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O imaginário de si como capital: A sujeição capitalista implica em sujeitos

O capital: a modalidade da falta no capitalismo

Condição 15 O imaginário de si como capital: A sujeição capitalista implica em sujeitos

que idealizam a si próprios como capital. Esse “capital humano” deve, logo, acumular insaciavelmente, deve ser um valor que se valoriza cada vez mais. Tal fantasia ideológica, contudo, não apenas esconde a heteronomia de sua realização, mas também obriga os sujeitos a concorrerem entre si para serem dignos da demanda desse Outro.

Já dissemos nesse trabalho que o sujeito mais notável da análise de Marx do capitalismo é o próprio capital. Sob esse laço social, de fato, é o capital que se realiza, que se reproduz, que põe as determinações que o constituem. E esse movimento de autodeterminação do capital se dá por sua insaciabilidade, pela repetição acumulada do processo produtivo, de

que, mais e mais renunciado, comanda a falta move o dito laço social e os sujeitos que, dele, são efeitos.

E o imperativo de geração de mais-valia é pervasivo e absolutamente totalizante. Eles nos convoca a, em todos os sentidos, promover o acréscimo dessa diferença absoluta, inclusive se o sentido em questão é o sentido de si. E essa convocação passa por fantasiar uma inversão. Ora, se o capital pode ser sujeito, por que o sujeito não pode ser capital? Por que o sujeito não pode buscar, ele mesmo, uma fantasia de autorrealização e de autovalorização? Por que ele não pode gerar mais valor, nos termos do discurso do qual é efeito?

São vários os ideários que remontam ao que aqui nos referimos, isso é, à narrativa do sujeito como capital: o “capital humano”, o “empresário de si”, o self-made man, o auto- empreededor, etc. Essas figuras contemporâneas mostram uma faceta da subjetivação capitalista que surge da denegação das condições de classe e caminha na direção de posicionar todos os sujeitos como indivíduos, livres, independente, autônomos e capitalizados.

A questão que se põem é: como é possível capitalizar aqueles que não têm capital, ou seja, que não detêm comando do valor que se valoriza? Ora, desmentindo essa limitação essencial, fazendo parecer que a força de trabalho é capaz de produzir mais valores para o próprio trabalhador. O salário, nesses termos, aparece como o rendimento advindo da força de trabalho, e não o preço pago por sua expropriação.

Desse modo, injunge-se o sujeito a conformar-se intimamente, por um trabalho interior constante, à seguinte imagem: ele deve cuidar constantemente para ser o mais eficaz possível, mostrar-se inteiramente envolvido no trabalho, aperfeiçoar-se por uma aprendizagem contínua aceitar a grande flexibilidade exigida pelas mudanças incessantes impostas pelo mercado. Especialistas em si mesmo, empregador de si mesmo, inventor de si mesmo, empreendedor de si mesmo: a racionalidade neoliberal impele o eu a agir sobre si mesmo para fortalecer-se e, assim, sobreviver na competição. Todas as suas atividades devem assemelhar-se a uma produção, a um investimento, a um cálculo de custos. A economia torna-se uma disciplina pessoal, Foi Margaret Thatcher quem deu a formulação mais clara dessa racionalidade: “Economics are the method. The object is to change the soul”221 (Dardot e Laval, 2016, p. 330 e 331, grifo do original)

Por consequência, o trabalhador performa um empresario de si próprio, como quem deve explorar ao máximo as próprias faculdades para obter o maior ganho possível. Mas se suas faculdades estão vendidas como força de trabalho, o que lhe resta é ser, o 221 Margaret Thatcher em Sunday Times, 7 maio 1988.

comprada a capacidade de produzir mais valor. A concorrência entre trabalhadores, aliás, pode ser bem expressa como uma concorrência pelo desejo desse Outro, o que no discurso capitalista significa concorrer pela geração heterônoma de mais-valia222.

Daí, a concorrência intercapitalista se desdobra para uma concorrência entre assalariados, concorrência essa que não necessariamente precisa ser por um posto de trabalho ou por melhor condição salarial. Ela é uma concorrência mais profunda, porque ela oferece os termos da identificação entre os sujeitos. E a concorrência, segundo Foucault, não se configura como resultado de um jogo natural entre indivíduos e comportamentos, senão que é concebida como eidos, como um princípio de formalização com lógica interna e estrutura própria. “É, de certo modo, um jogo formal entre desigualdades” (Foucault, 2008, p. 163).

