vez mais importante em muitas economias, e os decisores de política adquiriram uma consciência muito maior de que variações e correcções consideráveis nos preços dos activos podem gerar instabilidade fi nanceira e, em última instância, instabilidade macroeconómica. Os bancos centrais têm, por conseguinte, interesse em reduzir os riscos para a estabilidade de preços resultantes de tais desenvolvimentos. Investigação recente sugere que indicadores da moeda e do crédito podem ser particularmente úteis na previsão de ciclos de grande expansão e contracção dos preços dos activos, o que constitui outra razão para os bancos centrais acompanharem de perto estas variáveis1.

Detecção de grandes expansões e contracções dos preços dos activos

A concepção de um sistema de alerta precoce para desequilíbrios nos preços dos activos pode dividir-se em três passos. O primeiro consiste em defi nir os desalinhamentos nos preços dos activos (por exemplo, em termos de desvios em relação às tendências históricas ou em termos das suas consequências económicas). Na literatura sobre a matéria, foram adoptadas muitas abordagens para defi nir tais desalinhamentos, abordagens que vão desde métodos puramente 1 Para mais pormenores, ver o artigo intitulado “Asset price bubbles and monetary policy”, na edição de Abril de 2005 do Boletim

estatísticos a métodos mais baseados em modelos2. Na prática, dadas as incertezas quanto à

correcta identifi cação de tais episódios em tempo real, justifi ca-se um cruzamento dos resultados dos vários métodos. O segundo envolve seleccionar indicadores avançados apropriados e elaborar modelos que relacionem os indicadores com o período de desalinhamento. O terceiro e último passo consiste em analisar o desempenho de cada indicador em termos de previsão ao longo de um período de amostra e/ou para um painel de países. A utilidade de um indicador é normalmente avaliada comparando o número de alarmes falsos com o número de sinais correctos fornecidos pelo indicador. Na literatura sobre esta questão, foram utilizados vários métodos diferentes (e complementares) para prever os desalinhamentos nos preços dos activos, sendo que dois deles foram recentemente aplicados em estudos realizados pelo BCE. O primeiro é o método de “sinalização”, segundo o qual é emitido um sinal a alertar para uma grande expansão ou contracção num determinado período sempre que o indicador seleccionado ultrapasse um dado limite. O segundo é o método da “escolha discreta”, que emprega técnicas de regressão probit/logit para avaliar a capacidade do indicador de prever uma grande expansão ou contracção, estimando a probabilidade de tais eventos ocorrerem dentro de um dado período de tempo. É emitido um sinal de alerta quando esta probabilidade excede um determinado limite.

O papel da moeda e do crédito como indicadores de alerta precoce

Um aspecto crucial do funcionamento dos indicadores de alerta precoce é a selecção de variáveis binárias que, segundo as regularidades históricas, exibem um comportamento irregular antes de grandes expansões ou contracções. A evolução da moeda e do crédito destaca-se neste aspecto, visto que vários canais teóricos ligam estas variáveis aos preços dos activos e, em última instância, aos preços no consumidor. Antes de mais, os preços dos activos afectam a procura de moeda como parte de um problema de afectação de carteira mais abrangente, em que a remuneração dos vários activos infl uencia as detenções de moeda. Além disso, a evolução do crédito pode ser infl uenciada pela dinâmica dos preços dos activos, incluindo os gerados por meio de certos mecanismos de auto-reforço. Por exemplo, durante grandes expansões dos preços dos activos, as posições de balanço das sociedades fi nanceiras e não fi nanceiras melhoram e o valor dos activos de garantia aumenta, permitindo aos bancos disponibilizar mais crédito para fi nanciamento do investimento das empresas. Os rácios de alavancagem dos bancos descem à medida que os preços dos activos sobem, o que lhes possibilita emitir novas responsabilidades3. Os fundos

adicionais detidos por sociedades fi nanceiras e não fi nanceiras podem, em parte, ser investidos nos activos em expansão, levando a novos aumentos dos preços dos activos. Neste aspecto, o “acelerador fi nanceiro” pode igualmente ser relevante. Com efeito, o acesso das empresas e famílias a crédito pode ser restringido devido a informação assimétrica nos mercados de crédito e, quanto menor for o seu valor líquido, mais restritivas serão as condições, dada a menor quantidade de activos disponíveis para garantia de empréstimos4.