Cada sujeito foi levado a conceber-se e comportar-se, em todas as dimensões da vida, como um capital que deveria valorizar-se: estudos universitários pagos, constituição de uma poupança individual para a aposentadoria, compra da casa própria e investimentos de longo prazo em títulos da bolsa são aspectos dessa “capitalização da vida individual” que, à medida que ganha terreno na classe assalariada, erodia um pouco mais as lógicas de solidariedade (Dardot e Laval, 2016, p. 201).

Tais são os imperativos do capital humano de Gary Becker223. Eles se estendem

pervasivamente para toda a expressão da vida dos sujeitos. Ora, esses indivíduo calculistas passam mesmo a medir sua existência em termos de produtividade, como se eles pudessem extrair mais-valia da própria existência. Mas na sociedade de sujeito heterônomo e do trabalho impróprio, a mais-valia que, de fato, se produz, é aquela que se acumula nas mãos dos capitalistas, detentores dos meios de produção.

Esse é o resultado analítico da homologia estabelecida por Lacan. De fato, enquanto mais-de-gozar, a mais-valia institui a modalidade de falta do capitalismo, de modo que quanto mais o discurso capitalista toma conta das narrativas, mais os sujeitos produzem essa mais-valia no limite de suas ações, sejam elas quais forem.

O mercado é concebido, portanto, como um processo de autoformação do sujeito econômico, um processo subjetivo autoeducador e autodisciplinador, pelo qual o indivíduo aprende a se conduzir. O processo de mercado constrói

222 A tese do livro de Dardor e Laval é a de que o neoliberalismo, antes de ser uma ideologia ou uma política

econômica, é fundamentalmente uma racionalidade, cujas características principais são “a generalização da concorrência como norma de conduta e a empresa como modelo de subjetivação (Dardot e Laval, 2016, p. 17). Nesses termos, o neoliberalismo se faz, mesmo, a “razão do capitalismo contemporâneo” (Dardot e Laval, 2016, p. 17, grifo do original), compreendendo um conjunto de discursos, práticas e dispositivos.

223 Becker (1993a e 1993b).

O estabelecimento da homologia entre a mais-valia e o objeto a, assim, “mostra que a homeostasia é uma ficção necessária, que estrutura e dá suporte à produção inconsciente, da mesma forma que o alcance imaginário do mecanismo de visão de mundo consistia em prover um todo fechado, sem quebras em sua construção” (Tomšič, 2015, p. 122, grifo do original)224.

A crítica da Economia Política realizada por Marx encontra intersecção com a psicanálise na medida em que reintroduz a negatividade como sujeito de um processo, o capitalismo, que fantasiosamente aparece como puramente vitalista, como um maquinário autônomo.

Somente por reintroduzir a negatividade que o capitalismo produz e rejeita (…) que o um projeto crítico pode ter sucesso em revelar os paradoxos lógicos que são necessariamente pré-condições tanto para pensar em mudança social, quanto para produzir uma nova subjetividade que não mais dependa da universalidade abstrata da forma valor. (Tomšič, 2015, p. 5)225

De fato, em sua crítica da Economia Política, Marx move, de forma contínua, dois níveis diferentes e intimamente relacionados: o da lógica de produção e o da lógica da fantasia. A lógica de produção é aquela cujas relações essenciais entre os valores (abstratos e aparentemente neutros) reproduzem um antagonismo social concreto. A lógica da fantasia, por sua vez, exprime a reprodução das aparências objetivas que reprimem, distorcem e mistificam a existência das contradições estruturais. Segundo Tomšič, a “lógica da produção e a lógica da fantasia são dois componentes básicos da noção de crítica de Marx” (Tomšič, 2015, p. 5)226,

em consonância direta ao que Lukács reivindica em relação à crítica ontológica que intentamos promover.

Pelo que aqui apresentamos, buscamos representar as condições lógicas e significantes pelas quais se estabelece o modo específico de existência no laço social 224 “it shows that the homeostasis is a necessary fiction, which structures and supports unconscious production,

just as the imaginary achievement of worldview mechanisms consisted in providing an enclosed whole without cracks in its overall construction.”

225 “Only by reintroducing the negativity that capitalism simultaneously produces and forecloses (…) can the

critical project succeed in uncovering the logical paradoxes that are the necessary precondition for thinking social change and for the production of a new subjectivity that no longer depends on the abstract universality of the value-form.”

226 “The logic of production and the logic of fantasy are the two basic components of Marx’s notion of critic.”

mais-valia é a “causa do desejo do qual uma economia faz seu princípio: o da produção extensiva, portanto insaciável, da falta-de-gozar [manque-à-jouir]” (Lacan, 2003, p. 434). “Por isso o movimento do Capital é insaciável” (Marx, 1988, p. 125). Significa dizer que as condições estabelecidas historicamente fazem com que o capital somente se reproduza enquanto a mais-valia - sintomatizada pelo fetichismo da mercadoria e, logo, possibilitada por toda a teia inconsciente que articula a sujeição no laço social - for o mais-de-gozar.

É por essa lógica, das condições fetichistas de negação e contenção de sentidos, que se produz a conformação de um espaço de possibilidade de sujeição. Como um efeito de antemão esmado, o sujeito aparece aí materialmente condicionado a uma estrutura de subjetivação e, logo, de razão. “Penso, logo sou” é posto, assim, sujeitado pela materialidade dos significantes da ordem simbólica capitalista.

227 “Na homologia, não há lugar para oposição entre subjetivo e social” (Tomšič, 2015, p. 59, nossa tradução).

Essa é a direção da noção de discurso de Lacan. Ela descreve tanto a estrutura articulada na fala individual quanto a estrutura do laço social.

Esse trabalho teve o sujeito como seu objeto de investigação e proposição. Partimos do indivíduo, a forma pela qual o humano aparece no laço social capitalista e, a partir dos questionamentos das condições materiais que possibilitaram que essa noção de pessoa surgisse na história, nos deparamos com a necessidade de pensar o humano como um sujeito: um conceito negativo, preenchido pela materialidade que sustenta a base econômica do laço social.

Outra forma de dizer isso é defender que nós, enquanto sujeitos, somos um devir-

a-ser. Significa que não somente somos um movimento dinâmico e crescente de experiências

de vida, senão que essas experiências não são aleatórias; que elas, isso sim, obedecem à lógica que constitui a base material da sociedade. Percebamos que, posto nesses termos, como movimento negativo e historicamente condicionado, o sujeito não pode ser pensado como uma natureza errante, como uma expressão biológica de determinações genéticas, metabólicas, instintivas ou cognitivas.

Não obstante, temos de tomar cuidado, também, para não creditarmos o sujeito na conta do determinismo, de modo a confirmarmos as acusações tantas vezes feitas ao pensamento de Marx e dos marxistas. O sujeito não é determinado, porque dizer que o sujeito é um devir-a-ser não é o mesmo que dizer que ele tem um destino. O destino é aquele que concebe o vir-a-ser como estático, equilibrado, inelutável. O devir, não. O devir compreende a luta, é movimentado por ela e resulta dela. Ocorre que a luta é determinada no bojo da história, no espaço de possibilidade gerado pelas contradições da forma de reprodução material das sociedades. O devir é, sim, o que deve ser. Mas o mandatório dessa sentença não está no termo “deve”, senão que na materialidade semântica do “ser”.

A análise do indivíduo como ponto de partida da nossa empreita se deu, justamente, para representar o componente institucional dessa semântica no capitalismo. Entre os diversos caminhos possíveis para investigar essa noção de pessoa, escolhemos embarcar primeiro pela etimologia, tanto por ela revelar a raiz do sentido de caracteres bastante caros ao que se entende como indivíduo - sobretudo quando pensado a partir da economia convencional - quanto porque a linguagem teria, mesmo, papel central na nossa investigação. E o breve resgate etimológico que realizamos apontou para importantes condições da aparência social dessa noção de pessoa: um agente atômico, indivisível e que constitui a

Em seguida, rumamos para um recorte filosófico em torno do aparecimento histórico da noção de indivíduo. A filosofia de Descartes nos foi, nesse sentido, muito conveniente, não só por ser uma porta de entrada aos fundamentos filosóficos da Economia Política clássica, como também por ser uma importante referência para que Lacan pudesse oferecer sua abordagem de sujeito, a partir da qual pudemos vislumbrar a possibilidade da formalização de uma noção materialista da sujeição.