Ao mesmo tempo, a causalidade pode também ser no sentido inverso. Por exemplo, uma procura crescente de activos decorrente de posições de investimento cada vez mais alavancadas pode, num contexto de fricções fi nanceiras, aumentar os preços dos activos5. Além disso, níveis

elevados de detenções de moeda podem apontar para um investimento de quantidades elevadas 2 Ver o artigo intitulado “Asset price bubbles and monetary policy revisited”, na edição de Novembro de 2010 do Boletim Mensal do

BCE.

3 Ver Adrian, T. e Shin, H.S., “Liquidity and leverage”, Staff Reports, n.º 328, Federal Reserve Bank of New York, 2008.

4 Ver Bernanke, B., Gertler, M. e Gilchrist, S., “The fi nancial accelerator in a quantitative business cycle framework”, NBER Working

Paper Series, n.º 6455, National Bureau of Economic Research, 1998.

de liquidez em instrumentos com retornos potencialmente mais elevados, o que pode então alimentar uma bolha, assim que tenha sido desencadeada uma tendência e o “comportamento de rebanho” se tenha instalado. No cerne poderá estar um efeito de equilíbrio de carteira real por parte dos intermediários fi nanceiros não monetários, excepto sociedades de seguros e fundos de pensões: quantidades excessivas de liquidez nos respectivos balanços desencadeariam um desejo de reafectação de carteira, aumentando as percentagens de outros activos. Outra ligação potencial entre, por um lado, a moeda e o crédito e, por outro, os preços dos activos é o canal de “assunção de risco” da transmissão monetária. Embora taxas de juro baixas estejam normalmente associadas a um forte crescimento da moeda, podem também desencadear uma redução da restritividade dos critérios de concessão de crédito, o que pode, por seu turno, permitir uma maior alavancagem em termos de investimento e, desse modo, potencialmente aumentar os preços dos activos.

De facto, analisando as regularidades empíricas, historicamente os ciclos de grande expansão e contracção nos mercados de activos parecem ter estado estreitamente associados a grandes fl utuações nos agregados monetários e do crédito, em especial em períodos de: i) grandes contracções dos preços dos activos; ou ii) grandes expansões dos preços dos activos, que terminam numa crise fi nanceira6. Um resultado robusto de vários estudos recentes é que várias medidas

da criação excessiva de crédito constituem bons indicadores avançados de uma acumulação de desequilíbrios fi nanceiros na economia. Existe também alguma evidência de que a moeda possui propriedades para ser um bom indicador de grandes expansões e contracções nos preços dos activos, dado que representa um indicador sintético dos balanços dos bancos7.

Previsão de ciclos de grande expansão e contracção nos preços dos activos

Estudos recentes elaborados por especialistas do BCE analisam o surgimento de grandes expansões e contracções nos mercados de activos. Um estudo, por Alessi e Detken8, baseia-se

no uso de um método de sinalização para detectar grandes expansões dos preços dos activos (com custos elevados), defi nidas como expansões que são seguidas por um período de três anos durante o qual o crescimento do PIB real é pelo menos 3 pontos percentuais mais fraco do que o crescimento potencial. Os resultados revelam que o desvio do crédito privado mundial e o desvio do M1 a nível mundial são os melhores indicadores de alerta precoce para tais episódios. Dois outros estudos, por Gerdesmeier, Reimers e Roffi a, utilizam modelos probit que estimam a probabilidade de uma grande expansão ou contracção nos preços dos activos ocorrer nos dois anos seguintes9. Uma grande expansão (contracção) ocorre quando um indicador compósito dos

preços dos activos (calculado como uma média ponderada dos índices de preços das acções e da habitação) aumenta (baixa) para um nível acima (abaixo) de um limite específi co. É então 6 Ver Fisher, I., Booms and depressions, Adelphi, Nova Iorque, 1932; e Kindleberger, C., Manias, panics and crashes: a history of

fi nancial crises, John Wiley, Nova Iorque, 1978. Os estudos iniciais da Escola Austríaca fornecem apoio adicional quanto às

consequências que o crescimento excessivo do crédito pode ter na formação de bolhas.