Desse recorte filosófico pudemos desenhar a caracterização do indivíduo como uma instituição. Pela articulação do cogito cartesiano com o pensamento newtoniano e, sobretudo, lockeano, somos capazes de abordar o indivíduo como uma noção de pessoa cujo cerne é ser uma consciência livre, autônoma e independente. Essa concepção de pessoa se torna, mesmo, uma instituição, na medida em que passa a ser uma norma de pensamento socialmente compartilhada, ou seja, um saber sobre si e sobre o outro que está pronto de antemão na sociedade e que, logo, conforma uma mentalidade bem determinada, um elemento de inércia social e psicológica.

O devir desse sujeito, pensado como indivíduo, fica estabelecido, assim, desde a sua institucionalização. Isso porque, as relações desses indivíduos com as coisas (outros sujeitos e outros objetos) devem buscar atender as condições da individualização, ou seja, de sujeitos que falam de um lugar de aparente liberdade autonomia e independência. Sob tais condições não só a razão, as ações e as formas de experimentar a vida são cerceadas, como elas têm o sentido de reproduzir o tecido social a partir do qual elas se constituem.

Com efeito, tais condições por trás desse indivíduo institucionalizado acabam por produzir uma matriz ética do humano à qual as ciências econômicas convencionais se apropriarão e, mais do que isso, se tornarão guardiãs. Daí derivam as possibilidades imperativas de pensar em interesse, preferência, escolha, mercado, equilíbrio, etc., todos os elementos fundamentais da economia enquanto pretensa ciência - conquanto tal pretensão se estabeleça pela assunção desproblematizada do indivíduo como elemento empírico e atômico das relações econômicas.

Se o indivíduo nos serviu de foco crítico para a proposição de uma nova noção de pessoa, foi a partir de Marx que essa crítica foi feita. Buscamos evidenciar, nesse trabalho, que Marx acusa o indivíduo de ser um produto ideológico e, logo, uma formação aparente de uma organização material. A partir dessa crítica, levantamos quais as direções necessárias para

materialismo dialético marxiano.

Para tanto, fomos buscar em Lacan a referência a uma abordagem de sujeito como marcado pela materialidade das relações sociais. Nesse sentido, pensar o sujeito como aquele que é representado de um significante para outro significante, como um efeito de uma ordem simbólica, qual queria Lacan, nos permitiu formalizar uma noção de pessoa que não simplesmente tem, na sociedade, um critério de limitação - como é típico, por exemplo, da abordagem dos sujeitos da economia institucional. Na verdade, o que alcançamos com essa abordagem foi propor a formalização de um sujeito que existe como causa das condições históricas e sociais.

Assim, possibilitamos romper com a necessidade de pensar em alguma instancia individual a priori. No lugar dela, deslocamos a anterioridade radical para forma de organização material da sociedade. Com efeito, o sujeito que daí emerge, emerge como tendo toda a sua subjetivação conformada às condições históricas. Esse sujeito pensa, age, sente e se identifica de acordo com o movimento dialético do laço social. Ele é um devir-a-ser: um sujeito que reproduz a materialidade de que é efeito.

Para encerrar nosso movimento crítico, lançamos mão do esquema proposto como formalização do sujeito para buscar apreender elementos básicos da sujeição capitalista. Esse nosso esforço, é claro, não teve a intenção de levantar todos os fundamentos dessa sujeição. Diversas outras condições podem ser buscadas em trabalhos posteriores.

Vale dizer que, em meio às 15 condições levantadas, uma é essencial em nossa tese: mostrar que o indivíduo é uma condição capitalista, que ele é um elemento ideológico que propicia a reprodução do capital. Dessa forma, pudemos localizar toda a racionalidade em torno da ideia de indivíduo, não no lugar de um engodo da razão, senão que de uma razão acertada de acordo com a lógica do capitalismo.

O que nos deparamos ao perscrutar o sujeito capitalista, aliás, foi com características que não são, de maneira nenhuma, secretas; que são, nessa realidade, facilmente perceptíveis, embora talvez não tomadas como fundamentais a esse laço social. E a perceptividade dessas condições subjetivas do devir capitalista não é à toa. Ela, isso sim, aponta para a forma de negação da dialética do capital.

Queremos dizer que as diferenças dos significantes do discurso capitalistas não são negadas fundamentalmente por repressão (recalque) ou por exclusão (foraclusão). Antes,

operações fetichistas de sentido. Dessa forma, essas diferenças não conformam um desconhecimento, mas um cínico fingir-não-saber.

Pelo fetichismo da mercadoria, o laço social capitalista nos produz sujeitos que pregam a autonomia, embora ela seja calcada no fato de que, para existirmos, antes de qualquer coisa, temos de pôr nossa força de trabalho a serviço do outro. E trabalhar em nome do outro não é simplesmente uma condição efêmera, ela é aquilo que nos faz dignos da vida, é razão da nossa vitalidade. Aqueles que se negam à labuta, a vender honrosamente sua força de trabalho, são logo tomados por nós - e com razão - como extraviados e erráticos. Pelos mesmos motivos a perspectiva de desemprego, de recusa desse Outro, nos põe em estado de desalento, de angústia ou de luto.

É de forma fetichista, também, que o capitalismo nos faz querer avaliar tudo em termos de quantidade. De fato, somos sujeitos que calculam os prejuízos gerados por aposentados; que discutem os custos advindos da proteção ambiental; que contam seguidores, relacionamentos e artigos científicos. Talvez nem sequer nos soe estranha a pergunta sobre quanto vale a média da nossa existência, questão, essa, por exemplo, implícita no modelo de Ciclo de Vida de Franco Modigliani.

Aliás, qual a concepção de tempo presente no dito modelo de Modigliani? O que dizer da caracterização neoclássica de longo prazo? De fato, não há história nessas concepções temporais. Mas a perda do sentido do tempo como histórico não é só presente na teoria econômica, ela é uma implicação da nossa organização social. Somos sujeitos que, mais e mais, pensamos nossa vida no plano da livre iniciativa. Contornamos o fato de que não somos capazes de livremente iniciar nada, de que ninguém, de fato, o é.

Contudo, o tempo, posto assim como escalar, é necessário para que possamos desmentir as condições sociais que nos distinguem profundamente, que condicionam absolutamente nossa existência. Por isso somos sujeitos indiferentes uns aos outros. É desse lugar de indiferença que realizamos nossas trocas, que alocamos recursos, que consumimos, que escolhemos, que concorremos.

E, mais do que isso, construímos toda uma ética da igualdade em torno dessa indiferença, de modo que as medidas reparativas são recorrentemente acusadas de causar prejuízos ao equilíbrio social e as proteções sociais são facilmente vistas como mero assistencialismo. Em outras palavras, no capitalismo, experimentamos a igualdade pelo

Ora, essa liberdade, autonomia e independência - propiciada pela negligência do tempo histórico e, logo, das diferenças sociais que nos produzem como sujeitos – são exatamente o que nos permite ser individualizados. Na narrativa capitalista, essa condição subjetiva é fundamental. Ocorre que ser um indivíduo é uma realidade ideológica. Ela é a submissão ao imaginário de si e do outro como átomos de autonomia, como parcelas indivisíveis de liberdade, como a última divisão possível da independência. Somente nesses termos é que se pode assumir a fantasia na qual o ato original de um sujeito seja o ato de escolher.

E se somos esses indivíduos autônomos, livres, independentes e anistóricos, que outras relações são mais naturais que aquelas de mercado? De fato, o mercado aparece como o palco em que a soma das escolhas e dos desejos se equilibram; ele é o arranjo imaginário que possibilita que os indivíduos mantenham a integridade de seu caráter.

Contudo, o mercado é, na verdade, a ratificação do estranhamento estrutural do capitalismo. Ali, o que temos são mercadorias autônomas, livres, independentes e anistóricas que buscam encerrar sua sina na troca por outras mercadorias. Enquanto nós, sujeitos,