7 Ver “Lessons for monetary policy from asset price fl uctuations”, Capítulo 3, World Economic Outlook, FMI, Washington DC, Outubro de 2009; Detken, C. e Smets, F., “Asset price booms and monetary policy”, in Siebert, H. (ed.), Macroeconomic Policies in the World

Economy, Springer, Berlim, 2004; Adalid, R. e Detken, C., Liquidity shocks and asset price boom/bust cycles, Documento de Trabalho

n.º 732 do BCE, 2007; Borio, C. e Lowe, P., “Asset prices, fi nancial and monetary stability: exploring the nexus”, BIS Working Papers, n.º 114, BIS, Basileia, Julho de 2002; e Helbling, T. e Terrones, M., “When bubbles burst”, Capítulo 2, World Economic Outlook, FMI, Washington DC, Abril de 2003.

8 Ver Alessi, L. e Detken, C., ‘Real time’ early warning indicators for costly asset price boom/bust cycles: a role for global liquidity, Documento de Trabalho n.º 1039 do BCE, 2009.

9 Ver Gerdesmeier, D., Reimers, H.-E. e Roffi a, B., “Asset price misalignments and the role of money and credit”, International Finance, Vol. 13, 2010, pp. 377-407; e Gerdesmeier, D., Reimers, H.-E. e Roffi a, B., “Early warning indicators for asset price booms”, Review

atribuído um valor de 1 à variável binária expansão/contracção se uma expansão/contracção ocorre nos oito trimestres seguintes. Foram testadas equações probit para um painel de 17 países da OCDE. A especifi cação fi nal para as grandes expansões incorpora tanto os desvios do crescimento do crédito e dos preços da habitação como o rácio do investimento em relação ao PIB, juntamente com variações nos mercados accionistas e no PIB real (sendo estes dois últimos substituídos por variações nas taxas de juro nominais de longo prazo no caso das grandes contracções).

Estes resultados podem ser utilizados para avaliar o possível surgimento de grandes expansões e contracções nos mercados de activos da área do euro. Em primeiro lugar, a evolução recente do desvio do crédito a nível mundial, os desvios do crescimento do crédito interno e dos preços da habitação e o rácio do investimento em relação ao PIB não parecem fornecer qualquer indicação especial de uma grande expansão ou contracção futuras ao nível da área do euro. Em segundo lugar, os modelos probit de grandes expansões e contracções são estimados utilizando os dados mais recentes disponíveis, sendo calculada a probabilidade ajustada (ver Gráfi co A). Os resultados indicam que a probabilidade de uma grande contracção futura aumentou novamente, situando-se em 28% no terceiro trimestre de 2011, embora se mantenha abaixo do limite de 35%. Simultaneamente, a probabilidade de uma grande expansão vindoura permanece bastante baixa, em cerca de 10%.

Esta informação quantitativa é também representada grafi camente no Gráfi co B. Os eixos vertical e horizontal indicam as probabilidades de ocorrência de, respectivamente, grandes expansões e contracções, correspondendo o ponto de origem ao limite de 35%. Os quatro quadrantes representam as várias combinações possíveis em termos de probabilidades de ocorrência de grandes expansões e contracções. A evolução actual continua a colocar a área do euro no quadrante inferior esquerdo, que se caracteriza pela probabilidade de uma grande expansão ou contracção ocorrer nos próximos dois anos abaixo dos respectivos limiares. Contudo,

Gráfico A Probabilidade de uma grande expansão ou contracção dos preços dos activos na área do euro ocorrer nos dois anos seguintes

(percentagens) 0 20 40 60 80 100 1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011 0 20 40 60 80 100 grande expansão dos preços dos activos

probabilidade ajustada de uma grande expansão no prazo de 2 anos limiar 0 20 40 60 80 100 0 20 40 60 80 100 grande contracção dos preços dos activos

probabilidade ajustada de uma grande contracção no prazo de 2 anos

limiar

1999 2001 2003 2005 2007 2009 2011

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